Comentários de Livros
Oriente & Ocidente
Salman Rushdie
Oriente & Ocidente - Diferentes
e Similares
Um dos mais importantes autores anglófonos produzidos
na Índia, Salman Rushdie está, segundo o próprio,
dentro do processo histórico e literário da descolonização
da Índia. Ele considera o que Homi Bhabha descreve como a "separação
das origens e das essencias" (BHABHA: 1994. p. 120) seu ponto inicial.
Na tentativa de definir um sentimento nacional da Índia, o autor
indo-britânico aplica o que ele chama de "um ecletismo historicamente
válido", propondo um ataque ao "limitado mito da autenticidade"
- um ataque localizado em todos os campos da linguagem utilizada em seus
textos.
Assim, em Oriente , Ocidente[1],
livro de contos, Rushdie elimina o exotismo, erotismo e mistério
das mil e uma noites do Oriente e em seu lugar, apresenta um mundo corrupto
e marginal, fanático religiosa e politicamente
.
Neste recorte geográfico e ao mesmo tempo cultural desconstrói-se
através da linguagem o orientalismo imposto pelo Ocidente, já
que:
A relação entre o Ocidente e o Oriente é uma
relação de poder, de dominação, de graus
variados de uma complexa hegemonia,[...]. O Oriente foi orientalizado
não só porque se descobriu que ele era `oriental' em
todos aqueles aspectos considerados como lugares-comuns por um europeu
médio do século XIX, mas também podia ser - isto
é, permitia ser - feito oriental. (SAID : 1996.
p. 16)
Os contos retratam o cotidiano dos indianos no Oriente e no Ocidente.
O autor expõe com clareza os conflitos interiores e étnicos
que a minoria[2] da qual faz parte vive
tanto na Índia quanto na Inglaterra. Notamos na estrutura lingüística
de Oriente , Ocidente a presença do Angrezi, a língua
inglesa transformada pelos indianos residentes na Inglaterra, assim, escrevendo
na língua inglesa, mas não em inglês, Rushdie inova
a linguagem ficcional. Ao reproduzir em seus textos esta forma de expressão
oral, o autor inicia um movimento que desestabiliza o antigo Império
Britânico que impôs ao longo da colonização
o que a língua inglesa deveria ser, na sua essência, o idioma
padrão. Reconhecendo o Angrezi e apresentando os conflitos
vividos pelos seus contemporâneos na Inglaterra, (estes como ele
imigraram para um novo país, estudaram e fincaram raízes)
, Rushdie desafia e destrói a imposição do seu antigo
colonizador de que existe uma maneira correta de ser e falar inglês.
A experiência da imigração fora para Salman Rushdie
crucial, já que enfrentou inquietamente o mimetismo no novo país.
Por um lado sua emigração destaca o seu status de pertencer
a uma minoria, por outro, deu para seus trabalhos uma imediata relação
com a língua da literatura central e fez com que seus livros fossem
lidos sob uma nova perspectiva, com novos questionamentos.
Ao expor os flancos abertos pela colonização em Oriente,
Ocidente, reafirmam-se os argumentos de Edward Said, para este crítico,
o imperialismo criou a literatura inglesa no que ela era, mas o fim do
império trouxe o fim da supremacia dos ingleses. Autores como Rushdie
redefiniram os estudos literários e a literatura inglesa contemporânea,
dando-lhe um novo perfil, uma nova linguagem, a exaltação
da cultura britânica é encerrada com esta nova geração
de autores. Um novo conceito de identidade e nacionalismo formam-se e
reconfiguram a Grã - Bretanha.
Nos contos do e sobre o Oriente, afasta-se o véu
do exotismo que circunda a Índia até hoje, e expõe-se
o triste legado deixado pelo colonizador.
As narrativas desenham várias imagens da Índia onde modernidade
e tradição esbarram-se no cotidiano das personagens. Estas
imagens ao serem interpostas, formam um panorama único da Índia
contemporânea cuja identidade cultural está multifacetada
pelas diferentes culturas que a formam e esfacelada pela colonização
britânica. Servindo-se da língua inglesa, Rushdie apresenta
ao Ocidente a cultura e o discurso do mundo indianio. Este recurso é
utilizado não só por este autor, mas como por muitos intelectuais
orientais[3] que viveram a dualidade cultural
imposta pela colonização. Ao escrever em inglês e
reconhecendo o Angrezi, o autor indo-britânico inverte os
signos e transforma a língua da dominação como meio
de refletir sobre a colonização e os preconceitos que sua
comunidade vive atualmente na Inglaterra.
Oriente, Ocidente apresenta uma visão crítica da
civilização ocidental, discutindo a influência da
Inglaterra na construção do atual perfil da Índia
e dos indianos residentes na Inglaterra. A educação adquirida
no Ocidente, legitima a palavra deste intelectual que critica a malograda
experiência da colonização britânica.
[1] East. West...
London. Granta Books, 1994. Publicado no Brasil pela Companhia das Letras.
Oriente. Ocidente. Trad. Melina R. de Moura. São Paulo:
Cia das Letras, 1995. Este livro é constituído por nove
contos, divididos nas seguintes partes: "Oriente" "Ocidente" "Oriente
& Ocidente". 227 páginas.
[2] Segundo censo de 1991, havia na Grã
- Bretanha : Brancos (irlandeses, italianos, poloneses, espanhóis,
judeus, ingleses, escoceses, galeses, americanos e demais europeus 51,874,000
- Negros Caribenhos - 500,000 - Negros Africanos 212,000 - Indianos -
840,000 - Paquistaneses 477,000 - Chineses 157,000 - Outros Asiáticos
- 198,000 - Outrros ( podem ser incluídos ou não os "Britons
", uma vez que estes preferem ser incluídos como negros).
[3] Citamos, apenas para exemplificar,
Nagib Mahfuz, Tarik Ali, Anita Desai entre outros.
Muna Omran é Doutoranda em
Teoria Literária/Unicamp.
e-mail : marco_zero@uol.com.br
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