MITOS TAL QUAL VÍRUS

ANÁLISE DE UMA NARRATIVA VIRTUAL


 

Ari OTT
Universidade Federal de Rondônia

Valdemir MIOTELLO
Universidade Federal de Rondônia


Resumo:

Este artigo transcreve e analisa um mito que vem sendo difundido na rede mundial de computadores. O principal ponto da discussão é como se constitui o narrador cibernético, como ele interfere na mensagem que aparece pronta na sua tela. Conclui-se que, mesmo no mundo virtual, o narrador existe, seleciona os seus ouvintes e marca a sua narrativa.

Abstract:

This article copy and analyse a myth that has been forwarded in the world wide web. The main point of the discussion is how the cibernetic teller constructed himself, how he or she handled with one message that appears prompt and speedy on the computer's screen. The authors conclude that, even in the virtual world, the teller continues to exist, choosen the hearers and impriting the myth.

 


1. INTRODUÇÃO.


Nunca escrevemos este artigo que você começou a ler. Ele apenas existe virtualmente. Jamais foi impresso, não foi rascunhado no papel. Ele é resultado da troca de vários mail's entre seus autores. E trata-se de uma primeira aproximação analítica acerca de um mito (transcrito a seguir) que vem sendo sistematicamente transmitido na rede mundial de computadores.

A Internet é reconhecida como a mais importante ferramenta de comunicação deste final de século. Utilizada tanto para pesquisas, quanto para negócios, foi também invadida por todo tipo de mensagens (cookies), campanhas e narrativas. Abriga alguma coisa em torno de quatrocentos milhões de páginas que contemplam desde empresas transnacionais, até páginas pessoais. Possibilita, com seus instrumentos de busca, que uma palavra chave leve o internauta a ter que escolher entre centenas de milhares de possibilidades de consulta, sem a menor certeza de em que página terá a informação procurada.
Mais que isso, estabeleceu um correio eletrônico inovador, que dispensa papel, envelope, selos e carteiro. O usuário da rede organiza um catálogo de endereços eletrônicos e, ao escrever ou receber uma mensagem que considere que deva ser compartilhada por todos, simplesmente clica em um botão que (re)envia a mesma mensagem para todos os constantes do seu catálogo. Esta função dos programas de correio eletrônico é importante porque faz a mensagem disseminar-se exponencialmente, atingindo milhares, quiçá milhões de pessoas em algumas horas ou dias.
Que narrador poderoso! Tão poderoso que vê sua mensagem multiplicada praticamente a um número não pronunciável de leitores, tantos podem ser eles. A facilidade do meio possibilita que se multipliquem as mensagens de todo tipo: apoio ou repúdio às mais variadas causas, histórias, piadas, frases, ditos e brocados dos mais variados temas e mensagens edificantes. Narrativas míticas também trafegam na Internet.
Denominamos narrativas míticas, ou simplesmente mitos, em acordo com as definições clássicas, os relatos de autor desconhecido, partilhados pelos membros de uma sociedade, enunciados em uma linguagem alegórica e carregados de significação simbólica. Os mitos foram objeto quase exclusivo de estudo da antropologia que coletou e analisou mitos de grupos indígenas do mundo inteiro. Posteriormente, reconheceu-se que as narrativas míticas também estavam presentes entre grupos urbanos. Agora, indicamos que estes mitos mantêm a sua perenidade, ocupando os novos meios de comunicação.
É como narrativa mítica que estamos considerando o e-mail recebido por um dos autores e transcrita no tópico 2. Também neste tópico serão explicitadas as razões pelas quais o consideramos um mito, especificadas as outras fontes de recebimento do mesmo e as reações das pessoas para quem ele foi enviado. O tópico 3 analisa o papel do narrador nos mitos virtuais. Tentar-se-á responder algumas questões: em se tratando de uma narrativa, transmitida por meio eletrônico, quem é o narrador? E os que apenas encaminham a narrativa para usuários de seus cadernos de endereços também se constituem em novos narradores, ou são apenas retransmissores eletrônicos de uma narrativa narrada por outrem? Quem são os novos narradores (os narradores eletrônicos) hodiernos? São os que têm tempo e dinheiro para estarem diante de um computador ligado ao mundo por um modem, ou são os que têm prazer e gosto pelo narrar, mesmo fazendo uso de equipamento eletrônico? Algumas conclusões são apontadas no tópico 4. O trabalho não traz uma bibliografia tradicional, mas sim uma netgrafia comentada no tópico 5, onde estão indicados os endereços na rede para aprofundamento das informações.

2. O MITO ELETRÔNICO.

O seguinte fato aconteceu faz só uma semana em Buenos Aires. Um jovem decidiu ir a uma festa numa discoteca de lá "EstaDisco". Estava se divertindo bastante, bebeu algumas cervejas e conheceu uma garota que parecia gostar dele e que o convidou para outra festa. Logo ele aceitou e decidiu ir com ela. Foram a um apartamento onde continuaram tomando cerveja. Aparentemente lhe deram droga (não é sabido qual). Depois disso só se lembra de ter acordado nu, numa banheira cheia de pedras de gelo. Ainda sentindo os efeitos da droga e da cerveja, olhou em volta e estava completamente só. Havia um bilhete colado na parede escrito: "Ligue para o Pronto Socorro no seguinte número ou morrerá." Viu um telefone por perto e ligou de imediato. Relatou o acontecido explicando que não sabia aonde estava, o que tinha bebido, e o motivo da sua ligação. A atendente o orientou para sair da banheira e se olhar no espelho. Aparentemente estava normal. Então foi orientado para revisar as costas. Ai percebeu 2 cortes de 15 cm. cada na parte baixa das costas. A atendente o orientou para entrar de novo na banheira e aguardar até chegar a equipe de emergência que seria enviada.
Infelizmente tinham ROUBADO OS SEUS RINS e foi levado ao Hospital "Fernández". Cada rim tem um valor de 15,000 a 20,000 dólares no mercado Negro (ele nem sabia que isso existia). Algumas deduções podem ser feitas: A segunda festa era uma farsa, as pessoas envolvidas tinham conhecimentos médicos e as drogas que lhe deram não eram para nada divertido. Atualmente, essa pessoa esta no Hospital Fernández, conectado a um sistema que o mantêm vivo, esperando encontrar um rim compatível. Atualmente estão sendo realizados estudos de compatibilidade para encontrar um doador. Existe uma nova máfia do crime organizado que tem como alvo pessoas que viajam a trabalho ou estudo. Esta máfia esta bem organizada, financiada e conta com pessoal altamente especializado. Age em muitas grandes cidades e recentemente está muito ativa em Buenos Aires.
O crime começa quando a pessoa vai ao barzinho, boate ou discoteca. Uma pessoa se aproxima e ao vê-lo sentado só (de preferência) ou com um grupo de amigos, começa a bater papo. Na próxima cena, a pessoa acorda num quarto de hotel ou num apartamento, submergido em gelo na banheira, e só consegue lembrar da última bebida que tomou. Há algum bilhete colado na parede para ligar para o Pronto Socorro. Ao ligar, as atendentes, que já conhecem este crime, o orientam para checar cuidadosamente e sentir se tem um tubo que sai da parte baixa das costas. Caso a pessoa encontre o tubo e responda positivamente, a atendente pede para ele não se mexer, e aciona os paramédicos para auxiliar. Ambos os rins foram retirados.
Isto não é uma farsa ou um conto de ficção; é real, tem sido documentado e confirmado. Se você sai só ou conhece alguém que o faz, preste muita atenção. Existem médicos experientes e inescrupulosos que cometem este tipo de crime. A Polícia Federal tem recebido notícias sobre estes fatos, e está preparando o seu pessoal. Por favor, comente esta história, conte-a a todas as pessoas que puder."

Esta versão foi recebida sem comentários do remetente. Aliás, ele é o principal correspondente de um dos autores deste artigo no que se refere ao envio de todo tipo de história que cai na rede. Alguns dias depois, a mesma versão foi novamente recebida, desta feita enviada por uma correspondente brasileira que mora nos Estados Unidos. Ela tinha recebido a narrativa e estava enviando (Fwd) a mensagem para todos os seus correspondentes, em atendimento ao pedido de repassar o alerta, e precedida de alguns comentários: Essa mensagem veio de uma delegacia de polícia de Campinas. Como coisas deste tipo realmente acontecem é melhor prevenir e passar a estória para o maior número de pessoas possíveis. Por sua vez, a pessoa que originalmente havia mandado a narrativa para ela também fazia alguns comentários: A história abaixo parece muito esquisita... mas como recebi de uma delegada de polícia, achei melhor seguir o conselho de passá-la adiante! (grifos nossos).
O envio da narrativa para outras pessoas do catálogo de endereços dos autores provocou algumas reações. Ora de dúvida (...mas alguém sem os dois rins consegue sobreviver por algum tempo??), ora de estupefação (...a que ponto chegamos!), ora de conformismo (não se pode ficar mais tranqüilo hoje em dia), ora de ares apocalípticos (...teoria da conspiração, loucura ... recebi este e-mail, não sei se é verdade. Mas por precaução, vamos lê-lo), ora de certeza de ser o Salvador (...esta eu recebi e achei melhor encaminhar pra ser divulgada e repassada), mas nenhuma de desconfiança, ceticismo ou pronta negação acerca da veracidade da narrativa. Ou seja, o relato era tomado, a medir pelas reações tanto daqueles que a estavam enviando, quanto daqueles que estavam recebendo e respondendo a mensagem, como não somente aceitável mas também como verídica e possível de se repetir em qualquer outro lugar e com qualquer outra pessoa. Daí a urgência encontrada em todos eles de divulgar esta coisa tão trágica de Buenos Aires....
Não importa, de um ponto de vista objetivo, cirúrgico, se a narrativa é plausível ou inverossímil. O que a transforma em um mito, e não em um relato jornalístico, é que ela contém os elementos alegóricos e lingüísticos que fazem aflorar os medos milenares, as explicações esdrúxulas, os sonhos retidos por séculos, as neuroses embutidas, as lições de moral repetidas à exaustão e os arquétipos já atualmente soterrados de explicações racionais. Os personagens arquetípicos de mitos são conservados, transmitidos e tranformados para as gerações seguintes. O Prometeu acorrentado dos gregos teve o fígado arrancado pelos abutres. O Matin-ta-pereira dos amazônidas e o Mapinguari assustador, um índio envelhecido e endurecido pela falta de água e comida, andam pela floresta para levar embora os que se atrasam à noite sobre as horas combinadas para estar em casa. O Homem com o saco nas costas vagueia pelas ruas de nossas cidades, carregando as crianças, sumindo com elas, levando-as para um lugar escuro, de onde não voltam mais. A Garota da Noite, bela e sedutora por suposto, e o Médico Nefrologista, hábil e inescrupuloso com certeza, espreitam pelos bares à caça de sadios inocentes.
Para além dos personagens, devem ainda ser considerados dois aspectos: o tempo e o espaço das narrativas míticas. A indeterminação temporal é um elemento constante das narrativas míticas. Daí as formas próprias que introduzem a narrativa: era uma vez, ou no tempo em que os bichos falavam e assim por diante. Quanto ao espaço ou ele é indeterminado, a Terra do Nunca, ou é inacessível aos seres humanos, o Olimpo. Esta indeterminação ou inacessibilidade tempo-espacial possibilita a atualização da narrativa, indicando ao ouvinte que aquilo que ocorreu no pretérito e alhures pode vir a ocorrer novamente neste tempo e neste lugar. Mas, no caso desta narrativa, se o tempo é melífluo, o lugar está bem estabelecido e acessível: Buenos Aires, acrescentando um nome de uma discoteca e de um hospital. Se se considerar que a Buenos Aires da narrativa é a capital da Argentina, situada às margens do rio da Prata, com suas multidões de desempregados, falta de luz por onze dias consecutivos, um sistema previdenciário em frangalhos e um sistema de saúde privatizado, a narrativa perderia o seu caráter mítico de indeterminação de lugar, e não seria um mito, mas uma narrativa jornalística plausível de mais uma das inúmeras mazelas das cidades subdesenvolvidas. O leitor é tentado a quase considerar que a discoteca e o hospital existem na realidade cotidiana. Entretanto, se se considerar que a Buenos Aires relatada é aquela dos cafés e calles floridas, com suas casas de tango e a Casa Rosada com primeiras damas hollywoodianas, com mulheres lindas e homens elegantes, parecendo que saíram diretamente das vitrines para os passeios; aquela Buenos Aires que aparece nos cadernos de turismo dos jornais e revistas como o único lugar da América Latina em que se respira um ar europeu; aquela Buenos Aires em que Gilda viveu sua tórrida paixão, está-se representando uma cidade mítica, inacessível ao comum dos mortais. Esta cidade, este espaço, este território mítico é o palco representacional do possível e do impossível. Não é por outra razão que o personagem não é simplesmente raptado e subjugado à força e levado para um esconderijo onde se possa dispor do seu corpo, conforme o gosto dos seus algozes. Ao contrário, o personagem freqüenta a Buenos Aires noturna com seus encantos. Não há violência no relato; há sedução. Não há constrangimento; há convencimento. Não há dor; há delícia. Não há urgência; há surpresa.

3. O NARRADOR CIBERNÉTICO.

Como se constitui este narrador e este interlocutor, ao redor de uma narrativa, e levada adiante por meio eletrônico? Narrador é quem narra. Há bons e maus narradores. Não se nasce com o dom de narrar. Narrar, assim como qualquer ação ou pensamento humano, se aprende, e de fora para dentro. O que parece dom de contar, de narrar, se aprende a duras penas, narrando, treinando talvez em família, depois enfrentando grupos maiores, expondo-se à crítica alheia, recebendo retorno do que foi narrado. Quando este treino é feito "voz-ouvido", parece mais rápido o retorno, buscado dentro do olho do interlocutor, na sua posição corporal, nos seus "ais-e-então?" e no seu interesse vivo. Além disso, a própria platéia vai selecionando, apontando e elegendo seus narradores por conta de suas performances. Mas, como isso se dá nos meios eletrônicos? Como se elege um bom narrador na rede? Como ele chama a si esta responsabilidade de ocupar este espaço de narrador cibernético?
Não se pretende ter as respostas completas, mas pode-se avançar pouco a pouco na tentativa de, senão explicar, pelo menos alcançar algum entendimento acerca deste novo fenômeno. O mito nasce na oralidade. Não haveremos de afirmar diferente apenas porque as narrativas míticas do final do século XX começaram a navegar na rede de computadores. Trata-se, evidentemente, de um novo meio de comunicação e veiculação, usado ao mesmo tempo pelo locutor e pelo interlocutor, mas que não desvincula o nascedouro do viveiro. O mito trafega na internet encapsulado em bits, e no entanto ele continua nascendo na oralidade, no contato boca-ouvido, nos serões noturnos, nas rodas de causos. O relato mítico atual que navega online, teve como manjedoura os arquétipos universais - que vão se modificando e se adaptando às novas formas de sociabilidade, mas que preservam o projeto-de-dizer original - que mexem com as emoções mais recônditas e subterrâneas da humanidade do homem. Sua nova vestimenta atual é resultado de novas leituras em cima de novas realidades. Mas o mito, talvez pudéssemos dizer assim, continua o mesmo: a casa, este território familiar, agora mais do que nunca, oferece segurança, tranqüilidade, aconchego e proteção; na rua, este território inóspito, somente se encontra perigo, violência, ardis e armadilhas. A narrativa é (re)criada a cada vez que ela é (re)contada. Ou, no dizer popular, "quem conta um conto aumenta um ponto".
Mas como fica esta questão, uma vez que no meio eletrônico a narrativa já vem exibida na tela, e quase sempre é repassada (fwd) sem modificação? Nesse caso, ela permanece a mesma narrativa, como em um livro impresso em milhares de exemplares? A nossa resposta é não e devem ser considerados três aspectos. O primeiro aspecto da recriação, diz respeito aos comentários que o narrador (retransmissor) introduz no cabeçalho da mensagem, de caráter absolutamente pessoal. São neles que o narrador atualiza a narrativa e nela interfere, imprime as suas marcas, aumenta um ponto, apela para argumentos de autoridade, produz o "aggiornamento", e assim por diante. Grifamos anteriormente as expressões "delegacia de polícia de Campinas" e "delegada de polícia", correspondentes aos comentários de dois narradores. Embora similares, as duas expressões guardam diferenças abissais. Entre uma delegacia de polícia, impessoal, assustadora no imaginário, e uma delegada de polícia, amiga e conhecedora dos meandros legais, as autoras da retransmissão interferem na narrativa, acrescentam sua própria visão e recriam o mito, mapeando o "projeto-de-ouvir" do interlocutor. O segundo aspecto da recriação acontece à medida em que o leitor-interlocutor da mensagem reconta-a para um novo interlocutor, quando então ela volta para a oralidade, e continua seu caminho, adaptando-se, renovando-se, revestindo-se de novas roupas, míticas e lingüísticas, a partir de cada realidade em que ela novamente se insere. O que se ganha com o meio eletrônico é em velocidade de difusão, pois que um mesmo narrador pode enviar sua narrativa para milhares de novos interlocutores. E quando um interlocutor destes se põe a narrar a narrativa que leu, para um público presente e atuante, ele veste cada palavra com o seu acento apreciativo, com seu tom de voz, procura o melhor ambiente adequado, a melhor hora, o melhor clima, para jogar na corrente sem fim da comunicação humana uma narrativa que produza os efeitos desejados por ele. Agora a narrativa vai ter o seu tom, vai carregar o seu projeto-de-dizer (se for um médico ou um dono de bar ou um pai a contar a narrativa de Buenos Aires ela ganha direção e conotação diferenciadas). E, finalmente, o terceiro aspecto é o que permite ao narrador eletrônico selecionar seus interlocutores, às vezes de uma lista imensa de destinatários disponíveis no seu "caderno de endereços". Entre seus endereços pode haver pessoas a quem ele não encaminha determinada mensagem, por não corresponder ao perfil dos que sentiriam prazer de ler tal narrativa. Assim, dependendo da mensagem, ela é encaminhada a determinada pessoa, ou mesmo a determinado grupo de usuários. Cada narrador eletrônico seleciona seus "ouvintes" e monta sua "roda de causos" eletrônica.

4. CONCLUSÃO.

O retransmissor da narrativa passa a ser também um autor. Sendo um elo desta incomensurável cadeia de narradores, recebendo narrativas e selecionando aquelas que devem ser retransmitidas, funciona como um fiel depositário dos dados que estão circulando no imaginário de sua sociedade e de sua cultura, de sua comunidade e de sua família. Ele é quem seleciona e organiza os dados, como se escolhesse o que tirar de um velho baú onde estão as substâncias conjeturais de sua narrativa. Tanto ao utilizar este depósito narrativo atemporal, quanto ao proceder a uma rigorosa seleção estabelecida por critérios pessoais, ele também reinventa, recria, refaz a história, misturando novos elementos, organizando de formas diferentes, e incluindo dados que ainda não estão no baú da cultura, mas que passarão a estar a partir de sua narração.
Ele é quem introduz na narrativa as marcas de sua individualidade, além de produzir uma narração única e irrepetível. É o ato de fiar a experiência própria da vida no fio que se perde no tempo e no espaço. Cada nova roda apresenta uma nova ordem, um novo arranjo, que exige novos dotes e novos esforços da imaginação, e que mobiliza, simultaneamente, tradição e inovação, individualidade e coletividade, o já-dito, o dito-agora e o por-dizer. É a tessitura infinita das histórias no clicar de um botão. As narrativas, principalmente as narrativas míticas, encontram sua legitimidade e sua historicidade não só no fato de serem imemoriais e serem parte da dimensão ideológica do grupo. Mas, também, por significarem uma reapropriação, uma retomada de conteúdo do imaginário grupal perdido nos desvãos da memória por alguém que vai trabalhar estes dados de forma personalizada, historicizada, demonstrando assim suas habilidades performáticas e seu trato com as coisas públicas. Dessa forma, a voz que narra revela a dinamicidade da narração e se coloca como contraponto, reatualizando o conteúdo.
Ao final, voltamos a Prometeu. Do herói mítico, que roubou o segredo do fogo dos deuses e o entregou aos homens, os abutres retiravam o fígado aos pedaços. De nosso herói portenho foram retirados os rins inteiros. Ambos sobrevivem à tortura. Prometeu, acorrentado à montanha, porque o fígado regenera-se mesmo com as bicadas dos abutres, e o nosso herói anônimo, adormecido em uma banheira de gelo, porque a tecnologia interfere a favor dele. Prometeu relaciona-se com os homens, e esta relação o salva da morte, destino inexorável de todos; o nosso herói relaciona-se com os homens e com as mulheres, acredita neles e nelas, encontra-se com a morte, mas termina sobrevivendo por interferência de uma máquina. O homem maquínico, eis o resumo do século.

5. NETGRAFIA COMENTADA.
a) Faria muito bem ler Walter Benjamim para aprofundar o estudo do narrador. Assume o papel de narrador em uma dada comunidade quem tem ligações amplas com o mundo circundante (um marinheiro, por exemplo), ou quem está profundamente arraigado em seu próprio meio (como um agricultor). Maiores reflexões podem ser obtidas em
http://www.urbi.com.br/users/jlbelas/texto02.htm
b) Um estudioso como Mikhail Bakhtin não pode ficar sem ser lido para aprofundar a questão da relação entre o locutor e o interlocutor, entre o sujeito e o outro. Acham-se excelentes subsídios no Centro Bakhtiniano, localizado na Inglaterra, em
http://www.shef.ac.uk/academic/A-C/bakh/bakhtin.html
c) Sobre mitos e lendas em geral, basta procurar em Altavista que milhares de sites serão revelados; e então cabe uma busca com calma. Mas sobre mitos e lendas da Amazônia, o site
http://www.mtbrazil.com.br/amazon4.html é um bom começo. Para mitos e lendas brasileiras clique-se http://www.nautilus.com.br/~edilzio/folclore.html
d) Com relação ao imaginário nas formas narrativas orais populares, a Universidade Federal do Pará coletou milhares delas, e colocou à disposição no site
http://www.ufpa.br. Entre nesta página e logo em seguida clique em pesquisa, e depois procure "O imaginário nas formas narrativas orais populares da Amazônia Paraense". É divertimento na certa.
e) Se tiver curiosidade sobre mitos e musas da mitologia grega, comece sua pesquisa por
http://www.geocities.com/Athens/Olympus/7866/musas.html
f) Não pare por aí. Os hackers e anti-hackers também disponibilizam muitas narrativas sobre os mitos pós-modernos que a própria rede produz, como são os que invadem os mail's falando de milhões de vírus superperigosos que invadirão e destruirão seu computador em apenas alguns segundos. Para alguma informação inicial vá a
http://www.netgate.com.br/~hacker/ahhp/basico/mitos/lendas/main.htm É a criatura assustando o criador. Se não nos enganamos, esta história já está narrada na primeira página da Bíblia. Melhor expulsar o computador de seu paraíso enquanto há tempo... parece que ele comeu do fruto da árvore do conhecimento (só não comeu da árvore da vida porque Eva chegou primeiro)
g) Comunique-se com os autores. Envie os mitos urbanos que você conhecer. Discuta o artigo. Para Ari Miguel Teixeira Ott utilize o endereço eletrônico
amto@svn.com.br e para se comunicar com Valdemir Miotello use miotello@zaz.com.br


Ari OTT, médico, mestre em antropologia (UnB), doutorando em ciências humanas (UFSC), professor adjunto na Universidade Federal de Rondônia (UFRO)
E-mail: amto@svn.com.br
Valdemir MIOTELLO, filósofo, mestre em lingüística (UNICAMP), doutorando em lingüística (UNICAMP), professor assistente na Universidade Federal de Rondônia (UFRO).
E-mail:
miotello@zaz.com.br


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