Ivone da Silva Ramos Maya
Universidade Federal Fluminense
RESUMOPretende-se mostrar, através do enfoque articulado de três instâncias expressivas da Arte -- Literatura, Música Popular e Charge -- como um elemento do cotidiano, no caso o Bonde, se eleva em tema principal possibilitando a compreensão da evolução dos costumes e novos modos de procedimento da sociedade brasileira no final do século XIX (com o bonde de burros) e na virada do século ( com o elétrico ou a fase dos "trilhos urbanos") . A chegada do bonde é responsável pelo novo perfil urbanístico da Cidade, sobre o qual se debruçou a prosa de ficção, projetando a rua como o palco privilegiado de atuação do habitante, antes confinado nos transportes fechados e sem a exata noção da paisagem social.
RÉSUMÉ
Le but de cette recherche c'est mettre en relief le moyen de transport, qui a bouleversé la vie du citoyen commun du XIXème siècle et début du XXème et vérifier la manière dont la littérature brésilienne s'en sert , surtout dans les romans, nouvelles et feuilletons, pour établir le véritable portrait d'une société en transformation. On parlera surtout de l'existence d'une éthique de l'espace extérieur et d'une nouvelle moralité, personifié par la rue et le lieu de travail, opposée à celle du foyer et comment le transport apparaît dans la littérature contemporaine (prose/poesie) , à côté d'autres élements progressistes, suivant le mouvement de la modernité, qui mettra en évidence le thème du Voyage ou du déplacement de l'individu comme une des conditions pour comprendre la vie urbaine.
Este ensaio nasceu de uma
constatação inusitada. Ao reler as crônicas de
Rubem Braga e outros escritores contemporâneos que
privilegiaram o Rio de Janeiro como objeto de
contemplação e deleite, mesmo não sendo
originários da Cidade, deparei-me com uma quantidade de
alusões ao bonde, sempre de maneira afetiva e, como que
norteando a vida do carioca em todas as etapas do cotidiano. Resolvi
então investigar essa impressão desde o momento em que
o transporte surge entre nós, isto é, em meados do
século XIX e observar como a prosa de ficção,
sobretudo, assinala sua importância. A surpresa quanto ao tema
afigurou-se de imediato: não só a história do
bonde está intrinsecamente ligada à própria
constituição do Rio de Janeiro, e podemos afirmar que
sem ele a dilatação física e espacial da cidade
não teria ocorrido, como também sua
integração ao modus vivendi do cidadão
é tão peculiar que o transporte atua no
imaginário coletivo e reaparece, por exemplo, nas
páginas machadianas (crônicas e contos) como um dos
pilares que sustenta a filosofia do Segundo Reinado...
Nossa intenção original era rastrear todos os
"caminhos" por onde passou o bonde nos textos dos nossos primeiros
romancistas; começamos o levantamento exaustivo e, à
medida em que essa tarefa era empreendida, decidimos ampliar o
corpus da pesquisa; não só o século XIX
serviria de pano-de-fundo como também o XX, visto que este se
inaugura pela eletricidade e, conseqüentemente, pelo bonde
elétrico. Na produção modernista, o
experimentalismo e a errância, característicos da nova
escola, estão presentes tanto na prosa quanto na poesia, pelo
bonde e os novos inventos (telégrafo, rádio) .
Poderíamos entender assim a atuação desse meio
de transporte e seu significado na vida cultural brasileira: de um
lado, a quebra do insulamento em que vivia o cidadão em
relação à Cidade e as conseqüentes
modificações de hábitos; e de outro, a
questão mais sugestiva e que resgatamos nos primeiros
folhetins de França Júnior e em crônicas de Artur
Azevedo é a da emancipação feminina, já
entrevista por Macedo timidamente em seus romances de segunda fase
(Voragem, Nina e A Misteriosa) e por Alencar nos
seus romances urbanos (Senhora, Lucíola ).
O bonde torna visível a cidade, até então mal
entrevista nos deslocamentos dos habitantes pelos antigos meios de
transportes, quase sempre fechados, e estabelece em seus bancos a
convivência democrática (embora pouco tolerada) dos
cidadãos fluminenses. Essa convivência, uma certa
"miscigenação social", encontrará alguma
resistência no início, mas ao fim de algum tempo todos
mergulharão na efervescência do novo ritmo de
civilização. E o bonde torna-se parte integrante da
família brasileira, a ponto de o cocheiro ser praticamente
tratado na música popular, nas charges, nas crônicas,
etc. como um parente próximo de qualquer cidadão...
Do bonde de burros ao bonde elétrico é toda uma
sociedade que se modifica em seus mínimos detalhes. Há
toda uma história sentimental envolvendo os bondes e os
cariocas, que pode ser resgatada através de textos
literários, música popular e caricatura. Como se
vê em Machado de Assis que, ao invés de centrar-se no
transporte enquanto máquina, privilegia o animal (o burro)
como ser vivente, fazendo-o interlocutor e protagonista em muitas de
suas crônicas de final do século.
Costuma-se situar Joaquim Manuel de Macedo como o escritor que criou
o romance brasileiro ou, no dizer de um crítico perverso,
"cometeu a banalidade de criá-lo"[1].
Tal gesto - o da banalidade - explicaria, talvez, a obediência
cega às fórmulas românticas e sua fecundidade de
escrita, que o fez permanecer no cenário brasileiro
ininterruptamente (ou quase) durante mais de trinta anos. Para esta
crítica, Macedo representaria oficialmente a classe
média urbana fluminense, a que também pertenceria,
escrevendo para um público adequado, basicamente composto por
donzelas e estudantes.
Sobre Macedo já quase tudo se escreveu e a crítica
divide-se, em geral, em duas tendências. A primeira,
poderíamos dizer, parece vê-lo com certa
complacência; o apelido afetuoso (ou pejorativo?), encontrado
repetidas vezes, é bastante eloqüente: Dr.
Macedinho, que significa o Macedo das
mocinhas, isto é, o da primeira fase.
Observamos, então, por parte dos analistas um procedimento
inusitado, ao se traçar as características
estilísticas de sua obra: o emprego obsessivo de
adjetivos[2],
que servem não só para definir o temperamento do
escritor, como também sua maneira de escrever. Como se os
"defeitos genéticos", fossem também responsáveis
pela prolixidade de suas páginas de
ficção...
Macedo compreendeu admiravelmente as tendências da nossa alma popular, sentimental e piegas, e fez, com pequenas intrigas ingênuas (...) a sua história íntima e simplória. Chorou e riu largamente, do mesmo modo que as suas melancólicas leitoras; contou as suas anedotas, sem sal nem sangue, com a pachorrenta fantasia de um pacato burguês, funcionário público e chefe de numerosa prole (sic), recatada e limpa.[3]
Opinião contrária manifesta o
crítico Ernesto Sena, ao afirmar no Jornal do Commercio
de 24/11/1911, que o escritor
"(...) estava bem longe de ser aquela figura morna que se convencionou pintar nas histórias literárias, alguém descrito com tanta condescendência, que se tornava tedioso: bonomia, comodismo, pachorra."[4]
O pacato, o pachorrento, o simplório -- se, de um lado, apontam para traços da própria personalidade macediana, que condizem com o "perfil" do cidadão fluminense médio e com o da sociedade na qual ele se insere; por outro, remetem o escritor à observância estrita do cânone literário do Romantismo: o simplório poderá servir tanto para o indivíduo, quanto para o estilo que o notabilizou...
A outra tendência ignora a "virada" que ele
teria dado a partir de sua segunda fase - o Macedo dos adultos
-, precisamente com a publicação de Voragem
(1867), onde entra em cena a cortesã Irene e os
irresistíveis atrativos do vício. O modelo anterior das
virtudes que ressaltava em A Moreninha, por
exemplo, se vê substituído pela narrativa que mascara a
idealização mostrando a antítese daquela
costumeira moralidade. Afastando-se do universo de possibilidades
restritas de moçoilas e estudantes casadoiros, a
ficção macediana passa a ser habitada por personagens
compatíveis com as transformações sofridas pela
sociedade fluminense.
Efeito sintomático dessa nova postura é o
pseudônimo adotado em Voragem pelo autor --
Mínimo Severo -- que pode ser "lido" duplamente: de maneira
figurada revela o escritor ainda comprometido em preservar o bom
tom familiar; embora seja pouca a severidade em abordar o
problema da prostituição, esta existe...
De outro lado, e aí talvez Macedo se filie à
visão realista, o pseudônimo o protege da hipocrisia:
como não tratar de um problema social (se é que
há) àquela altura já incorporado aos "costumes"
da sociedade brasileira? A ninguém poderia escandalizar essa
categoria de mulheres encarregadas de satisfazer nos homens suas
fantasias e devaneios, interditos no ambiente asfixiante do casamento
e das convenções burguesas.
Há um Macedo lido e amado por um público fiel e
reconhecido pela crítica, mesmo com seus altos e baixos, na
primeira fase. E haverá um outro, cuja imagem será
pouco a pouco apagada da memória do leitor (e,
conseqüentemente, da ficção brasileira), porque
não corresponderia nem aos desejos e expectativas daquele
público que o próprio autor engendrara, nem às
exigências dos editores e, tampouco, da crítica. Nesse
caso poderíamos aplicar claramente aquela célebre
formulação de que a criatura voltara-se contra o
criador...
1 - A CONFIGURAÇÃO DA CIDADE EM MACEDO
Numa sociedade fortemente patriarcal e incipiente, do ponto de vista
das idéias, o romance macediano, com seu estilo
melodramático, está perfeitamente adequado a ela; sem
se esquecer o tom didático-moralizante presente em suas
"copiosas" páginas, que se coaduna com a própria
feição do Romantismo brasileiro no seu afã de
instruir o povo. No momento em que Macedo tenta atualizar-se pelas
tendências européias e enxugar o lacrimejante de
seus romances, apresentando ao público a faceta realista, a
rejeição é imediata e os efeitos nefastos.
A partir do romance Nina (1870), Macedo como que "responde" a
seus críticos, incorporando claramente o discurso realista. O
jovem Firmiano, recém-chegado à Corte, percorre a
cidade diversas vezes em busca de material para um romance prometido
à irmã, seguindo as instruções de um
professor de retórica e poética da
província:
Predomina hoje a escola realista, que matou a romântica, que por seu turno tinha destruído a clássica; com a nova escola não há quem não possa ser fecundo romancista; já não se imagina, copia-se, toma-se o chapéu e a bengala, passeia-se pelas ruas, visitam-se os amigos, espreita-se o que se passa na casa alheia, escreve-se o que se observou, e está feito o romance.[5]
Já não se imagina, copia-se diz com sarcasmo o
professor. Macedo parece anuir, prevendo talvez que aquilo que
acreditava ser a sua grande qualidade, a capacidade de
enfeitar[6]
uma narrativa - tão ao gosto de um público que
prefere os livros amenos e romanescos às obras graves e
profundas[7]
- passaria a ser justamente o motivo de desinteresse pelos seus
romances.
Se Macedo, ao pretender fazer história, procura
suavizá-la ,escrevendo-a com esse tom
brincalhão e às vezes epigramático que, segundo
dizem, não lhe assenta bem, mas de que o povo
gosta[8],
como poderia conceber a retirada de todos esses artifícios
bastante familiares ao leitor?
Além disso, esses elementos indispensáveis para a
construção romanesca representariam, sem dúvida,
a perda da faculdade imaginativa do autor, aquela capacidade
"tagarela" que perpassa todos os gêneros em que ele se
exercitou.
Não é só em Nina que
percebemos essa visada crítica de Macedo. Não o
acreditamos tão ingênuo quanto a crítica nos faz
supor; ao perder terreno e prestígio nosso autor
paradoxalmente lança-se em direção à nova
escola literária presente no Brasil desde 1862. Em A
Misteriosa (1872), exatamente no primeiro capítulo, Macedo
parece intencionalmente se debater com a questão do melhor
rótulo a usar para seu romance :
Debaixo do ponto de vista da literatura o caso pode tanto pertencer à escola clássica, como à romântica, e à realista.
Há de tudo nele, e principalmente o romanesco, e o maravilhoso.[9]
E passa a sofrer um boicote sistemático da
crítica. Pouco a pouco seu nome é retirado da cena
principal, na qual fora protagonista durante vários anos.
Concomitante a esse olvido intencional, ele produzirá
incansavelmente até sua morte, tentando driblar as
dificuldades causadas pela perda de prestígio, revezando-se
entre as obras de encomenda, as aulas no Colégio Pedro II, a
atividade literária, as crônicas para o
Conservatório Dramático, etc.
O certo é que a crítica tradicional "colou" em Macedo
um rótulo fácil - o do escritor de um só molde
ou de romances talhados por um molde[10],
como disse José Veríssimo: etiqueta suficientemente
resistente capaz de deixá-lo no ostracismo por muitas
décadas. O presente ensaio não tem a
intenção de discutir os motivos pelos quais a
crítica isolou Macedo, nem a maneira pela qual a
fixação dos tipos em seus romances dão sempre a
impressão de deslocados, de talhados num figurino inadequado
nem as características falsamente realistas, o
desequilíbrio do enredo, o moralismo bem ao gosto familiar
etc.
Gostaríamos de seguir com ele, mesmo que tropeçando nos
passos errados do nosso primeiro narrador, pelos lugares iniciais que
sua prosa de ficção, de maneira canhestra, privilegiou.
Isto é, interessa-nos relê-lo sob a perspectiva do
detalhe, da observação miúda do cotidiano, nos
quais ele é inconteste.
O Rio de Janeiro nos primeiros decênios do século XIX
não é visto com tanto entusiasmo por nosso autor:
talvez o mortificasse (a ele e a seu público) essa cidade
réplica do Chiado, com vias tortuosas, becos e ladeiras, suja
e insalubre. Apesar disso na maioria dos seus romances a
ação se passa no Rio de Janeiro; mal iniciada,
porém, a narrativa a cidade desaparece da página,
dissipa-se como por encanto:
Ninguém há na cidade do Rio de Janeiro, que não conheça perfeitamente o largo da Lapa do Desterro. Sobretudo, elle se faz notável pelas missas, que de madrugada se dizem em seu pequeno convento;[11]
Declinava a tarde no dia 6 de agosto de 1844: o tempo estava chão e bonançoso; e contudo meia cidade do Rio de Janeiro profetizava tempestade para o correr da noite.[12]
Na cidade do Rio de Janeiro quase todos conhecem ou pelo menos supõem conhecer a Estanislau Vieira.[13]
Não deixa de ser paradoxal esse
procedimento, sendo Macedo aquele que, por incumbência
histórica, seria o narrador oficial da cidade do Rio de
Janeiro...
A própria rua do Ouvidor que, posteriormente, serviria de
vitrine permanente da capital do Brasil, em meados do século
XVIII não apresentava condições higiênicas
satisfatórias devido a foco de miasmas provocados pela
existência de valas, que impedia a fixação
residencial.
Macedo relata nas Memórias da Rua do Ouvidor
um fato pitoresco envolvendo os tigres, barris
fétidos em que se despejavam os dejetos da rua famosa, e um
viajante inglês, o que confirma a pouca salubridade da
artéria principal da cidade[14].
Neste texto, a protagonista é a artéria sucessivamente
denominada ao longo dos séculos e que pela sua
localização esdrúxula, do ponto de vista
geográfico, primeiramente se chamou Desvio do Mar
ou Rua do Desvio; e logo em seguida, ao ser
aterrada, Rua Aleixo Manuel, caracterizando-se como
mercado de peixes. Luis Edmundo, o grande cronista do Rio de Janeiro,
nos revela que:
A rua, que a Municipalidade de então chama Moreira César e o povo, como sempre, rua do Ouvidor, é apenas um pobre corredor entre tantos corredores da cidade, embora menos rústico que os outros,embora mais festivo, e, sobretudo, muito mais freqüentado.[15]
Observamos que em Memórias da Rua do
Ouvidor, Macedo emprega, aparentemente, uma certa
mobilidade ao narrar a história da rua. Incita o leitor a
acompanhá-lo numa viagem sempre pelo tempo, e
não pelo espaço, como se reforçasse o
aprisionamento da imagem que ele quer dar da cidade; narrando sempre
de um ponto de vista único, exime-se de abarcar o pitoresco ou
de "capturar" a paisagem - tarefa amplamente empreendida por aqueles
que o precederam. Transcrevemos a seguir a passagem das
Memórias da Rua do Ouvidor que melhor
exemplifica, a nosso ver, a viagem sem sair do lugar:
Eia, pois, a viajar! Não temos necessidades de levar malas, nem capas, nem provisões de boca, nem prevenção alguma: acharemos em caminho, e à mão, todos os recursos imagináveis e a viagem é segura, agradável, riquíssima de variados panoramas, e apenas sujeitas a freqüentes ventos contrários no encontro de importunos amoladores ainda mais teimosos do que eu.[16]
O que fica patente para o leitor é que
Macedo não nos dá a idéia atual da rua do
Ouvidor; prefere se ancorar no passado e nos fatos, que ele legitima
como fidedignos ou nas curiosidades para traçar o verdadeiro
retrato dela. Com isso parece estar mais preocupado em fazer
história do que ficção: veja-se a quantidade de
alusões às "crônicas do tempo", a "velhos
manuscritos" e à "tradição" :
Referindo-se no capítulo antecedente a tradição de Perpétua-Mineira, declarei positivamente que eu a encontrara completada nos meus velhos manuscritos; como estes, porém, não trazem nome do autor, nem baseiam em documentos suas informações, é claro que só me aproveitam para enfeitar estas Memórias; porque fora abuso condenável expor-me a falsificar a história, dando por fatos averiguados alguns devaneios de imaginação.[17]
Curiosamente, Macedo deixa entrever ao leitor que
as suas "fontes primárias" não são
passíveis de verificação, porque nelas sequer o
nome do autor é indicado. No entanto persevera em utilizar o
recurso, que representa para ele a melhor defesa contra
possíveis detratores - no caso, os "severos
críticos".[18]
Prevê de maneira magistral o que seria o pano de fundo para a
crítica posterior reunida em torno de um nome só:
é de José Veríssimo um dos juízos
definitivos sobre o procedimento ficcional que Macedo emprega; ao
fazer literatura, Macedo pretendia fazer história - pelo menos
é o que nos parece mostrar a passagem das Memórias
citada acima. Segundo Veríssimo, porém, Macedo
"fazia história como fazia romance, descuidadamente, ao correr
da pena, sem nenhum escrúpulo de investigação e
de estudo"[19].
Em Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro[20],
da mesma maneira que nas Memórias da Rua do Ouvidor,
Macedo convida o leitor a acompanhá-lo pela "boa
Sebastianópolis", uma desconhecida tanto para os provincianos
como para os próprios cariocas. Mesclando ironia e moralismo o
autor constata, com prejuízo evidentemente, que no tempo dos
"paquetes a vapor e facilidades das viagens ao velho mundo" sobra
pouca matéria imaginativa para cidadãos como ele
próprio.
Por isso nos declara ter assunto suficiente para falar do Rio de
Janeiro a partir da perspectiva de pedestre - isto é, andando,
passeando, sugerindo ao leitor conhecer a história dos
nossos pobres edifícios, a crônica dos nossos conventos,
algumas das nossas romanescas igrejas solitárias,
sítios encantadores, (...) que enchem de sublime poesia a
capital do Brasil [21].
Paradoxalmente, a viagem será empreendida para trás,
não lhe interessando a perspectiva do futuro que é
rechaçada por Macedo para mais longe; assim como nas
Memórias... o que vai lhe interessar é o passado
ou as recordações guardadas em "um livro imenso cheio
de preciosos tesouros que não se devem desprezar",
reforçando mais uma vez o estatuto de narrador-cronista que
Macedo consolidará desde A Carteira de Meu
Tio, e que constituirá junto com Um
passeio... e Memórias da Rua do Ouvidor, a trilogia
das narrativas de viagem.
2 - DO IMOBILISMO INICIAL À RUA DO OUVIDOR
De 1840 a 1870, período que corresponde à primeira fase
da fecunda produção literária de Joaquim Manuel
de Macedo, o Rio de Janeiro, cidade-imperial, passa por
transformações notáveis.
Se compararmos, no entanto, o enfoque da narrativa romântica
com o real teremos algumas surpresas: a cidade, sede da corte,
aparece nos romances pelos detalhes pitorescos, meio de esguelha,
como se o cenário onde se passa a ação fosse
relegado a segundo plano.
O narrador-cronista se coloca num ponto fixo[22],
obrigando o leitor a descobri-la no meio de outros detalhes. Descrita
de forma imobilizada, fechada, a cidade representa o simulacro da
sociedade imperial, tanto do ponto de vista moral, quanto dos
costumes.
Observamos ainda que o espaço narrativo delimitado num raio de
ação, que vai do Centro até a Glória,
lugares reservados às camadas médias da
população, que aí tinham suas moradias ou se
serviam da paisagem natural do Rio de Janeiro para passeios,
festividades, missas etc.
(...) o largo da Lapa do Desterro (...) se faz notável pelas missas, que de madrugada se dizem em seu pequeno convento; por suas belas festas do Espírito Santo (...) e enfim, pela multidão imensa de povo, e pelos carros, ônibus e gôndolas, que incessantemente por ali transitam, indo ou vindo desses bairros aristocráticos que ficam além do cais da Glória .[23]
A rua, representação miniaturizada
do Rio, aparece não como espaço de entretenimento ou
lazer, mas símbolo das péssimas condições
de conforto oferecidas ao cidadão comum: aí se instala
o perigo e mesmo ir ao teatro, passatempo predileto desta classe,
é visto como algo desconfortável. No
Moço Loiro e em Rosa, romances da
primeira fase macediana (respectivamente, 1845 e 1849)
encontramos observações nada lisonjeiras a
respeito das ruas da cidade:
(...) vir ao teatro tem seus prazeres e seus desgostos; é na verdade um desgosto ter de ir a tais horas, e a pé, à rua de ... onde nos moramos.[24]
e
(...) dirigiu-se a uma das mais tristes e menos claras ruas da cidade do Rio de Janeiro (...) [25]
Esse Rio de Janeiro provinciano, com poucos habitantes e ar "acanhado", circunscrito por quatro morros, pleno de mazelas e epidemias, talvez explique o pouco trânsito dos personagens nesses primeiros romances e a fixação da narrativa nos espaços interiores.
Em 1855 o cólera-morbus enchia de luto e lágrimas a cidade do Rio de Janeiro; então porém a população ilustrou-se por uma firmeza, que lhe foi proveitosa e lhe fez honra, e em vez de mostrar-se abatida pelo terror, soube engrandecer-se pela constância e pela coragem.
A peste flagelava especialmente as classes mais pobres: onde havia miséria se ia encontrar a morte. Esta observação foi como um grito doloroso que despertou a caridade pública, e nunca esta santa virtude se demonstrou mais viva e brilhante.[26]
Em A Misteriosa, romance escrito em
1872, o narrador atua como um flâneur, já que
persegue a personagem num espaço público,
privilégio da modernidade: a rua. Nesse caso, não
qualquer rua, mas a do Ouvidor, principal artéria desse
magnífico empório da futilidade, do luxo, concentrado
em três ou quatro quarteirões, e que traduzem o estilo
próprio, o caráter cosmopolita do Rio de Janeiro.
A rua do Ouvidor não é de trânsito: é de passeio, de estação, de encontro ajustado, de gazetilha incessante, canal de mentiras, fábrica de crises ministeriais, museu de tetéias, torre de babel de modas, Paris meio-caricato na sonhada Henri-Ville, jardim das senhoras, purgatório dos pais e dos maridos, e espaço atmosférico onde fazem verão andorinhas mais ou menos enfeitadas, mas todas em odienta fraternidade de pescaria do continente pelo conteúdo, da casca pelo miolo, do paletó pelo bolso.[27]
O narrador macediano, de olho na modernidade e,
obviamente, atento ao alto custo que esta significa para o
cidadão, abre seu texto arvorando para si o direito de
renomear a rua famosa: em vez de Ouvidor, melhor seria
batizá-la com um termo semanticamente mais amplo que a
designação primitiva e que melhor explicaria os
"efeitos nocivos":
Eu tenho a honra de propor que a Ilustríssima Câmara Municipal mude o nome da rua do Ouvidor, fazendo-a chamar doravante --rua da Dissipação --, porque nela o que mais e constantemente se faz é dissipar tempo, dinheiro, e não poucas vezes tesouros ainda mais preciosos."[28]
A mesma idéia Macedo repetiria nas Memórias da Rua
do Ouvidor escrito posteriormente (1878) à
Misteriosa:
A rua do Ouvidor, a mais passeada e concorrida e mais leviana, indiscreta, bisbilhoteira, esbanjadora, fútil, noveleira, poliglota e enciclopédica de todas as ruas da cidade do Rio de Janeiro, fala, ocupa-se de tudo (...).[29]
Não é mais a antiga capital da corte
imperial, que Macedo põe em cena, mas uma rua em
ebulição, onde o frívolo se coloca diante de
outros valores e se consagra como elemento mais adequado para
traduzir o que seria uma vida verdadeiramente moderna.
Inúmeras vezes Macedo se referirá a essa rua como
fidalga vaidosa, reivindicando para ela linhagem nobre se comparada
às outras vias do centro da cidade, que a circundam. No texto
das Memórias..., justamente no capítulo XI, em
que o narrador incita o leitor a viajar, passa-se por vários
entroncamentos e mercadorias pouco ilustres (carne-seca e toicinho,
armarinhos vulgares), de gosto plebeu, até se chegar à
Rua do Ouvidor, propriamente dita:
(...) E eis-nos chegados à Rua Primeiro de Março, com a qual nada temos que ver e, portanto, atravessemo-la: mas, com todo o cuidado, meus leitores e companheiros de viagem, porque os bondes e carros, carrinhos e carroças, nem permitem que pestaneje o cidadão pedestre, (...)
Oh! agora sim, agora começa legítima a Rua do Ouvidor fidalga, vaidosa e começa até simbólica (pelo menos atualmente) porque tem nas suas duas esquinas com a Primeiro de Março, do lado direito casa de francesa modista, e do esquerdo casa de charutos, de cigarros e cachimbos,(...)"[30]
Acompanha esse ritmo frenético da Ouvidor a
própria narrativa, pois em A Misteriosa Macedo aligeira
o tom, incorporando efeitos teatrais no fecho de cada capitulo,
quando o narrador acompanha a saída de "cena" do personagem. O
romance se caracteriza também pelo deslocamento
contínuo daquela "bela misteriosa", protagonista da
ação, obrigando o narrador a percorrer diversos
cenários - tanto internos quanto externos - na tentativa de
descobrir a identidade daquela mulher incógnita, denominada de
maneira múltipla: sílfide, andeja, bela misteriosa.
No entanto, o juízo definitivo sobre a rua seria expresso por
Machado de Assis, perfeito conhecedor de sua época, que
declara em um conto datado de 1873:
A Rua do Ouvidor resume o Rio de Janeiro. A certas horas do dia, pode a fúria celeste destruir a cidade; se conservar a Rua do Ouvidor, conserva Noé a família e o mais. Uma cidade é um corpo de pedra com um rosto. O rosto da cidade fluminense é esta rua, rosto eloqüente que exprime todas os sentimentos e todas as idéias.[31]
A diagnose empreendida por Machado, a rua como um
ser, constitui-se numa metáfora orgânica, dentro dos
parâmetros do século XIX. O rosto, no entanto, ofuscaria
o resto do corpo e Machado se encarrega de desvelar no conto a
verdadeira fisionomia dessa cidade ao mostrar o espaço
democrático da rua do Ouvidor. Por ela transitam não
só deputados, mulheres, rapazes, homens de letras, diplomatas
etc., mas também os excluídos desse espaço
privilegiado onde predominam as vitrines faiscantes de
jóias:
(...) Dirás que eu só menciono a sociedade mais ou menos elegante? Não; o operário pára aqui também para ter o prazer de contemplar durante minutos uma destas vidraças rutilantes de riqueza,- porquanto, meu caro amigo, a riqueza tem isto de bom consigo, - é que a simples vista consola.[32]
DESPOVOANDO OS LARES E ENCHENDO AS RUAS
Nos romances da primeira fase, Macedo apresenta
uma sociedade voltada para o lar, espaço público
particular, domínio feminino por excelência, recinto
fechado onde se preservam os valores morais. Como o elemento
motivador das tramas é a questão do casamento, todos os
personagens confluem para esses espaços familiares.
Sair de casa estará sempre associado para a mulher a algum
tipo de lazer, seja um sarau numa chácara na Tijuca,
Laranjeiras ou Paquetá, uma festa religiosa na
Glória[33]
ou a ida noturna ao teatro. Excetuando-se o Passeio Público,
não há na cidade, até o "descobrimento" da rua
do Ouvidor, uma movimentação feminina pelas ruas da
Corte.
A visão da cidade limita-se ao que pode ser vislumbrado nos
deslocamentos a estes pontos isolados, através de transportes
geralmente fechados. Não por acaso, tanto Macedo como Martins
Pena exploram o efeito da janela na vida das jovens, que serve como
moldura para se vislumbrar a cidade, ainda estática.
Curiosamente, em A Moreninha (1844) Leopoldo prenuncia a
modificação da vida até então pacata da
Corte, ao reconhecer o dinamismo que agora se apresenta no cotidiano,
pelo simples ato de se chegar à janela:
(...) vive comovida sempre por sensações novas e brilhantes, por objetos que se multiplicam e se renovam a todo o momento (...); ainda contra a vontade, tudo a obriga a ser volúvel: se chega à janela um instante só, que variedade de sensações! Seus olhos têm de saltar da carruagem para o cavaleiro, da senhora que passa ao menino que brinca, do séquito do casamento para o acompanhamento do enterro![34]
Sabemos ainda que há outros lazeres
reservados às mulheres de uma certa classe social e que se
constituem nas melhores ocasiões para se exercer a
prática do namoro. Por exemplo, a ida ao Prado Fluminense,
onde as senhoras vão menos para ver do que para serem
vistas. Deduz-se daí que o comparecimento em massa da
população feminina a certos acontecimentos está
vinculado às exigências sociais da classe em que
estão inseridas.
Para aquelas jovens, no entanto, que não freqüentam os
poucos locais onde "há que ver e quem
veja"[35],
estar à janela converte-se no palco em que se dão os
jogos da sedução, por vezes com resultados imediatos,
como se lê em Martins Pena:
MAURÍCIO - Esquecia-me dizer-te uma coisa. Antes de ontem vi tua filha à janela. Gostei dela e quero que seja minha mulher. [36]
Numa narrativa avançada para os
padrões da época, Alencar deixa entrever através
da personagem D. Emília, mãe de Aurélia Camargo,
a preocupação em exibir a filha à janela ou em
acompanhá-la à missa. Dirá o narrador:
Foi para a menina um suplício cruel essa exposição de sua beleza com a mira no casamento. Venceu a repugnância, que lhe inspirava semelhante amostra de balcão, e submeteu-se à humilhação por amor daquela que lhe dera o ser e cujo único pensamento era sua felicidade.[37]
A mulher-mercadoria - "amostra de balcão" -
de Alencar oferece-se como uma obra de arte para ser admirada
duplamente: pelo valor de sua "aura", consagrada no espaço
ainda familiar de culto, a janela; e pelo prazer voluptuoso da
contemplação de sua beleza estética:
Em frente da casa de D. Emília, pararam os amigos formando grupos, e Seixas pôde contemplar a gosto o busto da moça. A princípio examinou friamente como um artista que estuda o seu modelo. Viu-a através da expressão de altiva e triste indiferença de que ela vestia-se como de um véu para recatar sua beleza aos olhares insolentes.[38]
A conquista das ruas marcará
progressivamente o fim do culto à mulher emoldurada da
época dos "namoros de rótula" ou "de gargarejo" e do
espaço de reclusão, pois o fluminense já
está na rua e vai por seus próprios pés a
qualquer ponto: o essencial, no entanto, a se depreender é o
notável movimento "de rotação" experimentado
pela mulher. Esta, fora do ambiente familiar, perde seu valor e a
antiga moralidade esvai-se progressivamente, escorando-se a mulher na
proteção permitida pelo anonimato da
multidão.
Paradoxalmente, sem a moldura da janela, a "mulher-obra-de-arte"
não tem mais a sua aura. Aurélia Camargo, depois da
herança, passeia pelas ruas da cidade:
Os dias destinava-os para as visitas da rua do Ouvidor, e os piqueniques no Jardim ou Tijuca. Lembrou-se de fazer da praia de Botafogo um passeio, à semelhança dos Bois de Boulogne em Paris (...) Durante alguns dias ela e algumas amigas percorriam de carro aberto, por volta de 4 horas, a extensa curva da pitoresca enseada(...)[39]
Percebemos também em Macedo no romance A
namoradeira, datado de 1870, um certo incômodo de
não encontrar mais os dotes característicos da virtude
feminina e, por isso, o narrador oscila entre várias
denominações ao se referir à personagem -
(...) ela podia ser tudo, cândida e inocente donzela,
aventurosa namoradeira, e, quem sabe?...[40]
O mesmo procedimento ocorrerá em A misteriosa
(1872), quando o narrador inteiramente perdido pela falta de
referências sobre a personagem desenvolve uma tipologia
curiosíssima sobre a provável conduta moral - honesta,
equívoca ou comunista? - que revela a
modificação de costumes naquela sociedade. A
heroína não é mais a mocinha casadoira, mas uma
bela misteriosa que se confunde com as mulheres equívocas da
rua do Ouvidor: O pecado com máscara de santidade
[41].
Embora a presença feminina na rua seja uma novidade
perturbadora tanto para Macedo como para França Júnior,
primeiros narradores da cidade, veremos que em dois folhetins deste
último, "Bonde" e "A rua do Ouvidor", a
banalização do fato estará presente:
Antes do trilho urbano, a mulher era a rainha do lar.
Hoje, porém, trocando o cetro da realeza pelo barrete frígio da democracia, percorre as ruas como qualquer de nós, e vai conquistando palmo a palmo as prosaicas prerrogativas do sexo feio.[42]
e
Antes dos bondes, as moças do saco do Alferes, São Cristóvão, Gamboa e seus adjacentes compravam aos italianos as fazendas e aviamentos para seus vestidos.
Se por acaso vinham à rua do Ouvidor, era por ocasião de luminárias, visitações de igrejas, ou qualquer festa, enfim, que abalasse o Rio de Janeiro.
No dia seguinte comentava-se pela vizinhança o fato que assumia as honras de um acontecimento.
Depois da civilização do trilho urbano, a coisa mudou de figura.
Entram sozinhas aos cardumes pelo Largo de São Francisco e lá vão para a loja do Godinho sortir-se de rendas, fitas, soutaches, entremeios, agulhas, linhas, etc., etc.[43]
É curioso se observar, no entanto, que ao
tratar do apelo exercido pela rua do Ouvidor o folhetinista
estará, de certa forma, lamentando o início da
emancipação feminina. Ressente-se de imediato do
vazio do lar; a saída em massa para as ruas, ao mesmo
tempo que significaria um ganho das mulheres, repercute em seu texto
de maneira preocupante:
Se o impulso dado pelo bonde à nossa sociedade for em escala sempre ascendente, havemos de ver em breve as nossas patrícias discutirem política à porta do Castelões e do Bernardo, dissertarem sobre modas junto à vidraça do Raunier, irem à praça do comércio ler os jornais do dia, ocuparem-se de tudo enfim, menos do arranjo da casa.[44]
Seu desconforto com a mudança dos costumes
e progressivo avanço do espaço ocupado pela mulher na
sociedade concretiza-se na peça As doutoras (1889), em
que o pai e a mãe de uma das personagens discutem sobre a
questão da emancipação feminina. Referindo-se
à filha e ao seu próprio desempenho na
educação da mesma, percebemos que, "paradoxalmente", D.
Maria exprime o caráter conservador e retrógrado:
MARIA - (...) O que Luisinha, ou antes, o que a Doutora Luísa Praxedes sabe de francês, de inglês, de desenho e sobretudo de música, deve-o a esta sua criada.[45]
Os elementos formadores da educação
de Luisinha são aqueles habituais das moças do
século XIX; a extrapolação dos parâmetros
tradicionais se dá justamente na escolha de uma carreira
específica ...
MARIA - (...) as mulheres não se lembravam de ser doutoras e limitavam-se ao nobre e verdadeiro papel de mães de família.[46]
O marido, ao contrário, revela-se progressista ao pleitear para a mulher um papel mais avançado na sociedade de então, percebendo-se uma certa ironia em relação à fala de Maria, que segundo ele resgataria a antiga moralidade:
MANUEL - Já tardava que não viesses com o chavão... a mãe de família. É sempre a figura de retórica já muito cheia de bolor com que o carrancismo pretende esmagar no nascedouro as aspirações grandiosas da emancipação do sexo feminino. [47]
E continua Manuel seu discurso
panfletário:
- (...) aquelas criaturas que viviam em casa trancadas a sete chaves, pálidas, anêmicas, de perna inchada, feitorando as costuras das negrinhas, começam por honra nossa, a ser substituídas pela verdadeira companheira do homem, colaborando com ele no progresso da grande civilização moderna.[48]
Ao lermos " As Doutoras percebemos que o
folhetinista, na verdade, endossa a fala de D. Maria quanto à
questão da emancipação feminina. Há uma
certa misoginia por parte de França Júnior no que diz
respeito à evolução do papel até
então desempenhado pelas mulheres e dos costumes inerentes
(casamento, profissão). O "final feliz" da peça
apresenta as duas personagens, uma formada em Direito outra em
Medicina, somente realizadas quando se tornam perfeitas mães e
donas de casa, abandonando a profissão:
LUÍSA - (...) Tudo quanto aprendi nos livros, tudo quanto a ciência podia dar-me de conforto, não vale o poema sublime do amor que se encerra neste pequeno berço![49]
A CIDADE "VISíVEL" NOS PRIMEIROS FOLHETINS
Sendo o Macedo da primeira fase um autor perfeitamente integrado
às expectativas de seu público, é
razoável acreditar que ele limitasse o espaço de sua
narrativa ao alcance de percepção de seu leitor, que
habitualmente não interagia com este meio
urbano.
No entanto, a imagem da cidade vai sendo pouco a
pouco reestruturada, constituindo na verdade uma imago,
representação da modernidade; e observamos que a prosa
de ficção a partir da década de setenta
colocará a rua como palco privilegiado dos
acontecimentos.
Se em Macedo a ficção movia-se constantemente nos
limites geográficos da cidade imperial (o Rio de Janeiro
enquanto Corte) ou no ambiente recluso do lar e, eventualmente, em
alguns lugares públicos já diferenciados, em
França Júnior e, concomitantemente, em Arthur Azevedo,
haverá o culto ao ambiente externo, ao deslocamento,
diríamos quase excessivo de toda a
população.
Cada página desses autores nos mostra que os personagens vivem
em trânsito, atraídos pelas facilidades que o transporte
democrático - o bonde - lhes propiciará. Mas,
atraídos sobretudo pela descoberta de uma nova cidade,
dilatada espacialmente nos seus contornos originais e cheia de
novidades, ainda que não totalmente saneada, capazes de
retirar as famílias de casa:
E o Rio de Janeiro, graças aos bondes, vive no meio da rua, contente e descuidoso como um garoto napolitano.
Quem quiser conhecer, pois, a moderna fisionomia do nosso povo, embarque nos bondes, e percorra as diversas linhas que cortam as ruas da cidade e arrabaldes em todas as direções.[50]
O bonde não será apenas o
veículo ideal de locomoção das famílias;
representará também, através dos inúmeros
percursos, um leque de possibilidades para o cidadão conhecer
melhor a sua cidade. Coabita nas ruas do Rio, nesse início da
década de setenta, uma profusão de meios de transporte
- tílburis, coupés, carruagens, - que tornam a
circulação nas ruas praticamente uma aventura. No
entanto, essa quantidade de veículos ao mesmo tempo indica a
chegada do progresso:
Sigamos a nossa derrota.
Eis-nos no ponto dos bondes de Botafogo.
Quatro esquinas e uma loja de charutos!
Quem passar por ali é visto por todo o Rio de Janeiro!
(...)O movimento começa à 1 hora da tarde, e vai num "crescendo", que às três é quase impossível o trânsito naquela área.
(...) É um pandemônio de tílburis, carroças, campainhas, farfalhar de sedas, "balas do parto", "ovo", "altéia", "coco à baiana e caju", de Gazeta de Notícias, Jornal do Commercio, Globo e República em todos os tons.[51]
A cidade que nos tempos de Macedo seguia sua
monotonia de ser a Corte, embora despojada de infra-estrutura
especial, e cujos únicos sons audíveis eram os dos
negros escravos vendendo nas ruas ou aqueles oriundos de
arruaças, adquire subitamente a tessitura de vozes
múltiplas representadas pelo baleiro, os pequenos
comerciantes, o italianinho vendedor de jornais ou pelo barulho dos
transportes.
Num folhetim de 1876, Felisberto vem de São Paulo trazer uma
encomenda. Aqui chegando, pergunta onde pode encontrar o senhor
João Maria que mora "numa rua muito comprida por onde passam
os bondes". Respondem-lhe:
Ora esta! Isto e nada é a mesma coisa; porque, à exceção do beco das Cancelas, não há, no Rio de Janeiro, rua que não tenha pelo menos uma linha de bondes. [52]
A crítica sutil, mas esclarecedora de
França Júnior, nos mostra um personagem forasteiro
à cidade tentando se localizar nesse emaranhado
urbano[53].
Surge agora um narrador, tal qual veremos nos folhetins de costumes
(publicados a partir de 1876, na Gazeta de Notícias),
capaz de organizar a massa caótica de indivíduos que
transita vindo de cantos remotos da cidade.
O Rio de Janeiro será visto por França Júnior
através de três momentos: a fase do gamão e da
camisola de chita, relacionada aos tempos do Rei e do I
Império; depois, a do gás -- Ex fumo dare
lucem - ilustrada pelos folhetins de Alencar, as
cantoras líricas e pela A Moreninha do Dr. Macedo; e,
finalmente, a fase do trilho urbano.
A dimensão espacial do externo, freqüentemente captada
através da janela - por onde se via o outro, aquele que
não é familiar, e o ritmo de vida da rua - é
agora complementada por duas imagens fortes: as vitrines da rua do
Ouvidor, onde o cidadão vê tudo aquilo que vem de fora
(Paris) e que constitui o símbolo da modernidade; e o bonde
que possibilita a visão mais ampla das ruas, onde todos
estão para verem e serem vistos.
1 - A CIDADE "PARTIDA" NOS FOLHETINS E NAS
CRÔNICAS...
A atualidade de França Júnior
ressalta de imediato: a divisão da cidade em duas grandes
vertentes, a norte e a sul, corresponde aos trajetos das linhas de
bonde mais freqüentadas - a do Jardim Botânico e a de
São Cristóvão. O cronista mapeia lado a lado a
população que se acotovela em dois transportes
básicos a essa época; o bonde e o trem.
A partir de 1890, vemos a expansão da Zona Sul de maneira
contundente através das concessões e das
desapropriações para favorecer o trecho compreendido
entre o Jardim Botânico e o Centro. Por esse percurso
transitava a parte nobre da cidade, de maior poder aquisitivo e, pela
história do Rio, sabemos da fixação das grandes
indústrias nesses bairros[54].
O restante da população, composta por operários,
ambulantes, biscateiros etc., de baixo poder aquisitivo, é
transportada num trajeto menos nobre porém essencial, que
ligava o Centro da cidade (Largo da Carioca) à Praia de
Botafogo pela mesma companhia por um preço mais vantajoso.
No folhetim "Bonde", o autor dá conta de vários
aspectos da evolução social da cidade e, por esse
viés encontramos o fulcro de nossa leitura sobre o papel
simbólico desse meio de transporte.
As "sensíveis diferenças" da população se
notam melhor nos diferentes bairros servidos pelos carris urbanos.
França Júnior elabora uma tipologia de hábitos e
conversas sobre vários assuntos - políticos,
financeiros, bem-estar social, queixas contra o governo - que
delimita perfeitamente o perfil sociológico do usuário.
Entre o Rio Comprido e Botafogo há uma gama de interesses, que
raramente será unânime:
Nos carros do Rio Comprido viajam pacíficos comerciantes, um ou outro médico, advogados em quantidade e por simpatia alguns procuradores.
As conversações que ali se travam são pouco mais ou menos nestes termos:
-- Então o J... quebrou?
-- Pudera não, por aquilo já eu esperava há muito tempo.
-- Querem fazer cavalarias altas...
(...)
Os que transitam nos carros do Engenho Novo são empregados públicos, funcionários do foro e horticultores.
É gente econômica, e que olha seriamente para o futuro.
Os passageiros de São Cristóvão e Caju são pela maior parte militares reformados, viúvas, oficiais de justiça, solicitadores e empregados dos arsenais.
Nos bondes daquela linha discute-se calorosamente, e sempre contra o governo:
(...)
-- O governo é quem tem a culpa.
-- Já estamos com a febre amarela a bater-nos à porta, e nada de providências .[55]
Também a rua do Ouvidor é mapeada
conforme a freqüentação, isto é, o narrador
une exemplarmente as classes aos estabelecimentos
específicos. Nas charutarias, os corretores e
capitalistas; nas lojas de papel, os funcionários
públicos; no Hotel Revot, os fazendeiros ricos da
província; na Confeitaria do Castelões, a
intelectualidade; e na loja do Farani, os deputados provinciais,
negociantes e gente apatacada![56]
Na verdade, o escritor prenuncia o detalhe, que iria ser explorado,
por exemplo, na prosa de um Lima Barreto, cujo raio de
ação se situa a partir das primeiras reformas urbanas e
no auge do Bota-Abaixo: a convicção de que o
aparecimento do bonde fará existir duas cidades: a do
arrabalde e a do Centro indo até Botafogo:
Eis-nos no armarinho do Godinho.
É a estação geral das famílias econômicas.
(...)
O Godinho recebe também o bairro do Catete; e este congraçamento dos dois povos -- Gamboa e Catete -- muito tem contribuído pelo progresso do Rio de Janeiro.[57]
Despovoam-se também os subúrbios, sobretudo nos dias de festas e os bondes dos arrabaldes e os filiais de tostão atravessam as ruas embandeiradas, cheios como sanguessugas e entornando gente pelos estribos e plataformas [58].
Curiosamente em um folhetim anterior ao de
França Júnior, intitulado "Inocêncio", publicado
com vários outros no Jornal do Commercio, sob o título
geral de Romances da Semana, Macedo prevê a
divisão da cidade em duas categorias específicas,
resultado da maneira como cada habitante faz uso dela. Tudo
conseqüência, evidentemente, da nova paisagem
física e do surgimento de bairros prestigiados, por onde
passam os elegantes, os flâneurs:
A capital do Império do Brasil compõe-se, por assim dizer, de duas cidades distintas, mas habitadas pela mesma população: a cidade da manhã, e a cidade da tarde, a cidade do trabalho, e a cidade do descanso. A primeira é aquela que especialmente se estende do campo da Aclamação para os diversos bairros comerciais, que formam o que ainda se chama a cidade velha: a segunda é imensa, variada e pitoresca e compreende todos esses subúrbios elegantes, amenos e saudáveis, que se chamam Catete, Botafogo, Laranjeiras, Santa Teresa, Engenho-Velho, Rio Comprido, São Cristóvão, Andaraí, Tijuca, e outros ainda.
França Júnior não tem
dúvidas em apontar o advento do "trilho urbano" como o
responsável por este contato forçado e
desagradável - para a elite carioca - entre dois mundos que se
supunham tão fortemente afastados...
Um Rio que se esbarra nas ruas, que compara suas diferenças e
se choca com a coabitação no mesmo espaço de
indivíduos de extração social tão
diversa. Para o folhetinista isto é o que há de mais
espetacular a ser comentado e deve merecer um rigor de estudo bem ao
gosto da época:
Quem quiser conhecer, pois, a moderna fisionomia do nosso povo, embarque nos bondes, e percorra as diversas linhas que cortam as ruas da cidade e arrabaldes em todas as direções.
É para estudo que convidamos o leitor.
Cada bairro do Rio tem a sua feição especial.
O morador do Caju não se parece com o do Rio Comprido ou Tijuca, o do Engenho Velho difere do de São Cristóvão, e o do Saco do Alferes tem hábitos diversos dos da gente de Botafogo.
As linhas de bonde tornam bem sensíveis estas diferenças [59]
Reflexo talvez dos ventos naturalistas que já começam a soprar, percebemos nos folhetins a preocupação em mostrar através dos percursos do bonde não só os bairros "amenos e agradáveis", freqüentados por usuários do mesmo quilate, como também o reverso: passageiros desagradáveis, que se serviriam dos trajetos menos cotados. Sabemos, por exemplo, que a Companhia de São Cristóvão concentrava as áreas mais densas e proletarizadas da cidade - Santo Cristo, Gamboa, Saúde, Catumbi - onde predominavam os cortiços.
A insistência em mostrar a
espacialização da cidade é nítida. Em
Caiu o ministério, comédia escrita em 1882 e
cujo primeiro ato é passado na Rua do Ouvidor, Brito
recém-nomeado ministro dialoga com a filha e a esposa sobre as
"vicissitudes" do cargo. As aspirações do personagem
mostram que a elevação súbita do padrão
de vida exige de imediato o abandono do meio de transporte
democrático e a mudança de residência:
FILOMENA -- Não sei o que quer dizer ser ministro e andar de bonde como os outros, ter uma casa modestamente mobiliada, como os outros, não receber, não dar bailes, não dar jantares, como os outros, vestir-se como os outros ...
BEATRIZ -- É verdade. C'est ridicule.
(...)
FILOMENA -- Devíamos ficar morando em Catumbi?
BRITO -- E o que tem o Catumbi?
BEATRIZ -- Ora papai.
BRITO -- Sim, o que tem?
BEATRIZ -- Não é um bairro como il faut.
Os bairros já estão organizados de
forma a estabelecer as diferenças de classe. Mais adiante,
Beatriz comenta que se fossem ao Lírico de cadeiras e
não camarote pareceriam "qualquer Sinhá Ritinha da
Prainha ou da Gamboa". Isto é, não se distinguiriam,
estariam nivelados naquele espaço tão nobre da cidade:
como os outros. Prainha e Gamboa parecem ser justamente
bairros desprezados pela elite carioca da época. Machado era
da Gamboa ... e não fazia a menor questão de se lembrar
disto.
Em dois momentos vemos o resumo do espaço social urbano tal
como vislumbrado pelo cronista: de um lado a séria
preocupação do cidadão fluminense com a moradia;
de outro, tem-se a residência, mas o local é insalubre
ou cercado de vizinhos indesejáveis.
A cidade não corresponde ainda ao perfil de metrópole
que logo em seguida adquirirá; predomina na fala do personagem
uma quantidade de mazelas que afetam o dia a dia e, ao mesmo tempo,
um certo desejo por lugares onde o clima é bom e, portanto,
garantia de saúde:
-- Sabes onde há alguma casa boa para alugar?
E em seguida começam as queixas:
-- Moro num sobrado pelo qual pago dois contos e quatrocentos; tem água, gás, esgoto, tanque para lavar roupa, excelente banheiro... mas infelizmente há um cortiço em frente, que tem sido a causa da desmoralização dos escravos (...)
Ou então:
-- Não posso mais com os mosquitos. Há duas semanas que ninguém lá em casa prega olho. Além disto a Mariquinhas caiu com febres intermitentes, o Joãozinho está com sarampo, e minha mulher cada vez pior de seus achaques. Preciso sair daquele lugar. Se achasse um chalé em Santa Teresa, Andaraí, ou mesmo no morro do Pinto, que me dizem ser muito saudável...[60]
Nos textos, escritos sempre com ironia, observamos
ainda a "categorização" do próprio espaço
familiar: há pessoas que pertencem definitivamente ao
subúrbio e, a elaboração desse raciocínio
daria provavelmente a França Júnior a primazia na
literatura brasileira da visão crítica e
dicotômica do Rio de Janeiro, a partir dos hábitos e do
local de residência dos habitantes da cidade...
RAIMUNDA -- Você só pensa nos seus comendadores e barões e não se lembra do mano Basílio e das meninas da Prainha. Sabe Deus como elas virão por aí, coitadinhas, metidas num bonde, todas enlameadas e correndo o risco de uma constipação [61]
(...)
DAMIÃO - Ora, minha amiga , tu queres medir todos pela bitola de tua família, que nasceu na Prainha, na Prainha foi educada e há de morrer na Prainha .[62]
(...)
BASÍLIO - Vocês (para as meninas) vejam lá como se portam, vão para a sala, fiquem bem sossegadinhas num canto e sobretudo não me metam a mão nas bandejas.[63]
É interessante se observar que o
despovoamento dos subúrbios corresponde na sua obra ao
"gancho" para o folhetinista se deter mais a fundo na
caracterização dos habitantes da periferia da cidade.
Toda vez que ocorre alguma festa no centro, a população
suburbana comparece em peso e os bondes ficam atravancados.
É incalculável a população que se moveu para os festejos em todos os arrabaldes. Os bonds não podiam conter a lotação desmedida do tráfego, principalmente da volta. Os passageiros agarravam-se em cachos, pelas colunas, depois de encher os bancos e as plataformas, galgavam, oito, dez e mais, a própria coberta dos carros, que por milagre não cedia ao peso. A praia de Botafogo, extensíssima e larga, era insuficiente para acomodar o trânsito e o estacionamento dos veículos, do povo, que ali apareceu na noite do domingo.[64]
Em "Luminárias", folhetim que trata do esvaziamento efetivo dos subúrbios por ocasião de uma festa popular (motivada por um dos "retornos" de Pedro II ao Brasil), vemos como França Júnior ironiza a preocupação dessa gente em se vestir bem, em se igualar (pelo menos é o que pensam) com os moradores das áreas mais privilegiadas, embora esse "esforço" seja visto através das lentes irônicas de um narrador, que já é cronista de costumes:
Chega finalmente o dia de festa.
Os bondes dos arrabaldes e os filiais de tostão atravessam as ruas embandeiradas, cheios como sanguessugas e entornando gente pelos estribos e plataformas.
Despovoam-se os subúrbios.
Engenho Novo, Cascadura e Queimados enviam a Corte, pela estrada de ferro, seus pacíficos habitantes com sobrecasacas domingueiras, coletes de ramagens, grandes barrigas, chapéus de palha desabada, vestidos amarelos com enfeites azuis e penteados de todos os feitios (...) [65]
Nos capítulos precedentes vimos como o enredo romântico, representado sobretudo por Macedo e Alencar, girava em torno da família e culminava com o casamento. A partir do deslocamento para fora do lar, a rua torna-se o foco de interesse da prosa e, na perspectiva estrutural da narrativa, ameaça ao casamento. Essa virada será melhor entrevista por Arthur Azevedo que, em crônicas contemporâneas a Machado e França Júnior, mostra os efeitos múltiplos provocados pela chegada do bonde na vida do cidadão.
Esse meio de transporte que agora se afirma como
simbólico, possibilitaria não apenas o dilatamento da
paisagem espacial, através do acesso da
população aos lugares anteriormente distantes, mas
ironicamente a "transposição das fronteiras da
moralidade familiar". O bonde abonaria as condutas não
tão honradas dos chefes de família da época
propiciando encontros casuais à primeira vista, mas que se
repetem em todas as narrativas como leit-motiv.
Arthur através desse expediente ironiza o pouco que resta da
moral burguesa dos tempos macedianos. Não há mais nada
sólido na prosa a começar pela
transformação da perspectiva romântica em
realista...
O Romualdo, marido de D. Eufêmia, era um rapaz sério, lá isso era, e tão incapaz de cometer a mais leve infidelidade conjugal (...)
Durante os primeiros tempos saía do escritório e metia-se em casa, mas no fim de alguns dias entendeu que devia dar alguns passeios pelas arrabaldes, hoje este, amanhã aquele. (...)
Uma noite coube a vez ao Andaraí Grande. O Romualdo tomou o bonde do Leopoldo, e teve a fortuna ou a desgraça de se sentar ao lado da mulatinha mais dengosa e bonita que ainda tentou um marido, cuja mulher estivesse em Juiz de Fora.[66]
Os encontros amorosos são indicativos da
progressiva transformação dos costumes e afrouxamento
da moral tradicional. A infidelidade matrimonial comparece em seus
contos em todas as suas modalidades e variações. Homens
e mulheres são alternadamente infratores e vítimas do
adultério. O traído pode acabar como um felizardo e o
traidor como o infeliz.
- Não esteja assim nervoso! Depois que o Sr. me libertou daquele peste, sou outro homem, vivo mais satisfeito, como com mais apetite, tudo me sabe melhor e durmo que é um regalo... Aqui entre nós, se o amigo quiser uma indenização em dinheiro, uma espécie de luvas, não faça cerimônia; estou pronto a pagar - não há nada mais justo... Ande desassombradamente por toda a parte... não receie um vingança que seria absurda... e se, algum dia, eu lhe puder servir para alguma coisa, disponha de mim. Não sou nenhum ingrato.[67]
Arthur, assim como Macedo, escreveu prodigamente:
contos, poesias, traduções, revistas, comédias,
paródias e críticas. O escritor maranhense era um
hiper-ativo que talvez por isso tenha se constituído no
tradutor perfeito de uma cidade, que acelerava seu ritmo de
transformações. A crítica, no entanto, o
descreve como um comentador fiel mas superficial.
Menos interessado em organizar de forma classificatória a
cidade, como França Júnior, Arthur tem em seu leitor um
interlocutor que também freqüenta as ruas e conhece o
cenário. Seu foco de atenção está nos
diversos tipos que por ela transitam e é dessa
interação que nasce a matéria para a sua
prosa.
Arthur Azevedo fornecerá a matriz para as futuras
crônicas cariocas, pois a caracterização dos
personagens é sempre de forma a construir o perfil do
habitante e da cidade: de suas páginas saem o malandro, o
otário, o chato, os arrivistas etc., que constituem a galeria
dos tipos urbanos pitorescos. A respeito disso comenta Humberto de
Campos no prefácio aos Contos Cariocas:
França Júnior, Urbano Duarte, Valentim Magalhães procuraram fixar o Rio de Janeiro dos últimos tempos do Império ou dos primeiros da República, em contos humorísticos, recorrendo, para isso, à descrição literária do ambiente e das figuras. Arthur, sem essa idéia predominante, suplantou-os a todos. Os seus personagens, por si mesmos, explicam o cenário e não o cenário os personagens.[68]
A oralidade tem papel preponderante nas narrativas
de Arthur. Alguns de seus personagens, como as mulheres ardilosas,
parecem ter saltado de uma novela de Boccaccio. Vários de seus
contos são piadas transcritas. Sou um contador de
histórias e tenho que inventar um conto por semana
[69].
Quando Macedo, em Nina, coloca seu personagem andando pela
cidade em busca de material para um romance realista, está,
sem o perceber prevendo o método que Arthur utiliza para a
composição de suas narrativas.
A prosa de Azevedo parece completar o ciclo iniciado por Macedo, pelo
menos no que se refere ao espaço possível reservado
à ação: o Rio de Janeiro já se afigura
como uma metrópole estabilizada embora ainda sob
contínuas alterações; o que o narrador alude
constantemente é a perplexidade do habitante em ter que
aprender os modos de se relacionar com o outro: compartilhar o mesmo
espaço social implica necessariamente se defrontar com o
interlocutor, até então inexistente ou submetido
à hierarquia de classes.
A República acabará com a denominação
"Corte", que funcionava de maneira inconsciente como o quintal do
Imperador, à sombra da qual a população se
abrigava. O aspecto físico da cidade agora se
organizará num "apartheid" tácito porém
vigoroso. É preciso que cada um -- ricos e pobres -- saiba o
seu lugar. Mas tudo se confunde na prosa de Azevedo pelos
deslocamentos constantes dos personagens motivados pelo
convívio forçado nos bondes.
Se a cidade de Macedo é um Rio-Rascunho, onde apenas os poucos
pontos retocados são dignos de vista pelo narrador que espera
ansiosamente pela obra pronta, em Arthur, o Rio já se
consolida como um eterno esboço, obra em contínua
produção: reforma-se aqui continua-se acolá, no
contínuo movimento de expansão da cidade via norte e
sul.
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[1] Apud
SCHLAFMAN, Léo. O fantasma de Joaquim Manuel de
Macedo. Prefácio in A carteira de meu
tio. RJ, José Olympio, 1995. Cabe a Joaquim
Nabuco a primazia da observação; num discurso no
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que usou o
termo "banal" para se referir ao romance A moreninha.
O crítico Salvador de Mendonça estende a
conceituação para as outras obras de Macedo e, de certa
forma, marca definitivamente a produção do
autor; a banalidade vira estigma.
[2] Apenas a
título de curiosidade poderíamos citar Astrojildo
Pereira que, no prefácio a Um passeio pela cidade do Rio de
Janeiro afirma: "Ele não é um grande romancista,
nem um grande escritor, nem mesmo um grande cronista, mas é
com certeza um cronista amável, honesto e útil.
Já o crítico Dutra e Melo nos dá uma
idéia melhor dessa afinidade entre estilo e temperamento:
"Vê-se que uma facilidade, uma simpleza, um não sei
quê de franco, de interessante, de desimpedido são os
dotes principais do estilo em que é manejada A
Moreninha; e tal julgamos ser o caráter do
autor". Apud Antônio Cândido,
Formação da Literatura Brasileira,
Capítulo II, § 4, São Paulo, Martins, 1971. P.
138.
Em Alfredo Bosi lemos: "O defeito estava em Macedo, sub-romancista
pela pobreza da fantasia, sub-romântico pela míngua de
sentimento." In História Concisa da Literatura
Brasileira. São Paulo, Cultrix, 1994. P. 131.
[3] Ronald de
Carvalho. Apud SERRA, Tania Rebelo Costa. Joaquim Manuel de
Macedo ou Os dois Macedos: A luneta mágica do segundo
reinado. RJ, Fundação Biblioteca
Nacional, Dep. Nacional do Livro, 1994. P. 440. [Grifos
nossos].
[4] SERRA,
Op. Cit., p. 237.
[5]
MACEDO, Nina, p. 15.
[6] MACEDO,
Memórias da rua do Ouvidor.
[7] MACEDO,
Um Passeio pela Cidade do Rio de Janeiro, p. XVI
[8] MACEDO,
Idem, p. XVI.
[9] MACEDO, A
misteriosa, p. 189.
[10]
VERÍSSIMO, História da Literatura Brasileira, p.
170-175.
[11] MACEDO,
Os dois amores, p. 5.
[12] MACEDO,
O moço loiro, p. 29.
[13] MACEDO,
Os quatro pontos cardeais, p. 5.
[14] MACEDO,
Memórias da rua do Ouvidor, p.127-128. A
denominação tigres dada a esses barris
pelo povo era explicada, segundo Macedo, pelo medo com que
todos fugiam deles. Esse mesmo episódio, relatado por Macedo,
nos revela um escritor não só às voltas com o
factual, como também com a autenticidade histórica.
Macedo nos revela que um francês, a quem ele faz questão
de denominar entre parênteses como um viajante
charlatão, ao voltar para sua terra teria noticiado em
livro que "na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império do
Brasil, feras terríveis, os tigres vagam, durante a noite,
pelas ruas, etc., etc.!!!". Conclusão lapidar de Macedo: "E
é assim que se escreve a história!"
[15] LUIS
EDMUNDO, O Rio de Janeiro do meu tempo, p. 65.
[16] MACEDO,
Memórias da rua do Ouvidor, Capítulo XI, p. 99.
[Grifos nossos].
[17] MACEDO,
Memórias da rua do Ouvidor, Capítulo
VIII, p. 69.
[18] Idem,
Capítulo VIII, p. 69.
[19]
VERÍSSIMO, José. História da Literatura
Brasileira. Brasília, Ed. Universidade de
Brasília, 1963. P. 172.
[20] Sem
mencionar, evidentemente, A carteira de meu tio (1855) e
Memórias de um sobrinho de meu tio (1867)
cujo protagonista vivendo às custas do tio empreende uma
viagem pelo Brasil antes de se lançar na política.
[21] MACEDO,
Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro.
[22] Sobre o
papel característico de Macedo como cronista de costumes e a
sua maneira de viajar sem sair do lugar, remetemos o leitor
para os comentários específicos de Flora Süssekind
em O Brasil não é longe daqui. Capítulo
3. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.
[23] MACEDO,
Os dois amores, p. 5.
[24] MACEDO,
O Moço Loiro, p.16.
[25] MACEDO,
Rosa, p. 185.
[26] MACEDO,
Os Romances da Semana, p.3-4.
[27] MACEDO,
A Misteriosa, p. 193-194.
[28]
Idem. [Grifos nossos].
[29] MACEDO,
Memórias da rua do Ouvidor, Capítulo I, p.
1.
[30]
Idem, Ibidem.
[31] ASSIS,
"Tempos de Crise" in Outros Contos .Obras
Completas, p. 785.
[32]
Idem, Ibidem. [Grifos nossos].
[33] No Rio
imperial a festa de maior prestígio social era a da Irmandade
de Nossa Senhora da Glória. A localização da
igreja no alto de um morro de onde se descortinava toda a Baía
de Guanabara, constituía-se em um dos passeios prediletos da
população fluminense: havia novenas, romeiros,
músicas, iluminações (luminárias) que se
estendiam até o Catete e divertimentos generalizados nos
palacetes situados no caminho da ladeira. Segundo Melo Morais a
família do imperador costumava assistir à missa aos
sábados e essa era a ocasião do povo ter contato com a
nobreza. Apud Carlos Delgado de Carvalho. História
do Rio de Janeiro, p. 76
Raul Pompéia descreve em um folhetim de 1888
(Diário de Minas, Juiz de Fora) o impacto que a
festa provocava, embora a essa época já tivesse perdido
um pouco de sua importância:
Desde muito cedo, de manhã, até à hora do
fogo, a multidão incalculável agitou-se, no largo
embaixo, pela ladeira, no vasto terraço de pedra que cerca o
templo.
A festa da Glória, desde o remoto período
tradicional, é uma ocasião de rendez-vous dos
princípes com a arraia miúda. (...) In Raul
Pompéia. Crônicas do Rio, p. 30.
[34] MACEDO,
A moreninha, Capítulo XIX, p.137. [Grifos
nossos].
[35] MACEDO,
A namoradeira, Volume 2, p. 107.
[36] PENA,
"Os três médicos" In Teatro de Martins
Pena, p. 257.
[37] ALENCAR,
Senhora.
[38]
Idem.
[39]
Idem.
[40] MACEDO,
A namoradeira, Vol. 1, p. 8.
[41] MACEDO,
A misteriosa, p.41.
[42]
FRANÇA JUNIOR, Folhetins, 4a.
Edição, p. 145.
[43] Idem, p.
6.
[44]
FRANÇA JR., "Bonde" Op.cit.
[45]
FRANÇA JR. "As doutoras" In Teatro de França
Júnior, Tomo 2, p. 229.
[46]
Idem.
[47]
Idem, [Grifo nosso]
[48]
Idem.
[49]
Idem, p. 288.
[50]
FRANÇA JR, "Bondes" In Folhetins, p. 146
[51]
FRANÇA JR, "A rua do Ouvidor" Op. Cit., p. 66.
[52]
FRANÇA JR, "Encomendas", Op. Cit..
[53] O
viajante Karl von Koseritz que visitou o Rio em 1883 declara
espantado: "Mais de trezentos bondes trabalham dia e noite nas ruas
do Rio, e se cruzam em todas as direções". Apud
Flora Süssekind, As revistas do ano, p. 38.
[54]
SILVA, Os transportes coletivos na cidade do Rio de
Janeiro: tensões e conflitos. Cap 2. A autora alude
à existência das fábricas de tecido estabelecidas
em Laranjeiras, Gávea e Jardim Botânico.
[55]
FRANÇA JR., "Bondes" In Op. cit., p. 148.
[56]
FRANÇA JR. "A rua do Ouvidor", Op. Cit..
[57
]FRANÇA JR., Op.cit., p.6.
[58]
Idem, p.136.
[59]
Idem. [Grifos nossos].
[60]
FRANÇA JR., "Mudanças" Op.cit., p.54-58.
[Grifos nossos]
[61]
FRANÇA JR, "Maldita parentela" Teatro de França
Júnior.
[62]
Idem.
[63]
Idem, Cena VI, p. 165.
[64]
POMPÉIA, Raul. Op. cit., p.37.
[65]
FRANÇA JR., "Luminárias", Op. Cit., p.
136.
[66] AZEVEDO,
Histórias Brejeiras.
[67]
Idem.
[68] AZEVEDO,
Contos Cariocas.
[69] AZEVEDO,
"Assunto para um conto" in Contos Ligeiros.