O mafuá do poeta

Quatro poemas de Carlos Augusto Corrêa

 

 


O mafuá do poeta

 

Às vezes te sentas como se levantasses

e precisavas correr. Mas encaras.

O dia não passa e feito vento passas

embora junto ao bureau -- e tudo ali se arrasta.

 

Tem horas em que estás no Afeganistão

ainda que no Rio.

Pulsação : 50 de Tiradentes no âmago.

Outras vezes -- de um estoicismo --

lês sobre os torturados de Baptista

Baptista comendo o esterco dos torturados.

 

Há dias em que te enches dos céus de Copa

pra, já multidão, te esvaziares num bar-além

e nesse vem-não-foi por vezes vais, não és

ou foste, e aonde não iriam serás.

 

Às vezes não há vezes e importa criar outras

em que esse pandemônio de idéias e atos se perpetue

para que nunca deixes de ser poeta.

 

( Terra Presente, em preparo)

 


Poesia no esqueleto

 

Nem sempre a poesia pergunta

por seus meios e rumos.

Às vezes, em estado de praça,

abraça a desordem

de que uma Central transborda.

 

E então, poesia no esqueleto, ela fala

com sol na carcaça.

E aí não se move uma prole de sentidos

senão três. Três sentidos, três palavras.

Três, porém, que se ramificam

e clareiam, enegrecem, mergulham

de novo clareiam, sobretudo lampejam

como um sol que brilha

em ziguezague

sobre o rosto da América.

 

( Terra Presente, em preparo)

 


 

Confissões de um tu

 

Os tolos disseram que nunca ninguém te ultrapassou em tristeza,

que tua alegria ( quanto engano! ) foi sepultada na crise de 30.

Sábios do esterco, eles sabendo não sabem

que por trás desse tristume renasce o empenho

e teus gestos, matando o desterro,

saúdam o dia de mambembes e poetas e coxos e barnabés.

 

Aqueles não entendem essa tristeza -mais -como - arma

herança de um tetravô, com quarto no meretrício.

Tristeza vento, bem folha caindo,

tristeza tão tronco - pois é - de raízes

a dissolverem decretos.

 

Assim te sentes, eles ignoram.

Pensam que o negro de teus olhos para baixo

não dispõe da astúcia

que destroncou o esqueleto do Império.

 

(Terra Presente, em preparo)

 


 

Hiato

 

violentas e comedidas

as coisas proferidas

buscam o peso do cimento

e duração do aço

 

mas apesar

haverá sempre um hiato

entre o que digo na desdita

e a história que transcorre

faca na medula

 

(1988 - Elegia sem posse e outros poemas)

 

 


Carlos Augusto Corrêa é poeta, cronista e ensaísta. Autor de Elegia sem posse e outros poemas [Gerarte:1988]. Desde 1972 vem coloborando na imprensa do país (Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa, Estado de São Paulo, revista Encontros com a Civilização Brasileita, revista Vozes, revista Poesia Sempre), publicando poemas, resenhas e ensaios. Tem ainda a ser publicado Terra Presente (poesia) e O sorriso da Vila (crônicas).

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