Ensaio
baseado em ³,O Homem Nu² visa, principalmente, à análise da nudez no mundo moderno. Dessa maneira, tentamos relacionar o conto de
Sabino às teorias coercitivas da civilização,
desde o Éden até os dias atuais.
Cet
essai, fondé dans ³ L¹Homme Nu², a comme principal but l¹analyse de la nudité
dans le monde moderne. Ansi, nous essayons
de faire des relations entre le conte de Sabino et les théories coercitives de
la civilisation, depuis l¹Eden. jusqu¹à
présent.
Aqui estamos todos nus: a nudez nos irmana, com ou
sem roupa, nossa origem e nosso destino final neste mundo, vem a ser o símbolo
mais expressivo da nossa frágil condição
humana por isso mesmo passível de salvação aos olhos de Deus.
(SABINO, Fernando)
Partindo do conto de Fernando Sabino ³O Homem Nu², o presente estudo objetiva analisar o homem como ser cultural e pretende, assim, discorrer principalmente sobre o corpo e nudez na história da Humanidade. O que caracteriza o conto do escritor mineiro contemporâneo é a presença do nu e a maneira que a personagem central relaciona-se com sua própria nudez e reage frente ao grupo social em que está inserida. Toda a angústia vivida pelo homem de nosso tempo fica evidenciada pelas ações e desatinos do protagonista do conto diante da ³urbis².
A partir da inquietação do homem urbano moderno, frente à nudez firma-se esta pequena análise a que chamaremos Lembranças do Paraíso. O porquê do título: Lembranças do Paraíso remete ao campo do imaginário, à pura confluência do simbólico e do mitológico, uma vez que instiga a memória ancestral e apela para o inconsciente coletivo, levando assim a uma viagem através do processo evolutivo do homem como ser de cultura. Encaminha-nos, desse modo, à nossa gênese, à nossa origem primeira quando habitávamos o Éden e vivíamos em eterna felicidade. Nesse contexto de comunhão completa com a natureza e a divindade, só havia no homem sua primeira pele.
Entretanto algo acontece e rompe com a Ordem, assim o conflito existencial se origina; a transgressão se instaura e, então, o ser humano vive a culpa do ³pecado original². Este fica assim internalizado na memória coletiva da civilização. Essa cultura de repressão e censura será objeto de estudo nessa dissertação. É esta analise, portanto, uma maneira apenas (dentre muitas outras possíveis) de se olhar a questão. Podemos chamar de um início, um ponto de partida para estudos mais profundos.
Isto posto, parece-nos oportuno indicar os caminhos a serem percorridos durante a pesquisa. Convencionamos dividir tal estudo em quatro partes. A primeira, versará sobre a constante luta entre o Bem e o Mal; o princípio do prazer versus o princípio da realidade, o instinto de vida frente à censura imposta pela sociedade; a luta constante entre Eros e Tanatos. Na segunda, analisaremos o corpo em relação à cultura; o corpo como signo; o corpo como texto e templo. Levaremos em conta a existência dos mitos e sua função, a religião através da história. Na terceira parte, discutiremos a nudez humana, essa nudez que esconde mistérios e segredos e que necessita do cobrir-se, que necessita de uma segunda pele: o vestuário. Por último, estudaremos os aspectos da colonização brasileira e levantaremos questões referentes à inocência e nudez dos habitantes do paraíso tropical. Vale ressaltar que a ortografia dos textos históricos foi atualizada, mantendo-se, entretanto, a sintaxe e o vocabulário em sua forma original.
Dessa maneira, tentaremos relacionar o conto de Sabino às teorias coercivas da civilização desde a criação até hoje. Para o presente estudo, servir-nos-emos de teorias psicanalíticas, sociológicas, antropológicas e filosóficas nas quais, o mais das vezes, sustentaremos nossas afirmativas e nossos posicionamentos.
Assim no princípio...
E
ambos estavam nus, o homem e a mulher, e não se envergonhavam. (Gênesis, 2:25)
Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram
que estavam nus; e coseram folhas de figueiras, e fizeram para si aventais. E
ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim (...); e escondeu-se Adão
e sua mulher da presença do Senhor Deus (...).
(Gênesis,
3:7e8)
E fez o Senhor Deus a Adão e sua mulher túnicas de
peles, e os vestiu.
(Gênesis, 3:21)
No elevador, ele tinha para encobrir sua nudez
apenas um embrulho de pão. (SABINO,
Fernando: 1997, capa do livro)
Assim, no princípio, no Éden não havia a censura. Tudo era paradisíaco, ingênuo e feliz. Até que as personagens do Paraíso conheceram a culpa, o ³pecado original² a que daremos o nome de censura. Ao comer o fruto proibido instaurou-se o império da censura, do medo, da vergonha. Esse ³império², na evolução da humanidade, aparecerá de forma variada, dependendo das relações espaçotemporais: ora se firmará de maneira mais incisiva ora mais distendida. E, nesse jogo, estará sempre travada a luta entre o sagrado e o profano.
A consciência da própria nudez dá-se no paraíso por conta da transgressão, da desobediência. Quando Adão e Eva percebem-se nus, têm vergonha e medo do Senhor e tentam esconder-se. Primeiro, como diz a Bíblia, cobrem o ventre com folhas de figueira; isto relatado no livro de Gênesis. Mesmo em diferentes traduções, o uso do termo ³aventais² (trad. João Ferreira Almeida: 1973) e do termo ³cinturas² (trad. versão dos monges Maredsous: 1979) remete ao ventre e à necessidade de cobri-lo. Logo a seguir, no mesmo livro da criação, os habitantes humanos do Paraíso tentam esconder-se, por inteiro, da face do Senhor porque estão envergonhados do que fizeram e também de sua nudez, pois agora adquiriram a consciência/censura do estado de seus corpos. Fala, ainda, o mesmo livro a respeito da atitude de Deus frente à nudez do homem. Com o intuito de encobrir a nudez, o Senhor fez túnicas que cobriram o corpo de Eva e Adão. Assim está instituída, de acordo com a ótica judaíco-cristã, a censura e o uso da vestimenta como necessidade humana, isto é, como preservação dos valores morais da sociedade.
Dessa forma, então poderemos estabelecer um liame entre a atitude de Adão no Paraíso e a atitude de nossa personagem, também nu, no conto de Fernando Sabino: ambos necessitam de esconder-se, tapar ³suas vergonhas². As personagens da Criação usam a folha da figueira, Sabino recria a mesma imagem com o ³embrulho de pão². Simbolicamente, os dois objetos se eqüivalem, uma vez que objetivam a mesma coisa. O embrulho de pão, tal qual a folha de figueira, é objeto-censura e cumprem o mesmo papel coercivo. Assim sendo, os dois são objetos-fruto da censura, esta que internalizamos por conta da civilização. Desde que nascemos, a sociedade nos impõe hábitos e costumes que nos são internalizados por meio da educação.
Assim,
A sociedade faz com que cada um de seus membros
adquira o Super Ego. Por meio da Educação que cada um de nós recebe; vivendo e
aprendendo vamos formar nossa consciência moral. O Super Ego é a sociedade
dentro de nós. (...) Freud deu o nome de introspecção e esse processo psíquico
por meio do qual nosso Super Ego é formado. (...) O Super Ego é a fronteira que
existe em nosso psiquismo. Em toda a fronteira há sempre um posto policial
chamado barreira situado na estrada que liga um país a outro. A barreira que
existe em nosso psiquismo chama-se CENSURA. (ESTEVAM, 1976: 23-27)
E essa censura que internalizamos ao longo da vida é enormemente eficaz. ³cada um desde criança internaliza (...). Aos poucos, o controle efetuado sobre si através de terceiros vai-se convertendo em autocontrole e autovigilância. Deste modo, o eu se transforma em cárcere (...). E cada um carcereiro mais severo de si mesmo.² (RODRIGUES, 1999:168)
Por isso, a nudez incomoda tanto a nossa personagem que se vê nua fora das paredes do lar. Apesar de toda cautela para pegar o embrulho de pão no corredor, foi nosso protagonista surpreendido pelo bater da porta. Neste momento, experimenta sensações diversas como: susto, medo, e mesmo terror. O elemento-surpresa: o bater da porta originou o susto definido aqui por Freud: ³Susto (...) é o nome que damos ao estado em que alguém fica, quando entrou em perigo sem estar preparado para ele, dando-se ênfase ao fator surpresa.² (FREUD, 1998:16)
Assim,
Tomado de pânico olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na
escada se aproximavam e ele sem onde se esconder. (SABINO, 1977: 66 grifo nosso)
É entre tais sensações que a personagem agirá no desenrolar do conto. Seu destino estará permeado pelo inevitável. Ele mesmo criara a trama em que se enredaria. E nesse ³enredar-se² recria a atmosfera mítica e problemática do Paraíso. Esse paraíso-prédio em que se encontra nu e que por isso sente-se ameaçado e tenta de todo modo esconder-se. Da face do Senhor? Da face do Senhor-civilização que dita normas, expulsa e prende nas garras da censura. Nesse contexto, o embrulho do pão assume dimensão simbólica, não só por servir de objeto moralizador que cobre o ventre, também por ser pão-símbolo de potência e fertilidade. Assim: ³uma fita atada à roupa de um homem poderia torná-lo impotente. Mas o pão elaborado com o trigo que teve contato com as partes genitais de uma mulher [mãe terra] poderia ter efeito oposto.² (RODRIGUES, 1999: 46)
O homem nu de Sabino em seu comportamento e atitude frente à sociedade ³Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, poderia ser algum vizinho conhecido...² (SABINO, 1977:67- grifo nosso) antropomorfiza a censura. Este homem despido é a representação concreta da censura que existe nos ³civilizados². O corpo, no conto, está tenso e fala por meio de músculos retesados, de movimentos descompassados, resultado do conflito entre emoção e razão. Fala por meio daquele ³ballet grotesco e mal ensaiado² descrito pelo narrador em terceira pessoa. A imagem que se forma pelo ballet evidencia a força que a sociedade ( algum vizinho conhecido ) exerce sobre seus membros. Dessa maneira, o narrador por detrás tenta passar ao leitor toda a tensão vivida pela personagem e, dessa forma, leva-o à profunda empatia com a protagonista, pois sabe que tal acontecimento é passível de ocorrência consigo mesmo.
Daí, viver em sociedade é viver em fiscalização constante entre as forças do Bem e do Mal, entre o julgamento do certo e do errado, entre vida e morte. Enfim, viver em sociedade é transitar entre o princípio do prazer, força vital de Eros e o domínio de Tanatos, com o princípio da realidade, censura e morte. É por assim dizer, repreender e reprimir os instintos.
No livro Eros e civilização, Herbert Marcuse comenta:
Se Freud justifica a organização repressiva dos
instintos pelo caráter irreconciliável do conflito entre o princípio do prazer
e o princípio da realidade, expressa também o fato histórico de que a
civilização progrediu como dominação organizada. (1999:50) (...) entre o princípio da realidade,
entre sexualidade e civilização, limita a idéia do poder unificador e
gratificador de Eros, acorrentado e corroído numa civilização doente. (1999: 57)
E, na repressão dos instintos vitais, trava-se uma luta entre sexualidade e civilização, visto que a civilização impõe a seus membros atitudes e padrões que considera adequados. Fugir desses padrões é transgredir a ordem geral, a lei e por isso surge a necessidade de castigo: a dor, o medo, a morte. O pecado, então, deve ser punido e como no Paraíso é preciso cercear, expulsar. Nessa punição, vive o homem o sonho do eterno retorno; retorno esse ao Paraíso das Delícias do Jardim do Éden, ou mesmo, ao Olimpo dos gregos.
Corpo e
cultura
Como já dissemos, o comportamento dos humanos está condicionado pela censura, daí a necessidade que o ser humano tem de criar seus mitos. Estes são criados como suporte para o homem fugir de situações que o angustiam. Os mitos servem para equacionar questões existenciais dos seres humanos. Assim
neste espaço. Alguns desses textos são guardados
pelos mitos, outros pelo hábito na incorporação de ações rituais e o homem vai
inscrevendo textos de sua cultura ou cotidianas. A cultura é um dos modos que o
homem encontrou de organizar estes textos; uma forma de legislar a ordem que
emanou do caos primordial; é a maneira elegante de se defender contra uma
possível volta a esse caos primeiro. (CAMPELO, 1997: 39-40)
Os seres humanos têm em seus corpos a marca de sua cultura. O corpo retrata, dessa forma, os hábitos e costumes de determinada sociedade. O corpo humano é um texto de cultura e pode ser ³lido², pois cada gesto, cada expressão corporal irá revelar a história individual, assim como a história da cultura, a história do processo evolutivo humano. O gesto é universal e seu estudo como ³texto cultural é um dos objetos da Semiótica da Cultura. O corpo humano vai ao longo da vida se incorporando em linguagem, pois o corpo fala, opera, aprende, pensa (...) o corpo lembra, tem memória mítica, psíquica, muscular, genético-químico.² (CAMPELO, 1997: 65- grifo nosso). Assim é o corpo-signo.
O ser humano necessita de seus mitos para resolver o problema da efemeridade do corpo. Só o mito poderia ajudar o homem a encarar a mortalidade do corpo biológico.
Qual seria então a função do mito na história do Homem? Assim responde Cleide Riva Campelo em seu livro Cal (e) idoscorpos.
Além efetiva linguagem, o mito cumpre as funções de
guardião da memória e constitui-se numa trilha alternativa para o conhecimento
da história do homem. (...) aponta para a multiplicidade, para as profundezas,
para o terrível desconhecido. (...) São os mitos que ancoram o saber, as
ciências, as crenças religiosas, a ameaça castradora da morte. São os mitos que
religam, continuamente, o homem com o inefável. São eles que lançam as pontes
de volta aos jardins do Paraíso. (...) interconectam, assim, o passado -
presente - futuro apontando soluções para os obstáculos que vão surgindo e
possibilitando, por isso mesmo, o caminhar evolutivo pela Terra. (1997: 43)
Na história da Cultura, são muitas as posições diante do inevitável e do inefável. O homem sonha com a imortalidade, não aceita a perenidade do corpo e, por isso, contorna de várias formas o tom ameaçador da morte. Uns esperam por uma vida além do corpo físico, sonham assim em tornarem-se imortais como os deuses. Vêem a morte como apenas uma passagem para uma outra vida plena de prazeres e paz. Outros pretendem a vida do presente, do agora, pretendem o paraíso terreno e assim desfrutam sua existência presente. Outros, ainda, projetam nos filhos, na geração seguinte, seus anseios e desejos de perpetuação da espécie e da vida e, através de sua descendência sentem-se imortais. Desta forma, o(s) corpo(s) dos filhos realizarão projetos que os pais não puderam realizar. Assim o corpo irá acumulando corpos e formando o corpo do grupo social a que podemos chamar de cultura.
Os mitos cumprem função de realização do homem com o divino. Neste ³religar², têm-se os dois pólos: o sagrado e o profano. Novamente, o conflito entre o Bem e o Mal, entre o certo e o errado. O conceito de certo e errado, todavia, é bastante ³elástico² uma vez que é variável no espaço-temporal.
O homem primitivo vivia em harmonia com a natureza e, desta forma, com o divino. Tal comunhão com o divino significava o poder na idade média:
o celestial e o terreno eram inteiramente próximos.
Havia uma extraordinária e intensa familiaridade entre as coisas sagradas e os
homens (...). havia uma espécie de intimidade entre o terreno e o celestial.
(...) por muitos séculos, o catolicismo foi e seria ainda obrigado a conviver
com o cristianismo meio pagão de uma população para qual Deus era capaz de rir,
de ficar irado e se acalmar. Esse Deus castigava (...) mas (...) era adulável,
não era imune à sedução. (RODRIGUES,
1999: 47)
Já, na atualidade, o homem dessacraliza o Cosmos e, assim, expande o profano. Entretanto o homem contemporâneo, mesmo que negue a religião, está impregnado de religião, posto que carrega de seus antepassados vestígios da religiosidade transportados pela história.
Ainda que possa pretender negar, o homem
a-religioso contemporâneo carrega a religião e a mitologia guardada nas
profundezas de seu inconsciente e na superfície de seu corpo. Estão, portanto,
entranhadas no homem as sementes virtuais para uma reintegração religiosa da
vida, inscrita de maneira profunda em seu corpo. (CAMPELO, 1997: 117)
³O homem é considerado o sacrário de seu espaço-tempo² como diz a pesquisadora Cleide de Riva Campelo (1997: 117) e essa consideração sobre o homem se ³sacrário² pode ser comprovada também, na Bíblia. Nela, o apóstolo Paulo, em sua carta aos cristãos de Corinto, fala metaforicamente do corpo como local sagrado, como a Igreja de Cristo, chama o corpo de morada do Espírito Santo. Assim diz o apóstolo cristão em I Coríntios 6: 18 e 19:
Eis por que eu digo: Fujam do pecado sexual. Nenhum
outro pecado atinge o corpo como este. Quando vocês cometem esse pecado, é
contra seu próprio corpo.
Será que vocês não aprenderam ainda que seu corpo é
a moradia do Espírito Santo que Deus e que Ele vive dentro de vocês?
Assim Corpo e Tempo se interligam visto que, no início do Cristianismo, era o corpo visto como templário e assim assumia dimensão divina de acordo com a ótica cristã. Desta forma era o corpo-igreja. Todavia nem sempre a igreja foi o terreno do sagrado. Quando José Carlos Rodrigues discorre sobre a igreja, na Idade Média, podemos observar que
a igreja medieval era lugar usado para propósitos
mais leigos.
(...) a igreja nem sempre foi o lugar (...) de separação entre o sagrado e o
profano. O mais público dos cenários medievais era a igreja. A maior parte das
festividades ocorria (...) no interior do templo (...) era assim o território
em que se davam as coisas mais profanas (...) o catolicismo medieval ainda se
mostrava em grande medida uma religião pagã (...). (RODRIGUES, 1999: 70)
A religião cristã, desde seu início, sempre condenou o riso. Pôs em evidência somente o sério, o sofrimento em detrimento do prazer e do riso. Na era medieval, entretanto, soube o homem transitar entre o profano e o sagrado. Assim diz Baktin ³o homem da Idade Média era perfeitamente capaz de conciliar a assistência piedosa à missa oficial e a paródia do culto oficial na praça pública². (IBIDEM: 73)
A antiga igreja que condenava o riso recebeu reforço por parte dos reformadores. Tentava assim conter essa energia humana, própria do homem, uma vez que é o único animal que ri. O riso passa então a ser transgressão e não mais expressão de alegria de viver. E, nessa transgressão, o sério funde-se com o cômico carnavalizando o tempo, o espaço e as ações.
No conto de Sabino, o cômico também se dá pela transgressão, dá-se pelo fato de o corpo chamar atenção estando evidenciado o aspecto moral. Tem-se também a luta entre o sagrado e o profano, uma vez que o corpo incomoda o espírito a tal ponto de nossa personagem nua tentar esconder-se, porque a nudez fora das paredes do lar causa escândalo. Todo o conflito vivido pelo protagonista, toda angústia por que ele passa leva-nos a uma forte identificação com a personagem despertando em nós a vontade de salvá-lo, de tirá-lo da situação incômoda em que se encontra. Salvando a nossa personagem, estaremos salvando a nós mesmos já que estamos inseridos num mesmo quadrado cultural, num mesmo destino: o destino dos humanos.
A nudez nos
irmana
Aconselho-te que de mim compres ouro provado no
fogo, para que te enriqueças; e vestidos brancos, para que te vistas, e não
apareça a vergonha de tua nudez. (APOCALIPSE, 3:18)
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a
porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente sem se lembrar do
banho. (SABINO, 1977: 68
grifo nosso)
Nas sociedades repressoras e modernas estar nu é objeto de escândalo, pressupõe ofensa moral e indica zona de perigo. Assim, fazem-se necessários vestuário e adornos corporais que identificarão o homem como um ser de cultura. Portanto:
Revestir o corpo de uma segunda pele (a pele da
cultura) é fator essencial para todas as culturas conhecidas: seja esta segunda
pele em forma de roupas (o mais universal nos dias de hoje), seja em forma de
adornos ou proteção com penas de aves, ossos e peles de animais, resina
colorida de plantas, seja em forma de posturas hierárquicas familiares e
sociais. (CAMPELO, 1997:
84)
O vestuário é um texto hiperlingüístico e o ³embrulho de pão² tem função de signo no grupo social que rejeita a nudez, ora por questões morais, ora porque vê no vestuário-vestimenta proteção para o homem contra as intempéries. Assim, quando o protagonista do conto de Sabino entra em casa, só pensa em vestir-se, pois somente desse jeito encontraria sossego e paz.
A nudez, entretanto, nos irmana, visto que todos nascemos nus, o corpo biológico nos é revelado através da nudez. Isto é comum a todos os seres da espécie. Todavia, a nudez da hora do nascimento é substituída por adereços e vestes que, do nascimento à morte, irão formar a identidade social e cultural do indivíduo e de seu grupo.
Há, ainda, nas sociedades contemporâneas, espaço para determinados tipos de nudez ou quase nudez como: nudez no banho, nas relações sexuais e seminudez nas praias, entretanto mesmo com ³certa permissão² para o despido (ou quase), a nudez nada guarda do natural, pois está sujeita a restrições territoriais e tabus.
A nudez para o homem hoje só existe como lembrança
mítica. É o tempo da pureza do ³antes da queda² na visão dos cristãos, é o
estado anterior ao pecado original. Seu destino é envergonha-se de sua nudez,
de sua realidade primeira, de sua pele muito revelada. (CAMPELO, 1997: 118)
Os povos primitivos sempre representavam suas divindades como seres humanos e assim providos de corpos. Uma vez que esse homem primitivo vivia em comunhão com a natureza, com o natural, estar nu fazia então parte do ser natural. Dentro dessa naturalidade, podemos incluir a nudez dos povos pré-colombianos na América - principalmente no Sul, onde o clima é tropical - e, em contrapartida, mostrar a ótica do chamado mundo civilizado do século XVI.
Sobre o habitante americano, assim relata André Thevel/escritor francês do século XVI em ³As Singularidades da França Antártica² (1557- capítulo XXVII).
Além dos cristãos e depois de Américo Vespúcio o
habitam, esta terra foi e é ainda hoje habitada por gente prodigiosamente
estranha selvagem, sem fé, sem lei, sem religião, sem civilidade nenhuma, que
vive como animais irracionais, do modo como a natureza a fez, comendo raízes, andando
sempre nua (tanto
homens quanto mulheres). (...) convivendo com os cristãos (...) passando a
vestir-se de modo
mais civilizado e
humano. (in OLIVIERI, 1999: 60)
Parece-nos oportuno cortar ou recortar o episódio do descobrimento do Brasil, que se refere aos comentários feitos a respeito dos habitantes da terra, do homem ³natural² que habitava o paraíso de Pindorama-recriação, talvez, do jardim do Éden, do Nirvana e Shangri-lá.
Formas do nu
A aranha passa a vida
tecendo cortinados
com o fio que fia
de seu cuspe privado.
(...)
Que animais prezam o nu
Quanto o burro e o cavalo
(que aliás em Pernambuco
jamais andam descalços).
(...)
O homem é o animal
mais vestido e calçado.
Primeiro, a pano e feltro
se isola do ar abraço.
Depois, a pedra e cal,
de paredes trajado,
se depende do abismo
horizontal do espaço.
Para evitar a terra,
calça nos pés sapatos,
nos sapatos, tapetes,
e nos tapetes, soalhos.
Calça as ruas: e como
não pode todo o mato,
para andar nele estende
passarelas de asfalto.
(MELO NETO, João Cabral de. Antologia Poética:
1979)
Nudez e
colonização
(...) o nosso mundo é fértil, os nativos são
inocentes, o clima é ameno, a vida promete ser longa ... Trata-se da visão
medieval da natureza: a beleza com que se deparam é manifestação divina. Nessa
idealização cada visão de terra é uma lição de Deus e tudo é associado ao Éden,
ao paraíso terrestre.
(CAMPEDELLE, 1999: 202)
Assim, os primeiros habitantes da terra brasilis traduzem visão paradisíaca, tanto no que se refere às riquezas telúricas como no que diz respeito aos habitantes da Terra de Pindorama, pois, nela vive o índio numa atmosfera de inocência e pureza próprias do mundo da natureza. Talvez já uma antecipação da teoria do homem natural na qual se enquadra ³o bom selvagem² de Jean-Jacques Rousseau, em época bem posterior ao descobrimento.
Da forma que veremos, abaixo, Pero Vaz de Caminha escrivão da esquadra de Cabral descreve o índio brasileiro em carta enviada a D. Manoel por ocasião do descobrimento do Brasil em 1500; e o segundo fragmento, quando da realização da 2ª missa em 1º de maio.
A feição deles é serem pardos, quase avermelhados,
de rostos regulares e narizes bem feitos; andam nus sem nenhuma cobertura; nem se importam de cobrir nenhuma
coisa, nem de mostrar suas vergonhas. E sobre isso são tão inocentes, como em
mostrar o rosto. (in CAMPEDELLE, 1999:205
grifo nosso)
Entre todos esses que hoje vieram não veio mais que
uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que
se cobrisse.
Puseram-lho ao redor de si. Porém, ao assentar não fazia grande memória de o
estender bem, para se cobrir. Assim Senhor, a inocencia dessa gente é tal, que
a de Adão não seria maior quanto a vergonha. (in OLIVIERI, 1999: 25)
Sob perspectiva histórica, faz-se oportuno acrescentar relatos de outros cronistas da época. Isso para que tenhamos outras maneiras de ver o habitante de novo mundo, sua nudez e a necessidade da ³cobertura² (segundo a ótica do europeu colonizador). De autoria desconhecida, o relato a seguir reitera a visão de Caminha sobre a nudez:
Estivemos neste lugar cinco ou seis dias; os homens
(...) são braços, e andam nus sem vergonha, têm os cabelos grandes e a barba
pelada; as pálpebras e sobrancelhas são pintadas de branco, negro, azul ou
vermelho; (...) as mulheres igualmente nuas, são bem feitas de corpo e traz os
cabelos cumpridos.
(IBIDEM: 31)
Também a carta do Padre Manoel de Nóbrega, jesuíta vindo ao Brasil por volta de 1550, coloca questões a respeito da nudez dos indígenas.
Parece-nos que não podemos deixar de dar a roupa que trouxemos a estes que querem ser
cristãos, e partindo-lha até ficarmos todos iguais com eles, ao menos por não
escandalizar aos meus irmãos de Coimbra se souberem que por falta de algumas
ceroulas deixa uma alma de ser cristã e conhecer seu Criador (...). (IBIDEM: 49)
O que incomodava Nóbrega não era a nudez do indígena. O que o incomodava era o Cristianismo vivido de modo pouco digno por alguns portugueses, e que não servia de bom exemplo ao nativo. As cartas de Nóbrega contradizem o que fora dito anteriormente em relato de André Thevel. Este julgava ser o indígena americano ³sem lei, nem religião², entretanto o homem americano, o habitante de Pindorama, trazia embutido em sua alma o processo da evolução humana, tendo seus mitos, suas crenças, sua ligação com o divino. Nas cartas do jesuíta, encontramos um ³vasto material sobre as crenças indígenas, as tradições que se referem ao dilúvio [e no que se refere ao dilúvio podemos abrir um parêntese sobre o fato de Cam descobrir a nudez do pai Noé enquanto este, bêbado, dormia e que, por isso recebeu castigo; isto segundo o livro de Gênesis 9:21-25], à fé na existência de um ser superior. (HISTÓRIA DO BRASIL, 1972: 36I)
Desse modo, vemos que o indígena tinha sua cultura. Seus valores morais não estavam voltados para o fato de estar nu ou não. A nudez não significava ausência de moralidade, não implicava pecado. Havia entre eles um código de ³bons costumes², uma vez que viviam em comunidades, daí
Apesar das inúmeras diferenças (...) certas normas
segundo alguns cronistas eram gerais. Nas relações sexuais, três graus de
parentesco eram rigorosamente respeitados: a mãe, a irmã e a filha; outra
proibição atingia o amigo íntimo ou quem repartisse a cabana e fosse
considerado parente ou compadre, que não podia casar-se com pessoa alguma da
oca. No que se refere ao amor, quando um indígena se apaixona, devia
entender-se com o pai da moça.
(HISTÓRIA DO BRASIL,
1972:42 volume I)
Os relatos históricos evidenciam os aspectos da nudez e a necessidade do ³vestir-se² imposta pela civilização. São textos de literatura informativa datados do início do processo da colonização do Brasil. Esses textos do século XVI ³não admitem metáforas (...). Entretanto, o caráter narrativo da maioria das obras e a capacidade imaginativa (...).contribuem para fazê-los superar o caráter utilitário [além] preocupações estilísticas semelhantes aos prosadores portugueses do mesmo período². (OLIVIERI, 1999: 8)
Perguntas, entretanto, ficam a nos instigar, levam-nos a refletir: como seria o relato do descobrimento segundo a ótica indígena? Qual teria sido a reação dos indígenas ao depararem-se com os homens estranhos de estranhas vestimentas? Seriam deuses esses desconhecidos de chapéus e botas bizarras? É muito provável que a visão da chegada daqueles homens portugueses tenham causado estranhamento. Dentro da literatura encontramos, na ficção romântica, Iracema que fala sobre esse estranho homem português:
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no
horizonte nasceu Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais
negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. (...) um
dia, ao pino do sol, ela repousava num claro da floresta. Rumor suspeito quebra
a doce harmonia da sesta. (...) Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro
estranho, se é
guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das
areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos
ignotos cobrem-lhe o corpo. (ALENCAR, 1973: 13 a 17- grifo nosso)
A questão da nudez e da necessidade do vestir-se é tratada pela Literatura Brasileira de maneira bastante significativa. No Modernismo, é possível observar que alguns autores recriam a cena do ³achamento² do Brasil de forma parodística. Assim vemos no poema do poeta mineiro Murilo Mendes:
1500
A imaginação do Senhor.
Flutua
sobre a baía.
As
pitangas e os cajus
Descansam
o dia inteiro,
O
céu, de manhã à tarde,
Faz
pinturas de baú.
O
Pão de Açúcar sonhou
Que
um carro saiu da Urca
Transportando
com amor
meninas
muito dengosas,
Umas,
nuinhas da silva,
Outras,
vestidas de tanga,
E
mais outras, de maillot.
(MENDES,
1994 :143-144)
Autores como Oswald de Andrade, Darci Ribeiro e outros se preocupavam com a identidade cultural do Brasil. Alguns de seus textos tratam a nudez do habitante da terra do pau-brasil com humor inteligente traduzido em jogos de palavras e sutilezas irônicas. E na paródia de Oswald de Andrade temos a recriação de partes da carta de Caminha, conferindo-lhe forma poética.
Meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas eram tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito olharmos
Não tínhamos nenhuma ³vergonha².
(in
SCHWARTZ, 1980:13)
O poeta modernista Oswald de Andrade objetiva o resgate da pureza e inocência dos nativos, uma vez que estes foram alvo de exploração econômica, de proselitismo religioso e do abuso sexual trazido para as aldeias pelos portugueses ³civilizados². Nossos escritores modernistas muito criticamente observaram o jeito colonizador preconceituoso e rígido dos invasores europeus, que em nome de valores religiosos e morais viam no nu, na nudez dos habitantes americanos algo de pecaminoso. E mesmo diante dos depoimentos dos cronistas da época, não puderam aceitar a ³inocência do natural², passando então ao processo de catequese, censura e repressão, fazendo que os nativos assimilassem os valores morais ocidentais, dos europeus descobridores. Através de alguns textos parodísticos muitos falaram dessa repressão, que muitos se insurgiram, que vozes se entrelaçaram e recriaram, e que representaram verdadeiros cortes no sentido original nos relatos históricos. Essas vozes de Murilo Mendes, Oswald de Andrade, Darci Ribeiro e outros se entrelaçam e denunciam a contradição entre a inocência e o pecado; entre o natural e o cultural. E, dentro desse jogo, tem-se a paródia:
a paródia tem a função catártica, funciona como
contraponto com os momentos de muita dramaticidade. (...) o que o texto
parodístico faz é exatamente uma reapresentação daquilo que havia sido recalcado. Uma nova e diferente maneira de ler o
convencional. É um processo de libertação do discurso. É uma tomada de
consciência crítica. (SANTANA, 2000:31
grifo nosso)
Sobre a diversidade racial brasileira e ainda parodiando a carta-relato do descobrimento, assim escreve Darci Ribeiro sobre a miscigenação, comportamento e sexualidade na ³Segunda Carta de Pero Vaz de Caminha, a El Rei, escrita da novel Cidade de Brasília, com a data de 21 de abril de 1960.²
Mas ofício de escrivão é tratar do que se vê (...).
Portanto do que hei de falar começo e digo: por entre as gentes vejo uns
quantos trigueiros que certamente têm os mais dos seus avós enterrados em
África (...). Sobretudo a elas. (...) Andam lânguidas como se bailassem (...).
Creio mesmo que o feito maior da gente lusitana foi essa misturação de sangues.
(...) Só elas, na verdade, perdoam se haver gastado aquela indiada louçã. Agora
todas se cobrem de telas,
mas com tal arte e malícia que mais despidas parecem. E se alguma cousa perderam da inocência com que d¹antes se mostravam com as vergonhas tão nuas, muito ganharam na desenvoltura e na
graça que usam, agora, para, embucando-as, mais à revelar. (in Senhor nº 4 RJ ed. Senhor: 1960
grifo nosso)
O antropólogo desvincula aqui o nu na direção da sexualidade, do erotismo, pelo contrário relaciona erotismo, sexualidade à roupa que cobre e seduz apenas pela insinuação.
No Brasil, a partir dos anos 60, a nudez perde o ar natural e invade o universo da mídia, vira espetáculo carnavalesco e invade a sala de visitas através da TV. É então a nudez a substituta da máscara: é o vestir da máscara da sensualidade, do erotismo. Assim diz Cleide Campelo
a nudez perde o elemento ³natural² (...) e erótico,
que a originou, e passa a ter a moldura da família e da visão doméstica; aí, os
contornos do ³lar² passam a redefinir a nudez e digerem a sensualidade,
aprisionando-as numa visão moralista do corpo, na divisão. Bem versus Mal, e nessa catarse o erotismo não se
libera, mas se enrijece, dentro das couraças corporais do homem em seu
cotidiano. (...) Este no contemporâneo é a síntese de muitas roupas
fantasias, de muitos desejos inconscientes.( 1997:87)
O homem urbano brasileiro de hoje ainda questiona a fragilidade de sua identidade cultural em formação, pois é ele mistura do índio pleno de liberdade corporal com senhor do engenho autoritário e injusto; do negro sorridente que canta e dança aos orixás, e do italiano anárquico que ousa e prega a utopia do retorno ao caos na terra do paraíso Brasil. Esse homem traz, em seu corpo, a herança da tradição judáico-cristã-grega somada às diversas influências sofridas ao longo de sua história. ³Afinal, se todos estão nus, a pele que os recobre é a pluralidade cultural com que foram moldados². (CAMPELO, 1997: 96)
Nesse jogo de tensões diante da cultura e civilização insere-se a personagem central do conto de Fernando Sabino. É esse homem nu brasileiro-contemporâneo o protagonista, que vive um verdadeiro pesadelo, que por força do inevitável, vê-se em situação extremamente difícil somente por estar despojado de sua segunda pele e que, por isso, fica à mercê do julgamento próprio e dos outros. O outro é instrumento da censura, da coerção da civilização: o outro é simbolicamente a censura que internalizamos com a evolução e que nos escraviza. Dessa maneira, no conto
Ouviu
que a porta se abria atrás de si.Voltou-se acuado, apoiando o traseiro no batente e
tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão.
-Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu (...) para chamar a radiopatrulha (...)
-Tem um homem pelado aqui na porta!
-É um tarado!
-Olha, que horror!
-Não, não olha não! Já pra dentro minha filha!
(SABINO, 1977: 67 e 68 grifo nosso)
o caráter da personagem central é avaliado a partir de sua aparência, a partir da ausência do vestuário e, nesse aspecto, assume um papel duplo. Nesse jogo de contrastes, de dualidade temos o amoral versus o imoral;o natural versus o cultural. E, pendendo entre esses pilares, vive o homem civilizado que busca sua justa medida e que ainda sonha com a paz e tranqüilidade do paraíso perdido.
Considerações
finais
É pondo em evidência a nudez do homem urbano do século XX que o escritor mineiro contemporâneo Fernando Sabino faz-nos refletir sobre a condição humana e os elementos repressores da cultura. Por meio do conto, pudemos perceber toda a agonia do ser humano quando despido da pele da civilização: agonia do natural, agonia sim, porque o natural deixou de ser normal, deixou de ser comum para tornar-se obsceno. Tal angustia é que produz a identificação escritor/leitor na obra literária. Todos estamos nus e isso reside nossa interseção maior, e estamos assim todos irmanados passando pelo mesmo processo evolutivo do mundo. O nosso destino foi, é e será o destino dos homens que nasceram nus, mas que por imposições do viver social foram ³expulsos do paraíso², perdendo a ingenuidade, experimentando a ciência do Bem e do Mal e que, também, por isso, condenados à culpa eterna. E nesse caminhar estamos nós, homens e mulheres: frutos da civilização.
Referências
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Norma de Siqueira Freitas: mestranda do curso de Letras: Literatura Brasileira do Centro de Estudo Superior de Juiz de Fora- CES/JF-MG.2001-2002 Especialista em Língua Portuguesa pela FFSt.ª Dorothéa (Nova Friburgo) RJ. 1986. Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela FESO (Teresópolis) RJ. 1996.
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