Palavras parabólicas: o mercado editorial na era da mundialização

 

DÊNIS DE MORAES
Universidade Federal Fluminense (UFF)


Resumo

O artigo analisa as mutações do mercado editorial no cenário de mundialização cultural, particularmente aquelas que decorrem da hegemonia de grupos transnacionais no processo de difusão de best-sellers globais.

 

Resumé

L'article analyse les mutations du marché d'édition dans le cadre de mondialisation culturelle, particulièremente celles qui sont occasionées par la hegemonie des groups transnacionales dans le procès de diffusion des best-sellers globales.


É necessário que se torne claro aos olhos de toda a gente que as hegemonias culturais de hoje resultam,fundamentalmente, de um nem sempre sutil processo de evidenciação do próprio e de ocultação do alheio, algo imposto como inelutável, e que conta com a resignação, muitas vezes com a cumplicidade, das próprias vítimas.

JOSÉ SARAMAGO*

 

 

1. O consumo em escala planetária

Stephen King, Rolling Stones, U2, Leonardo Di Caprio, Madonna, Spice Girls, Luciano Pavarotti, John Grisham, Paulo Coelho, Steven Spielberg. Quando as imagens de ícones culturais do ocaso do século XX se projetam vertiginosamente em telas e monitores, perdemos a noção de que eles se movem como signos sociais em cadeias de consumo globais. À sombra de nossas retinas, e possuindo ou não qualidade artística, prosperam como forças produtivas incensadas pelo uso intensivo de instrumentos refinados de marketing e pela superexposição nas mídias. A profusão de imagens turva os horizontes perceptivos e reconfigura os parâmetros sociais. Potencializados por redes eletrônicas e satélites, os aparatos de difusão tornam próximos e presentes acontecimentos separados por fusos horários, climas, injunções geopolíticas e iniqüidades de toda ordem. Eles inscrevem, disseminam e consolidam não apenas referências culturais (artistas, ídolos esportivos, estilistas, programas de televisão, filmes, vídeos etc.), como também marcas de produtos (Ford, Disney, Intel, Sony, General Motors, Mastercard, Kodak, Nestlé etc.), a maioria delas sem origens nitidamente identificadas. Os slogans publicitários fazem questão de realçar a circulação de mercadorias e bens simbólicos em domínios universais: "O mundo prefere Visa", "HBO e HBO2: no mundo todo, todo mundo assiste", "IBM: soluções para um mundo pequeno", "O mundo fala primeiro através da CNN".

Tais signos prefiguram uma memória coletiva partilhada por pessoas dispersas nos rincões geográficos. Não mais uma memória enraizada em tradições regionais ou locais, mas traçada e reconhecível em estilos de vida, cujos entornos simbólicos suplantam as especificidade históricas e facilitam planejamentos mundializados. Em torno de símbolos desterritorializados (o jeans, o tênis, a pizza express, os drive-thrus, o programa Windows, o Big Mac, as excursões à Disneyworld) agregam-se grupos sociais de diferentes países, etnias, raças, crenças e idiomas. Os sentidos de pertencimento descolam-se de lealdades nacionais e passam a ser influenciados pelos centros gestores do consumo. Os sistemas culturais interpenetram-se em circuitos regidos por corporações estratégicas (bancos e conglomerados financeiros e industriais, companhias transnacionais) e organizações supranacionais (Fundo Monetário Internacional, G-7). Esses organismos sintetizam as estruturas de dominação e as relações de apropriação que caracterizam o quadro de globalismo. Suas metodologias de ação conjugam-se às exigências de um espaço econômico de amplitude colossal, gerando uma espécie de amálgama entre os componentes locais, nacionais e internacionais.  Se promove intercâmbios de conhecimentos e de técnicas, essa hibridação de meios está longe de equacionar desigualdades na apropriação dos bens simbólicos, nos acessos às inovações culturais e nas trocas comunicacionais entre grupos, países e regiões. Ao contrário, ela repõe tensões e desníveis entre hierarquias planetárias e subsistemas socioculturais.

Na realidade, a Babel cultural encobre relações de força que condicionam as práticas sociais. A chamada cultura McWorld repousa sobre o extraordinário poder de difundir produtos que generalizam particularidades histórico-culturais norte-americanas -- o que não exclui a possibilidade de se manifestarem formas diferenciadas de recepção.[1]  Benjamin R. Barber aponta a ingerência mediática na reverberação do ideário McWorld:

As imagens contribuem para criar uma sensibilidade planetária, veiculada por palavras, astros, canções, marcas e jingles. As relações de forças convertem-se em forças de sedução; a ideologia se transmuta numa espécie de videologia à base de sons expressos em bits e videoclipes. A videologia é mais suave do que a ideologia política tradicional, o que a torna muito mais eficaz para disseminar os valores que os mercados mundiais exigem. Esses valores não são impostos por governos coercitivos ou por sistemas educacionais autoritários; eles são transfundidos à cultura por pseudoprodutos culturais -- filmes ou anúncios --, dos quais derivam um conjunto de bens materiais, de acessórios da moda e de divertimentos. O Rei Leão, Jurassic Park e Titanic não são apenas filmes, mas também verdadeiras máquinas de comercializar alimentos, músicas, roupas e brinquedos. [2] 

 

Como salienta Mike Featherstone, o sistema McWorld tanto implica eficiência econômica e lucros, como representa uma mensagem cultural que o consumismo se incumbe de massificar. [3]  Mas, concorda Featherstone, incorreríamos em redução grosseira se sustentássemos que todas as sociedades gravitam parasitariamente, e com igual intensidade, na órbita do McWorld. Seria ceder ao dogmatismo, à tentação de enxergar o Big Brother em cada esquina. Desproporcional e abusiva -- a ponto de impor-se sem recorrer a bases militares ou a tropas de ocupação --, a supremacia cultural dos EUA não é de todo inexpugnável diante das choques, simbioses, nuances e paradoxos à nossa volta.

Reconhecer diversidades na cena contemporânea não significa subestimar o forte, às vezes enjoativo, aroma McWorld que as mídias e a indústria do entretenimento exalam como agentes de fixação de identidades societárias. Elas concatenam, simbolicamente, as partes das totalidades em expansão, procurando unificá-las em torno de determinadas significações. A partir de uma retórica que demonstra sutil sensibilidade para operar com símbolos abrangentes, constroem e extravasam anseios e emoções que suscitam identificações sociais e psíquicas com indivíduos, grupos e coletividades. Contingentes expressivos de consumidores tornam-se alvos das convulsivas imagens da publicidade, formatadas para preestabelecer hábitos e condutas e direcioná-los a produtos e marcas, com vistas à aceleração contínua dos potenciais de demanda e à fidelização da audiência. 

Assim, as corporações de mídia e entretenimento propagam modos de convivência e de pensamento que transferem para o mercado a regulação das demandas coletivas. O discurso da globalização intenta incutir a convicção de que a fonte primeira de expressão cultural se mede pelo nível de consumo dos indivíduos e coletividades. Como se somente a "força moral" do mercado pudesse discernir e aglutinar o que se convencionou chamar de organização societária. Fredric Jameson sublinha que a capitulação "imperceptível e alarmantemente universal" frente ao discurso para-o-mercado implica, como contrapartida não-declarada, a deslegitimação ideológica de qualquer formulação alternativa ou contestadora. [4] A vontade de uma medida universal para a circulação de mercadorias engloba todos os subespaços econômicos, dentro de um espectro cultural ilimitado. A obsessão última é rentabilizar o capital e alavancar as margens de lucros.

A mercantilização respalda-se no poder das máquinas persuasivas de ordenar a existência sob a predominância de um valor idêntico: a excitação artificial ao consumismo. A operação ideológica consiste em enquadrar o consumo como valor universal, capaz de converter necessidades, desejos e fantasias em bens integrados à ordem da produção. Na verdade, ressalta Jean Baudrillard, o consumo é uma instituição, uma moral e uma estratégia de poder, com suas multiplicidades de ofertas duráveis ou efêmeras. [5]  No âmbito da economia de escala, trata-se de elevá-lo à condição de única atividade humana extensiva, hipoteticamente credenciada a definir a essência dos indivíduos. Dissimulando contradições e diferenças, a lógica mercadológica trabalha com a noção de totalidade para descontextualizar os discursos e equalizar a assimilação dos objetos que cintilam perante os consumidores, estejam eles onde estiverem.

A Terra contrai-se em eventos parabólicos, que permitem a colagem e as interconexões de bens, espaços e idéias. Dois bilhões de telespectadores em 115 países assistiram à transmissão ao vivo do show dos tenores José Carreras, Luciano Pavarotti e Plácido Domingos, em Paris, no encerramento da Copa do Mundo de 1998. Já o CD de Elton John com a música Candle in the wind, por ele interpretada durante os funerais da princesa Diana, quebrou o recorde da discografia mundial ao vender 32 milhões de cópias em 125 países. Por sua vez, Giorgio Armani, o superstar da alta costura, sincroniza as datas de seus desfiles com as disponibilidades de transmissão das redes de TV. Estratégia condizente com uma grife que tem lojas na Europa, EUA, Ásia e América Latina, e fatura US$ 2,5 bilhões por ano. Citemos ainda o fenômeno Spice Girls, que se enquadra nos ciclos musicais ajustados à convergência de mercados. Além de venderem, em 31 países, 30 milhões de cópias dos álbuns Spice e Spiceworld, a banda está literalmente saltitando pelo planeta: turnês por Grã-Bretanha, Índia, Turquia, Itália, França e África do Sul; comerciais dos chocolates Cardbury's nas TVs européias; campanha publicitária da Pepsi Cola; videoclipes em canais a cabo das três Américas e da Ásia.

Tudo deslocaliza-se. As telenovelas exportadas pela Rede Globo de Televisão são vendidas pelos escritórios no Rio de Janeiro, Londres, Miami e Nova York, e dubladas para espanhol e francês em estúdios de Caracas e para o inglês em Miami, onde funciona o núcleo de geração e distribuição para clientes de cinco continentes. Que dizer de um artista que, sem pouso fixo, resolveu comprar casas em Nova York, Los Angeles, Washington, Acapulco, Monte Carlo, Madri e Viena? Foi a opção do tenor Plácido Domingos, ao escolher endereços em pontos estratégicos nos roteiros de suas sucessivas turnês. E mais: livros estão deixando de ser impressos fora de seus países de origem. A indústria editorial brasileira, por exemplo, tímida em matéria de exportação de títulos, busca cada vez mais o mercado externo para reduzir custos de produção. Condições favoráveis de financiamento, prazos mais curtos para execução dos serviços e padrão de qualidade motivam editoras a procurarem gráficas em locais tão díspares como Chile, Colômbia, Espanha, Itália, Cingapura e China. Segundo a Câmara Brasileira do Livro, em 1997, foram impressos no exterior 16,545 milhões de exemplares correspondentes a 2.105 títulos. Isto já representa 3,5% do total das tiragens no país. [6]

 

2. A concentração multinacionalizada do setor editorial

 

A dinâmica de concentração multinacionalizada condiciona os processos de industrialização do entretenimento, que se inserem no painel de forte concentração de comandos estratégicos e de mundialização de conteúdos, mercadorias e serviços. Esse redesenho da esfera cultural tem sido facilitado pelas desregulamentações, pela supressão de barreiras fiscais, pela acumulação de capital nos países industrializados, pela deslocalização geográfica das bases de produção e por redes tecnológicas de múltiplos usos. Na base da chamada "flexibilização dos investimentos empresariais", a realização de lucros implica maior acumulação de capital ao menor custo possível. O que pressupõe: a) amplos mercados consumidores; b) concorrência intensa entre um número cada vez menor de grupos, constituídos por fusões e incorporações de empresas produtivas já existentes; c) reformulação estratégica das corporações transnacionais, que passam a centralizar as funções de decisão e os planos de inovação, ao mesmo tempo em que coordenam a dispersão das operações comerciais e industriais.

Em decorrência, os principais ramos das indústrias culturais (audiovisual, cinematográfico, fonográfico e editorial) encontram-se agrupados em torno de conglomerados. A maximização de lucros norteia-se por pressupostos semelhantes aos das corporações de mídia. Entre eles, destacam-se: prioridade a áreas descentralizadas de produção, comercialização e distribuição de mercadorias e serviços; reengenharias para incremento de produtividade; absorção e implementação de novas tecnologias; acordos e parcerias interempresariais, através dos quais se mesclam estoques de munição financeira e know-how tecnológico que nenhuma firma, isoladamente, teria condições de mobilizar e garantir. E com a vantagem de diluir os aportes financeiros entre os participantes e, por extensão, as margens de riscos. Trata-se, assim, de uma reconcentração de capital em investimentos industriais de longo alcance geográfico, com expectativa de polpudos retornos em função da economia de escala.

Renato Ortiz observa que os efeitos negativos da oligopolização das indústrias culturais sobressaem em comparação com outros setores competitivos, ainda que reflitam igualmente as transformações do capitalismo:

Concentração significa controle. As conseqüências disso são graves, pois as agências transnacionais são instâncias mundiais de cultura, sendo responsáveis pela definição de padrões de legitimação social. Se realmente nos encontramos diante de uma totalidade mundializada, é preciso reconhecer que os mecanismos existentes no seu interior são em boa parte (mas não exclusivamente) moldados pelas `indústrias culturais globalizadas'. Elas representam um tipo de instituição que supera em muito o alcance de outras instâncias, cujo raio de ação é limitado. Tanto a escola como as tradições populares têm um âmbito de atuação restrito aos domínios regional ou nacional. Por outro lado, se imaginarmos o mundo como um espaço no qual se afrontam diferentes concepções e ideários políticos, temos que a presença dos conglomerados adquire um peso desproporcional. [7] 

As matrizes industriais administram empreendimentos paralelos ou convergentes, ao mesmo tempo em que reduzem, por sinergias empresariais, disparidades de custos e concatenam suas atividades. Os portfólios podem até variar, mas as corporações adotam variantes comuns para generalizar os bens culturais: integração tecnológica e internacionalização de mercados. A concentração de capital nessas superestruturas vincula-se e intercambia-se com o contraditório movimento de deslocalização operacional, em face da exigência de extrair rentabilidade no maior número possível de bases consumidoras. Repete-se aqui o paradoxo observado na mídia: nunca a oferta cultural foi tão diversificada e abrangente, e no entanto jamais se registrou uma conglomeração tão acentuada na esfera da produção, da circulação e do consumo de bens simbólicos. Cabe aos pólos de enunciação e difusão coordenar os elementos aparentemente desconexos, mas partes integrantes do sistema cultural global. As unidades locais e regionais subordinam-se à lógica estratégica dos boards corporativos, com autonomia para articular o conjunto de proposições mercadológicas às especificidades de cada área.

O setor editorial -- menos concentrado que o audiovisual e o fonográfico -- orbita em torno de dez megafirmas. São elas: a alemã Bertelsmann; as norte-americanas Time Warner (Time-Life Books, Warner Books, Sunset Books e Osmoor House), Viacom (Simon & Schuster), News Corporation (Harper-Collins) e McGraw-Hill; a inglesa Pearson (Addison-Wesley Longman, Penguin Books, Simon & Schuster Educacional); a anglo-holandesa Reed Elsevier; a francesa Hachette; a holandesa Wolters Kluwer; a canadense Thomson; e a italiana Rizzoli-Corriere della Sera (Bompiani). Juntas, elas absorvem 25% das vendas anuais de US$ 80 bilhões. Os EUA respondem por US$ 21 bilhões. Os três grupos com melhor desempenho -- Bertelsmann, Time Warner e Pearson -- faturam cerca de US$ 10 bilhões e detêm 50% dos negócios nos EUA, na Alemanha, na França e na Espanha. [8] A concentração pode ser observada também no Canadá. O conglomerado Thomson -- um dos dez maiores grupos editoriais no mundo, com receita anual de US$ 7 bilhões -- predomina em um mercado no qual 21 (6%) das 370 editoras respondem por 51% das vendas anuais.

Notável exceção à regra, a indústria editorial é um dos raros segmentos em que firmas norte-americanas não monopolizam o seu próprio mercado. Metade das 20 maiores editoras pertence a grupos externos. Esse percentual foi alcançado depois que a Bertelsmann -- com 14 editoras na Alemanha e 36 em 20 países -- comprou a célebre Random House, em março de 1998. A corporação alemã assumiu o segundo lugar nos EUA, pois já possuía a Bantam Doubleday Dell (BDD), quinta no ranking mundial. Com a incorporação da Random House, passam a trabalhar sob controle estrangeiro celebridades nova-iorquinas como Norman Mailer, Toni Morrison, Michael Crichton, Anne Rice e Gore Vidal. A holding da Random House enfeixa 35 editoras, entre as quais Knopf, Crown, Fawcett, Ballantine, Villard e Pantheon, e os guias Fodor. Ocupa posição-chave na Grã Bretanha (editoras Jonatham Cape, Chatto & Windus, Hogarth Press e Vintage), no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia e na África do Sul. O faturamento nos EUA deverá representar 35% da receita total da divisão editorial da Bertelsmann (US$ 6,5 bilhões em 1997). [9]

O gigante alemão quer fazer de Portugal e Espanha cabeças-de-ponte para a exportação a países de línguas espanhola e portuguesa da América Latina. Nos últimos anos, foram adquiridas as editoras Lumen, Debate e Plaza & Janés, e a tradicional livraria Catalonia, de Barcelona. A Bertelsmann negocia a incorporação do grupo editorial português Bertrand (a filial brasileira foi incorporada pelo grupo Record, juntamente com a Editora Civilização Brasileira). Em janeiro de 1998, a Bertelsmann comprou, por US$ 5,4 milhões, 60% das ações da editora argentina Sudamericana. Cinco meses depois, absorveu a parte da Reed Elsevier no clube de livros BCA, que tem dois milhões de sócios na Grã-Bretanha.

Outras editoras cruzam os meridianos. A Time-Life Books obtém 42% de seu faturamento fora dos EUA. A Harper-Collins é forte nos EUA, na Grã-Bretanha e na Austrália. Penguin e Addison-Wesley predominam na Grã-Bretanha e se expandem na França, nos EUA e na Austrália. A incorporação da Simon & Schuster Educacional somará à receita da Addison-Wesley US$ 2 bilhões anuais provenientes de 43 países. A performance editorial do Pearson também é significativa na Austrália, na Alemanha, em 20 países da América Latina e na África do Sul. A holandesa Wolters Kluwers atua em 26 países, com boa presença na Europa central.

A transação Bertelsmann-Random House surpreendeu a Associação dos Editores dos EUA, às voltas com queda de 10% nas vendas de livros para adultos. A taxa de devolução pelas livrarias bateu em 35% -- recorde histórico em um mercado que vende 322 milhões de livros por ano e arrecada US$ 21 bilhões. Between hope and history, assinado por Bill Clinton, foi um retumbante fracasso: somente um quarto de sua edição de 400 mil exemplares saiu das prateleiras. Agravando-se a concorrência com Hollywood, TV a cabo, Internet, CDs e jogos eletrônicos, as editoras tendem a reduzir as suas tiragens monumentais e a desinflacionarem os contratos com escritores de segundo time e protagonistas de casos rumorosos (por exemplo, Marcia Clark, a promotora do processo de O.J.Simpson, recebeu US$ 4 milhões de adiantamento para contar a história, e o livro encalhou). A Bertelsmann já avisou que as editoras associadas à Random House deixarão de competir entre si; a holding negociará diretamente com os autores. Na maré vazante, Rupert Murdoch estaria disposto a vender a Harper-Collins, a quarta maior dos EUA, com vendas em torno de US$ 750 milhões. Em junho de 1997, essa conceituada casa editorial anulou os contratos de 106 autores, no bojo de uma crise que resultou em perdas anuais de US$ 270 milhões. [10]

As vendas internacionais das editoras norte-americanas ainda não conseguem acompanhar o crescimento das redes varejistas domésticas. Um quarto de todos os livros vendidos nos EUA concentra-se nas cadeias de megastores espalhadas pelos bairros de maior poder aquisitivo. As quatro principais -- Borders, Barnes & Nobles, Crown e Book-A-Million -- abriram cerca de mil lojas entre 1990 e 1998. Só em 1996 cresceram 20%. Para equilibrar suas contas, cada megastore deve comercializar, por dia, 400 livros em lançamento, faturando pelo menos US$ 11 mil. A Barnes & Nobles tem 500 lojas. Esses hipermercados estocam, em média, 175 mil títulos e oferecem estacionamento, salão de chá e salas de leitura. [11]  

Barnes & Nobles e Borders sonham em alcançar a Amazon, pioneira no comércio eletrônico de livros. Fundada em 1995, a Amazon atualmente vende mais de US$ 1 milhão por dia em livros. Isso a transforma em terceira maior livraria dos EUA, sem que seu donos tenham aberto uma única loja -- o que lhes poupa dos altos custos com estoque, pessoal e ar condicionado. O seu catálogo reúne três milhões de títulos. Até 30 de junho, dispunha de 3,14 milhões de clientes cadastrados em 160 países, com mais de 2,8 milhões de exemplares vendidos. Os lucros acumulados da Amazon começaram a ser aplicados em sua megastore virtual (a Borders já abriu a sua). O primeiro movimento foi a comercialização de CDs pela Web. O segundo não demora: a empresa adquiriu o Internet Movie Database (IMDb), site de filmes mais acessado da Internet que será transformado em plataforma para vendas de vídeos via Internet. O IMDb reúne informações sobre 140 mil filmes e seriados de televisão. Em outubro de 1998, a Amazon disponibilizou versões de seu site na Inglaterra e Alemanha, com o objetivo de reduzir custos e o tempo de entrega dos livros na Europa, aumentando, assim, a sua competitividade. A Amazon alemã oferece 335 mil títulos de editoras nacionais e 374 mil obras norte-americanas. Já o site inglês reúne 1,4 trilhão de títulos do Reino Unido, além dos catálogos de 200 editoras dos EUA. [12]

A ameaça à Amazon vem da Alemanha. Em novembro de 1998, a Bertelsmann comprou 50% das ações da Barnes & Nobles Online, cujas vendas quadruplicaram no terceiro trimestre de 1998, alcançando US$ 17,2 milhões. O número de clientes virtuais cresceu 29%, somando 930 mil cadastros. No primeiro trimestre de 1999, a Bertelsmann inaugurará a livraria virtual Books Online, provavelmente no primeiro trimestre de 1999. Para tentar superar concorrentes estabelecidos há anos na Internet, a Bertelsmann recorrerá ao banco de dados com os 35 milhões de sócios de seus clubes de livros e música na Europa e na América do Norte e uma rede de distribuição com 40 filiais. Desde janeiro de 1998, vem testando na Alemanha o Boulevard Online, com acervo de 290 mil livros e práticas semelhantes às da Amazon.[13]

De acordo com levantamento da Câmara Brasileira do Livro e da Associação Brasileira da Indústria Gráfica, o setor editorial no Brasil arrecadou US$ 1,845 bilhões em 1997 -- 2,68% a menos do que em 1996. Foram vendidos 338.152.034 exemplares -- 10,54% a menos do que ano anterior. Dos cinco subsetores listados, três apresentaram variação positiva: paradidáticos (4,15%) obras gerais (2,86%) e técnicos/científicos/profissionais (1,05%). Registram índices negativos os subsetores didáticos (-8,26%) e religiosos (-2,79). O número de títulos lançados ou relançados subiu para 51.460 -- 18,8% a mais em relação a 1996. [14]  Estes dados não traduzem, porém, a plenitude do mercado brasileiro, cuja atratividade para as editoras estrangeiras permanece alta, pelo potencial de expansão e por servir de porta de entrada para os vizinhos do Mercosul e do Chile. Entre 1990 e 1997, o mercado nacional dobrou de tamanho, com o faturamento em dólar aumentando 128,9%. O número de exemplares vendidos registrou crescimento de 64%, no mesmo período. Apesar da taxa de 2,4 livros por habitante, em 1997, o Brasil é o segundo país sul-americano em consumo per capita, atrás apenas da Argentina.

Duas transações ocorridas em 1998 sublinham o interesse estrangeiro pelas redes distribuidoras brasileiras. O Ática Shopping Cultural foi vendido pelas editoras Ática e Scipione, em julho de 1997, à FNAC, subsidiária do grupo francês Pinault-Printemps-Redoute. O investimento é parte da estratégia da FNAC de obter um quarto de sua receita no exterior até 2000. Maior varejista de livros, CDs e artigos de áudio, vídeo e informática da França, com faturamento de US$ 1,7 bilhão em 1997, a FNAC possui filiais na Espanha, em Portugal e na Bélgica. A rede Siciliano negociou 35% de seu capital para a norte-americana Darby Overseas e aplicará o dinheiro na construção de oito megastores, com no máximo 600 metros quadrados cada, a serem inauguradas em 1999. Entre os grupos multinacionais que atuam no país, destacam-se a McGraw-Hill, a Makron Books, a Penguin Books e a Addison-Wesley Longman.

 

3. A grife dos best-sellers globais

 

Editoras transnacionais, autores globais. Eis o binômio preponderante nas cadeias editoriais que se apresentam como arquipélagos mundiais. A sincronização de suas atividades em escala planetária tornou-se factível não apenas pela internacionalização dos esquemas de marketing e das campanhas publicitárias, como também pela capacidade estratégica de articularem a produção, a difusão e a divulgação dos best-sellers simultaneamente em vários continentes. A logística dos lançamentos concomitantes vem na esteira da multiplicação de filiais e das parcerias comerciais com redes livreiras regionais e locais, cada vez mais ajustadas a uma engrenagem de distribuição que eleva os títulos de consumo rápido e massivo à condição de insumos básicos nas praças internacionais. Tal sistema contribui decisivamente para a ocupação de estantes e prateleiras por produtos estandartizados.

A noção de autor global coincide com a figura de um escritor de méritos artísticos geralmente contestados, mas com indiscutível habilidade para formatar seus livros a partir de um conjunto de elementos ficcionais que se mesclam com as expectativas dos grandes públicos. Os romances são concebidos de acordo com regras de produção que assegurem ressonância em bases consumidoras desterritorializadas. A primeira delas é misturar tramas policiais com aventuras, sexo, dramas sentimentais, sagas familiares, espionagem, mistério e suspense. As histórias de terror, de catástrofes e de ficção científica também se enquadram no receituário. Muniz Sodré aponta elementos discursivos, estilísticos e ideológicos que respaldam as formas de comunicação da literatura de massa: oposições míticas (bem e mal, céu e inferno, heróis e vilões); atualidade informativa (necessidade de pôr o leitor a par de determinados fatos, teorias e doutrinas, mas sem excesso de informações); linguagem leve e acessível, próxima do coloquialismo do discurso jornalístico, com descrições ágeis e dialogação abundante, que facilitam uma adesão mais intensa do leitor à trama; pedagogismo (mensagens que transmitam ensinamentos e significações doutrinárias tranqüilizadoras); universos ficcionais em que os leitores reconheçam componentes de sua memória afetivo-cultural; conteúdos fabulativos calcados na estrutura clássica de princípio-tensão, clímax, desfecho e catarse, com o objetivo de mobilizar a consciência do leitor, exacerbando as suas emoções. [15]

A crítica social, quando existe nesse tipo de literatura, aparece em plano secundário. Os parâmetros de legitimação do fast-food literário transferem-se das instâncias acadêmicas para os cânones do mercado. Vale dizer, fundamentam-se na aceitação que as obras obtêm junto a diferentes faixas de consumidores. A contrapartida simétrica é o definitivo atrelamento do campo editorial ao princípio-motriz da acumulação reprodutiva do capital. Os conglomerados que atuam no ramo não apenas reverberam a organização global dominante, como fixam nas alças de mira a produtividade, a competitividade, a lucratividade, a racionalidade gerencial e a qualidade total.

Para as safras de best-sellers surgidas nos anos 80 e 90, as fórmulas estereotipadas de construção das narrativas funcionam como fatores de racionalização mercadológica. Pouco importa que se apartem de indagações ético-filosóficas ou de interpelações das estruturas sociais iníquas. Pouco importa se os romances policiais de John Grisham nada acrescentam aos de seus antecessores Frederick Forsythe e John Le Carré. A imaginação criativa subordina-se aos ditames da industrialização mercantil. Grisham prefere repetir, a cada livro, a sua receita infalível: um pouco de drama judiciário, um pouco de policial noir, um pouco de romance, um pouco de thriller. Quase sempre, a trama desenrola-se em torno de um jovem advogado idealista (o bem) que enfrenta corporações inescrupulosas (o mal). Prevalece a força determinante de estratagemas que agradam a uma audiência conformada em se entreter com leituras digestivas. Não por acaso, Grisham costuma ser muito lido nos vagões do metrô nova-iorquino. Ao lançar, em novembro de 1998, seu 20º título, O saco de ossos, Stephen King, o rei do suspense e do terror, avisou que o escrevera pensando em roubar as legiões de fãs das aventuras de vampiros de Anne Rice e conquistar leitores que só o conhecem por meio das adaptações de suas obras para o cinema ou a TV. Ele proclamou, em entrevista coletiva, que sua meta é vender mais e mais: "

Quero mostrar que posso dar as cartas. Quero destronar Tom Clancy, tirá-lo do nº 1 da lista dos mais vendidos. Quero ser o rei do mundo como Leonardo Di Caprio em Titanic, mesmo que seja por apenas duas semanas." [16]

Sua nova editora, a Scribner, pertencente à Simon & Schuster, concordou em pagar-lhe US$ 2 milhões de adiantamento. King conseguiu inserir no contrato uma cláusula que lhe garante uma participação em torno de 50% do lucro líquido.

Curioso que um ícone da velha guarda como Sidney Sheldon rejeite a prescrição de fórmulas:

"Como posso escrever um livro pensando em agradar ao mesmo tempo a um caminhoneiro, uma dona de casa do Kansas e um nobre inglês? O que faço é seguir uma trilha imaginária de idéias que satisfaçam a minha curiosidade e emoções. O resto é sorte." [17]

Mas a crítica especializada não se cansa de provar que seus romances obedecem a idêntico diapasão narrativo e exploram temas universais e tramas de fácil envolvimento emocional, calibradas para seduzir platéias dos quatro quadrantes. Entre os leitores habituais de sua prosa bem remunerada, perfilam-se a rainha Elizabeth II, Hillary Clinton e Rosane Collor de Mello.

"Meu objetivo é que meus leitores, durante as quatro ou cinco horas que levam para ler um livro, se desliguem do mundo real. Espero que eles se envolvam tanto com os personagens que esqueçam seu cotidiano e façam uma viagem por um mundo fantasioso",

pontua Sheldon. [18]

Incorporando os clichês do gênero, o circuito mercadológico do best-seller compreende hoje complexas operações de planejamento estratégico, que vão de contratos milionários com celebridades a planos de internacionalização acelerada e de multiplicação das áreas de influências, passando por acordos tácitos para dispersar ao longo dos meses os grandes lançamentos, a fim de evitar concorrências desnecessárias. John Grisham, Stephen King, Sidney Sheldon e Michael Crichton chegam às livrarias com meses de intervalo. Com isso, as editoras otimizam as campanhas promocionais e os espaços de divulgação. O livro anual de John Grisham, por exemplo, sai religiosamente entre a metade de dezembro e a primeira semana de fevereiro. Desde A firma, o primeiro de seus nove best-sellers, com 13 milhões de exemplares vendidos, as tiragens astronômicas empurram o lançamento de outros autores para o restante do ano, inclusive os de nomes de peso como Mary Higgins Clark, Tom Clancy, Scott Adams e Frank McCourt. O mais desconcertante é que até estrear com Tempo de matar, no final dos anos 80, Grisham esbarrava no desprezo do mercado por novatos sem recomendação. Nem mesmo a sua atual editora, a Bantam Doubleday Dell, se interessou em dar-lhe uma chance. Hoje, seus romances estão traduzidos em 28 idiomas e ele lidera o ranking da década, com assombrosos 86 milhões de exemplares vendidos desde 1991. [19]

Os expoentes das novas gerações ainda não conseguiram desbancar Danielle Steel e Sidney Sheldon, dois dos mais bem-sucedidos autores vivos. Steel coleciona 360 milhões de cópias vendidas em 20 anos de carreira. Aos 81 anos, Sheldon é dono de uma fortuna que passa dos US$ 300 milhões e da invejável marca de 270 milhões de exemplares consumidos em 30 anos. Escreveu 16 livros, 29 roteiros de cinema, 250 scripts de televisão (Jeannie é um gênio, Casal 20) e seis shows para a Broadway. Traduzidas para 51 idiomas, suas obras fazem tanto sucesso que Sheldon chega a concorrer consigo mesmo pelos primeiros lugares nas listas de mais vendidos.

Outro traço constitutivo do atual cenário é a intensa convergência entre o setor editorial e as indústrias multimídias, particularmente nos EUA. Isso traduz-se na hibridação de meios, recursos e processos tecnológicos para gerar uma gama de rentáveis produtos associados ao potencial de consumo dos best-sellers, como filmes, seriados televisivos, CD-ROMs, vídeos, DVDs (Digital Video Disc), CDs, videogames, videoclipes, jogos on line e sites na Internet (com informações, serviços e comércio eletrônico). A sinergia de atividades revela-se crucial para reposicionamentos mercadológicos das megacompanhias, notadamente numa conjuntura econômica marcada por altíssima taxa de inovação e expansão de conhecimento científico, e de renovação incessante de sistemas e métodos produtivos. A vantagem estratégica de uma corporação se mantém enquanto ela demonstrar capacidade criativa e conhecimento matricial em diversos setores e nas interfaces de seus empreendimentos.  Nesse sentido, a indústria editorial subscreve a cartilha dos titãs da mídia e do entretenimento, que lucram em dobro explorando mercadorias conjugadas. É o caso da Disney. Não apenas produz desenhos de longa-metragem com alta tecnologia de animação, como os vincula à produção de discos, vídeos, brinquedos, álbuns e publicações. Só com O Rei Leão ela faturou US$ 1 bilhão em 1994, incluindo receitas de bilheteria, merchandising e comercialização de produtos agregados.

Se dependesse dos temas abordados, o romance Politika nada acrescentaria a assuntos recorrentes de Tom Clancy, autor de Caçada ao outubro vermelho: armas e a luta pelo poder na Rússia. O que despertou curiosidade foi o fato de o livro ser lançado conjuntamente com um jogo em CD-ROM. Desenvolvido pelo próprio Clancy e distribuído pela Red Storm, o programa copia o enredo do livro. Com a morte do presidente da Rússia, Boris Ieltsin, diversas facções entram em luta para assegurar o controle dos arsenais nucleares russos e conquistar o Kremlin. O jogo, que pode ser disputado por até oito jogadores conectados por modems ao computador, não tem, ao contrário do livro, um desfecho definido. [20] Já a empresa de software Hiperbole Studios produziu um CD-ROM baseado na obra de Stephen King, incluindo um conto inédito, jogos e imagens para proteção de tela. Há uma dezena de páginas na Internet sobre King, com animação eletrônica, trechos de livros, relatos biográficos e intercâmbios entre fãs espalhados pelo globo terrestre. A comunicação on line, aliás, vem fisgando a atenção das editoras. O último romance de John Grisham, O advogado, encontra-se disponível na Web. É a primeira vez que um superlançamento editorial chega ao ciberespaço juntamente com a edição impressa.

Nunca o best-seller transbordou com tanta volúpia para os domínios cinematográfico e televisivo. Nas décadas de 1980 e 1990, as adaptações para as telas alcançaram um patamar sem precedentes na história de Hollywood: de cada dez sucessos de bilheteria, pelo menos seis baseiam-se em romances com vendagens superiores a dois milhões de exemplares. As histórias de John Grisham invariavelmente acabam sendo filmadas, como A firma, O cliente, O homem que fazia chover e O dossiê Pelicano, este seu livro que ficou mais tempo entre os mais vendidos (48 semanas). Após o estrepitoso êxito de O parque dos dinossauros, em dupla com Steven Spielberg, Michael Crichton faturou milhões de dólares com os roteiros de Plantão médico, o seriado mais caro da história da televisão -- cada episódio custa à Warner Bros. US$ 1,6 milhão. Exportado para dezenas de países, cativa uma audiência entre 25 e 35 milhões de telespectadores norte-americanos. Crichton e Spielberg também foram responsáveis por um dos dez filmes mais lucrativos de 1997, O mundo perdido. [21]

The big four -- quarteto formado por Stephen King, Michael Crichton, John Grisham e Tom Clancy-- figura na lista da revista Forbes entre as 40 celebridades que geram os maiores lucros do show business. O faturamento anual de cada estrela do "bando dos quatro" -- entre US$ 30 milhões e US$ 60 milhões -- ultrapassa os de estrelas de cinema como Kevin Costner ou Demi Moore. Entre os dez artistas que mais ganharam dinheiro em 1998, a Forbes apontou Crichton em sétimo lugar, com US$ 65 milhões. Para se avaliar o que isso representa, basta dizer que Crichton ganhou mais do que os Rolling Stones (US$ 57 milhões) e de astros hollywoodianos como Harrison Ford, Robin Williams, Mel Gibson, John Travolta e Leonardo Di Caprio, cujas contas bancárias engordaram entre e US$ 37 milhões e US$ 58 milhões. "Nós, agora, somos uma grife", ironiza King, que, em 1997, entrou para o Guiness Book como o único autor a ter, simultaneamente, cinco livros na lista dos mais vendidos, a qual freqüenta, sem interrupção, há dez anos. É um dos mais prolíficos do grupo -- cria séries e filmes para a TV, argumentos e roteiros de cinema e jogos eletrônicos. [22]

Se futuramente The big four admitir o ingresso de um quinto sócio, Paulo Coelho por certo constará da lista de aspirantes à vaga. Um dos 15 autores mais lidos do mundo, freqüenta a lista de best-sellers de 18 países. Seus livros estão traduzidos em 74 países e 39 idiomas. Sem incluir Veronika decide morrer -- lançado no Brasil em julho de 1998 com tiragem de 150 mil exemplares e verba publicitária de R$ 250 mil --, já vendeu cerca de 21 milhões de exemplares dos oito títulos anteriores. Os principais mercados são Brasil (sete milhões de exemplares), França (4,3 milhões), Itália (1,3 milhão), EUA (1,2 milhão), Japão (920 mil) e Inglaterra (900 mil). Em 1997, com as 300 mil cópias de Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei, foi o autor estrangeiro de maior sucesso na França. Desprezado pela crítica, esse ex-executivo da gravadora Polygram estende sua influência pelos hemisférios. Exagero? Então acompanhe a sua agenda em 1998. Falou sobre espiritualidade no Fórum Econômico de Davos, na Suíça; foi recebido em audiência no Vaticano e abençoado pelo papa João Paulo II; bateu o recorde de autógrafos no 18º Salão do Livro de Paris, com O monte Cinco, que se aproxima dos 300 mil exemplares vendidos na França; gravou depoimento para o documentário O fenômeno, baseado em sua vida, numa co-produção canadense-francesa-norte-americana; o seu penúltimo livro, Manual do guerreiro da luz, inspirou a coleção 1998/1999 da grife Gianni Versace; passou oito dias na Grã-Bretanha divulgando O monte Cinco. Ao retornar ao Rio de Janeiro, em maio, concedeu entrevistas à TV5 canadense e aos jornais ingleses Sunday Times e The Guardian, e congestionou a mídia e as livrarias com o lançamento de Veronika decide morrer. Entre agosto e outubro, cumpriu compromissos na Nova Zelândia, na Austrália, no Japão, em Israel e na Iugoslávia. Regressou ao Rio para entrevistas às TVs francesa e alemã, viajando em seguida para uma turnê de lançamentos pelo Leste europeu (Polônia, República Checa, Eslováquia, Eslovênia e Bulgária). Antes de voltar ao Brasil para as festas de fim de ano, ainda passaria por Finlândia e Rússia. Hollywood pretende adaptar quatro livros seus para o cinema. A atriz francesa Isabelle Adjani disputa com a norte-americana Julia Roberts o direito de filmar Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei. A Warner pagou US$ 270 mil por O alquimista. O Arenas Group, ligado à Sony Entertainment, deseja levar às telas As valkírias, o mesmo acontecendo com a produtora Virgin em relação a Diário de um mago. Não custa relembrar que Coelho foi condecorado com a Ordem do Rio Branco pelo presidente Fernando Henrique Cardoso; recebeu a Comenda das Artes e das Letras do governo francês; e é conselheiro especial da Unesco para o programa Convergências Espirituais e Diálogo Intercultural.[23]

 Costuma-se atribuir o êxito de Paulo Coelho à onda mística que varre a Terra, à linguagem acessível e aos temas de seus livros, que podem ser lidos por pessoas de todas as idades e adeptos de qualquer crença religiosa, em qualquer tempo ou lugar. As fábulas contêm parcas referências ao Brasil; o português importa muito pouco, já que as traduções são feitas rapidamente pelas editoras. A "universalidade" de suas obras sustenta-se nos já mencionados pilares da literatura de massa: tiragens descomunais para baixar custos industriais e reduzir os preços de capa; marketing milimetricamente traçado; e agressivas políticas de comercialização transcontinental.

Como os demais membros do seleto clube de best-sellers, a cobiçada marca Paulo Coelho reluz no mercado das palavras sem fronteiras e sem pátria. Coelho, Grisham, King, Steel, Sheldon, Crichton, Rice, Clancy, Higgins Clark: todos se assemelham a máquinas de alimentação da hegemonia do consumo, convalidando as estratégias globais dos impérios que regulam a vida editorial do planeta.


Notas

 

* José Saramago. Cadernos de Lanzarote. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 497.

(1) Ver Pierre Bourdieu e Löic Wacquant, "Sur les ruses de la raison impérialiste", Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº 121-122, março de 1998, p. 109-110.
(2) Benjamin R. Barber, "Culture McWorld contre démocratie", Le Monde Diplomatique, agosto de 1998.
(3) Mike Feathestone. O desmanche da cultura: globalização, pós-modernismo e identidade. São Paulo: Studio Nobel/Sesc, 1997, p. 23-24.
(4) Fredric Jameson. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Ática, 1996, p. 271.
(5) Jean Baudrillard. Para uma crítica da economia política do signo. Lisboa: Edições 70, 1981, p. 53-55.
(6) Dados disponíveis no site da Câmara Brasileira do Livro: www.cbl.com.br.
(7) Renato Ortiz. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 167.
(8) Ver Edward S. Herman e Robert W. McChesney. The global media: the missionaires of the corporate capitalism. Londres/Washington: Cassell, 1997, p. 43; Rowland Lorimer e Eleanor O'Donnell, "Globalization and internationalization in publishing", Canadian Journal of Communication, 1996. Estudo da consultoria Datamonitor, de Londres, realizado em 22 países, revela que, embora os Estados Unidos sejam o maior mercado editorial do mundo, a Alemanha é o país onde mais se gasta dinheiro com livros. Os alemães desembolsam anualmente US$ 120 per capita, vindo a seguir os noruegueses (US$ 115), os suecos e finlandeses empatados (US$ 95 cada) e os norte-americanos (US$ 90). Ver Hélcio Emerich, "Acontecendo por aí", Folha de S. Paulo, 30 de março de 1998.
(9) Florence Noiville, "L'édition américaine bouleversée par la montée em puissance de Bertelsmann", Le Monde, 26 de março de 1998; Danielle Cavelier, "Bertelsmann prend le contrôle de Random House", Le Figaro, 24 de março de 1998.
(10) Jean-Sébastien Stehli, "Editores enfrentam taxa recorde de devolução", Le Point/O Estado de S. Paulo, 7 de junho de 1998.
(11) Jean-Sébastien Stehli, "Acordos milionários afetam área editorial dos EUA", Le Point/O Estado de S. Paulo, 7 de junho de 1998.
(12) O Estado de S. Paulo, 9 de agosto de 1998; Bloomberg News/Gazeta Mercantil, 5 de agosto de 1998.
(13) Doreen Carvajal, "Bertelsmann quer lançar maior livraria eletrônica do mundo", Universo Online/The New York Times, 26 de fevereiro de 1998.
(14) Dados disponíveis no site da Câmara Brasileira do Livro: www. cbl.com.br.
(15) Muniz Sodré. Best-seller: a literatura de mercado. São Paulo: Ática, 1985, sobretudo o capítulo 1.
(16) Stephen King, citado por Doreen Carvajal, "A guerra dos best-sellers: Kink quer agora seduzir as mulheres", O Estado de S. Paulo/The New York Times, 15 de novembro de 1998.
(17) Sidney Sheldon, citado por Eurípedes Alcântara, "Sucesso é sorte", Veja, 26 de novembro de 1997.
(18) Idem, ibidem.
(19) André Luís Mansur, "Um campeão de vendas desde a primeira história", O Globo, 17 de dezembro de 1998.
(20) Manoel Francisco Brito, "Disputa on line pelo poder no Kremlin", Veja, 1º de novembro de 1997.
(21) Frank Rose, "There's no business like show business", Fortune, 22 de junho de 1998
(22) Jean-Sébastien Stehli, "Acordos milionários afetam área editorial dos EUA", Le Point/O Estado de S. Paulo, 7 de junho de 1998.
(23) Sobre Paulo Coelho, ver: José Castello, "Escritor propõe `loucura controlada' em novo livro", O Estado de S. Paulo, 25 de julho de 1998; Celina Côrtes, "Os números de um mago", Isto É, 29 de julho de 1998; Marcelo Camacho, "O planeta Paulo Coelho", Veja, 15 de abril de 1998.


Dênis de Moraes é doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação da Universidade Federal Fluminense. Este artigo baseia-se em questões abordadas em seu mais recente livro, O Planeta Mídia: tendências da comunicação na era global (Letra Livre Editora, 1998, 287 p.). É autor também de Prestes: lutas e autocríticas (1982), A esquerda e o golpe de 64 (1989), Vianinha, cúmplice da paixão (1991), O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos (1992), O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1994), O rebelde do traço: a vida de Henfil (1996) e Globalização, mídia e cultura contemporânea, org. (1997).


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