A Doutora Margarida Gandara Rauen é
professora da FAP - Faculdade de Artes do Paraná, onde coordena
o Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Teatro e
é professora de Artes Cênicas no Curso de Bacharelado,
desde 1995. Publicou, primeiramente, Richard
II' playtexts, promptbooks and history: 1587-1857. Curitiba: Fundação
Cultural de Curitiba, Lei Municipal de Incentivo à Cultura, 1998.
180 p. Bibioteca Nacional, reg. No. 164.892, livro 275, fl. 31. E Ricardo
II entre textos, os manuais de palco e a história: de 1597 a
1857 em São Paulo, pelas edições Ciência
do Acidente, em 1999, com Prefácio por John Milton, USP.
O livro oferece, em uma linha de pesquisa
muito pouco conhecida dos estudiosos brasileiros, principalmente os
especialistas em teatro, a abrangência de processos de transformação
textual e teatral da obra Shakespeariana, em estudos sobre Ricardo
II. Trata-se, portanto, de uma das obras do dramaturgo inglês
de tema histórico, sobre o século XIV, época em
que viveu o Rei Ricardo: 1367-1400. Entretanto, a obra é também
importante, pelo extenso material, multiplicidade de versões
em quartos (edições individuais), em Folios
(antologias com todas as peças), em manuais de palco e em edições
de montagens específicas, como também se pode depreender
a tendenciosidade ideológica e estética do teatro.
O Manual de palco ou promptbook é o texto
da peça teatral, algumas vezes chamado script, onde, durante
ensaios, são feitas anotações em caneta ou lápis,
desenhos e várias observações ligadas à
montagem; os prompters do século XVI forneciam as linhas
do texto para os atores, salvaguardando o esquecimento, o ponto, por
exemplo; indicavam a marcação e a inclusão de efeitos
especiais, músicas, sons, etc. Informa ainda a autora sobre as
edições de montagens específicas ou performance
editions, textos publicados para venda no teatro, conforme a versão,
já cortada ou adaptada, apresentação para um público
específico de uma determinada temporada.
As várias edições individuais
ou quartos (Q) proporcionam a desmitificação da
história textual, porque expõem inúmeras variações,
de versão para versão. Muitos historiadores acreditam
que as edições posteriores a Q2, 1598, sejam reimpressões
do Q1, 1597. Entretanto, há outros quartos apresentados
em ordem cronológica - (Q3) 1598, (Q4) 1608, (Q5) 1615, (Q6)
1634 - onde se observam inúmeras variações. E na
primeira antologia completa das obras de Shakespeare, o Folio
de 1623 (F1), Ricardo II aparece com outras diferenças
textuais.
O in-quarto de 1597 (Q1), a versão mais antiga existente
de Ricardo II ligada a Shakespeare, é o primeiro texto
a ser estudado; trata-se de uma versão nunca abordada, especificamente,
porque a ortodoxia o entendeu como incompleto: não inclui o episódio
do espelho, parte da cena do Parlamento, cuja correspondência
se encontra no Ato 4, cena 1, linhas 162-318, impresso pela primeira
vez no quarto de 1608 (Q4), e posteriormente no primeiro Folio
de 1623 (F1).
São considerados também três manuais de palco citados,
no catálago descritivo (1965), por SHATTUCK, que embora esteja
sendo revisado, contém listagem correta de títulos à
disposição nas principais coleções de livros
raros.
Os manuais se referem a adaptações para o palco durante
os séculos XVIII e XIX. O primeiro, do acervo da Biblioteca Folger,
é uma cópia da alteração publicada pelo
encenador Lewis Theobald, em 1719, e está relacionado à
montagem de 1720, no teatro Smock-Alley, de Dublin. O segundo, também
do acervo da Biblioteca Folger, é cópia da edição
de Steevens, organizada pelo ator e diretor Charles Kean, para uma montagem
no Teatro Princess's, em Londres, em 1857. A autora estabelece também
a relação desse manual com um livro de "deixas"e a primeira
edição de Ricardo II que Charles Kean publicou
em 1857. O terceiro manual é da Coleção de Teatro
da Universidade de Harvard e é cópia da edição
de Richard Wroughton de 1815, com possíveis anotações
pelo ator inglês Edmund Kean para uma montagem em Filadelfia,
em 1819.
Observam-se desde o século XVIII, variações extensas
- ortografia, escolha do vacabulário, ausência do diálogo,
ausências de poucas e até centenas de linhas - entre as
versões in-quarto e in-Folio. A solução
encontrada pelos editores foi conflacionar linhas, trechos e cenas para
produzir versões "completas", isto é, fusões de
folio e quartos, em reconstituições
de textos antigos.
Observa a Dra. Margarida Gandara Rauen que
o resultado mais notável
dessa tradição editorial, cujas limitações
já foram denunciadas por BLAYNEY (1997), é
que as pessoas....desde o século XVIII, não
tiveram a oportunidade de conhecer as peças de Shakespear!"
(RAUEN, 1999, 17)
A interferência de editores desde
1597 em Ricardo II está bem evidente pelo controle rigoroso
exercido pelo Estado, a partir de 1538, sob o reinado de Henrique VIII,
pois a liberação de qualquer obra deveria ser autorizada
pelo "Privy Council", devendo ser encaminhada pela "Stationers'Companny,
"Sindicato dos gráficos", que, em 1557, oficialmente passou a
controlar a publicação dos livros. Convém assinalar
que a censura continuou durante o reinado de Elizabeth I (1558-1603).
Em Ricardo II parece haver críticas do dramaturgo ao reinado
de Elizabeth I; o tema é muito sugestivo, no final do século
XVI, pois a rainha corria o risco da deposição e a perda
de popularidade, situações de extrema semelhança
com o reinado de Ricardo II, no século XIV. Segundo SIMPSON (1874),
a obra criticaria a administração de Elizabeth e seria
um alerta ao futuro de seu reinado.
A hipótese da censura continua sendo aceita pelos editores durante
o século XX pela omissão da cena do espelho nos primeiros
quartos e observam que ela pode ter sido encenada antes de sua
publicação no quarto de 1608, KITTRESDGE (1941,vii),
o que assinala o medo de processos entre os profissionais do mercado
gráfico.
Embora vários autores defendam a hipótese de censura da
cena do espelho, em pesquisas mais recentes autores como BARROL (1988),
BERGERON (1991) e CLARE (1997) rejeitam a tese da censura e a julgam
simplista cultural e historicamente.
Há, porém, a teoria revisionista de WARREN (1978) e desenvolvida
por URKOWITZ (1980) para explicar as variações textuais
das múltiplas versões de Ricardo II. Cada possibilidade
textual decorre do ponto de vista da encenação teatral.
TAYLOR e WARREN (1983) estimulam o estudo dos quartos e manuais de palco
Shakespearianos - reestruturação dos "scripts"para a encenação
- como documentos teatrais íntegros.
Na última década, deixou-se a análise para a identificação
de versões piores ou melhores e se deu relevância à
coerência dramatúrgica e teatral dos textos como OSBORNE
(apud BULMAN,ed.1996), alertando que a investigação
do Bardo verdadeiro é inútil porque Shakespeare não
deixou nenhum manuscrito original. (RAUEN, 199,p.21)
De acordo com URKOWITZ (1986), e WERSTINE (1988) e outros, cada texto
in-quarto e in-Folio deve ser considerado como
íntegro. Intenções autorais e determinação
de textos autênticos serão sempre frustantes até
que apareçam os manuscritos de Shakespeare.
É nesse contexto que a Dra. Margarida Gandara Rauen discute a
validade do primeiro texto in quarto de Ricardo
II pela análise da dramaturgia e da coerência histórica
da ficção.
Depreendemos a importância de Ricardo II entre textos, os manuais
de palco e a história: de 1597 a 1857, contribuição
valiosa para os estudos shakespeareanos e para todos os estudiosos de
dramaturgia no Brasil; pesquisa séria e profunda realizada na
Biblioteca Shakesperiana Folger, em Washington, D.C., na Biblioteca
Nathan Marsh Pusey/Biblioteca Houghton, e Coleção de teatro
de Harvard.
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KITTREDGE,George Lyman (ed.) The tragedy of King Richard the Second.
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URKOWITZ, Steven. Shakespeare'Revision of `King Lear'. Princeton:
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WERSTINE, Paul. "The textual mystery of `Hamlet'. Shakespeare Quarterly
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WROUGHTON, Richar. Shakespeare's KING RIHARD THE SECOND; AN HISTORICAL
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Drury Lane. London: Printed for John Miller, 25, Bow-Street, Convent-Garden.
1815. Price Two Shillings and Sixpence (sic) [Harvard Theater Library
item TS promptbook Sh 154.311]
Lygia Rodrigues Vianna Peres
é doutora em Língua Espanhola e Literatura Espanhola
e Hispano-Americana, USP/92. A partir de sua tese de doutoramento,
O Maravilhoso no Teatro de Calderón de la Barca: sonhos,
visões e aparições, dedica-se ao estudo do
teatro do "Século de Ouro"espanhol, o século XVII, em
intertextualidade com a pintura, a tradição emblemática,
a História da Espanha. É coordenadora do GT de Dramaturgia
e Teatro da ANPOLL.
E-mail: Lygia@megaline.com.br
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