O mafuá do poeta
Às vezes te sentas como se levantasses
e precisavas correr. Mas encaras.
O dia não passa e feito vento passas
embora junto ao bureau -- e tudo ali se arrasta.
Tem horas em que estás no Afeganistão
ainda que no Rio.
Pulsação : 50 de Tiradentes no âmago.
Outras vezes -- de um estoicismo --
lês sobre os torturados de Baptista
Baptista comendo o esterco dos torturados.
Há dias em que te enches dos céus de Copa
pra, já multidão, te esvaziares num bar-além
e nesse vem-não-foi por vezes vais, não és
ou foste, e aonde não iriam serás.
Às vezes não há vezes e importa criar outras
em que esse pandemônio de idéias e atos se perpetue
para que nunca deixes de ser poeta.
( Terra Presente, em preparo)
Poesia no esqueleto
Nem sempre a poesia pergunta
por seus meios e rumos.
Às vezes, em estado de praça,
abraça a desordem
de que uma Central transborda.
E então, poesia no esqueleto, ela fala
com sol na carcaça.
E aí não se move uma prole de sentidos
senão três. Três sentidos, três palavras.
Três, porém, que se ramificam
e clareiam, enegrecem, mergulham
de novo clareiam, sobretudo lampejam
como um sol que brilha
em ziguezague
sobre o rosto da América.
( Terra Presente, em preparo)
Os tolos disseram que nunca ninguém te ultrapassou em tristeza,
que tua alegria ( quanto engano! ) foi sepultada na crise de 30.
Sábios do esterco, eles sabendo não sabem
que por trás desse tristume renasce o empenho
e teus gestos, matando o desterro,
saúdam o dia de mambembes e poetas e coxos e barnabés.
Aqueles não entendem essa tristeza -mais -como - arma
herança de um tetravô, com quarto no meretrício.
Tristeza vento, bem folha caindo,
tristeza tão tronco - pois é - de raízes
a dissolverem decretos.
Assim te sentes, eles ignoram.
Pensam que o negro de teus olhos para baixo
não dispõe da astúcia
que destroncou o esqueleto do Império.
(Terra Presente, em preparo)
Hiato
violentas e comedidas
as coisas proferidas
buscam o peso do cimento
e duração do aço
mas apesar
haverá sempre um hiato
entre o que digo na desdita
e a história que transcorre
faca na medula
(1988 - Elegia sem posse e outros poemas)
Carlos Augusto Corrêa é poeta, cronista e ensaísta. Autor de Elegia sem posse e outros poemas [Gerarte:1988]. Desde 1972 vem coloborando na imprensa do país (Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa, Estado de São Paulo, revista Encontros com a Civilização Brasileita, revista Vozes, revista Poesia Sempre), publicando poemas, resenhas e ensaios. Tem ainda a ser publicado Terra Presente (poesia) e O sorriso da Vila (crônicas).
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