REVISTA BRASIL DE LITERATURA

ANO II

 

Casa de Poetas


Alckmar Luiz dos Santos

 

 

 

PRIMEIRO SONETO MEIO BARROCO

O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo sendo parte,
Não se diga que é parte sendo todo.

Gregório de Matos

 

Um simples conformar-me a olhos tais
Foi já nascente idéia em não querê-la:
Recusa de ceder ao que – tão bela –
Seria morte em mim, um fim, sem mais

E mais, ainda, a afronta desse viço
Que – tão contrário a mim – se faz arauto
Da dor com que me vejo louco e falto
Da força com que arrosta o fado imigo.

Mas, deu-se o renascer (que nem é certa
Coisa que em mim se instala, invade e dura),
E fez de outra fatura o meu olhar-te:

E fez de mim – ruína que antes era –
Um ínfimo infinito: imagem sua,
Ao dar-se em todo inteiro o que era parte.

.

.

SEGUNDO SONETO MEIO BARROCO

.

Assim como se dá com a galera
Que sulca, opressa, mares, ondas bruscas,
E busca uma firmeza que se apura
Nos saltos com que, móbil, se aquieta,

No dentro já costura o fora e é certa
Amiga que acompanha toda usura
Do tempo – solução que só mistura
Tormenta, calmaria, paz, procela –.

Assim se faz meu ser, que é todo um ritmo
Perdido nos mil tons que vêm de ti,
Tentando ver em um o que o destino

Me dá a ver tão vário. É frenesi
Que cobre a compostura de menino
Com que te quero, séria, sempre em mim.

.

.

PRIMEIRO SONETO BARROCO

.

Agora volta o vento ao que antes era,
Despido já de força tão insana;
E a brisa que à procela, enfim, se irmana
É dádiva de Adônis que vem d’Ela.

Agora vê-se o vento em calma e àquela
Angústia que, aos olhos, pesa e dana
Vem dar constante ardor e fria chama,
Que a brisa que ora morre ainda é bela.

Mas vê-la não podia ser mais duro,
Que o vento sabe, ao menos, retornar
E dar-se por vencido, mas – eu juro –

Se é vento, nela, não o sinto em ar:
Pois como pode ser tal brilho escuro,
Que só me dá um vácuo a respirar?

.

.

SEGUNDO SONETO BARROCO

Tudo no mundo é jogo, Fábia. A sorte
É sisuda a teus prantos, à alegria
É grave. E o que o destino principia
Se acaba sempre em pó, em nada, em morte.

E o que mais dói é ser valor sem importe:
Transtorna, em pouco tempo, essa acalmia
E já nos troca em velha mercancia,
Ao mudar em fraqueza o que era forte.

Se, há, pois, ordem alguma em que fiar,
É saber que se ignora, é crer sem
Fé, que a cautela é como um barco ao mar:

Ajustado o leme, atado ao arrebém,
Assesta rumo reto ao navegar,
Até que o mude o Fado, com desdém.

 

 

TERCEIRO SONETO BARROCO

 

Há pouco já chegava o ameno vento
Que deixa seu langor em todo rosto;
Mas já se troca em gelo, em fel, desgosto,
Que em toda paz parece haver tormento.

E assim se faz, de um pouco, o abastamento;
E dá a ver, num dia só, composto,
O ano todo inteiro em que suposto
Amálgama de climas seja o intento.

Mas não há mais que zelo e hesitação:
E se é guerra o motor que lança a paz,
Mais não seja preciso ter à mão

Que a ânsia de lutar; que a dor que traz
O fero padecer se paga, então,
No fraco que, de si, constrói-se audaz.

 

 


Alckmar Luiz dos Santos é Professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Etudes Littéraires, Université Paris 7, orientação de Julia Kristeva, 1993. Mestre em Teoria Literária, UNICAMP, orientação de Suzi Sperber, 1989. Graduação em Engenharia Eletrônica, UNICAMP, 1983
E-mail: alckmar@cce.ufsc.br


 Abertura |Recepção | Folha de rosto | Indice | Colaborações| Pesquisadores Brasileiros | Bancos de Teses | E-mails | Instruções | Arquivos |Endereços na Internet | Serviços | Lançamentos | Conselho