ode ao e-mail

 

Raquel Illescas Bueno

 

e-mail é carta de quem brinca de esconder

quer ver o escaninho vazio, mas tem o coração cheio

 

às vezes se manda pra longe, às vezes pra muito perto

serve pra mandar embora

pra desejar boa viagem e pra trazer boas-vindas

e-mail mata saudades mais rápido que outro correio

existe pra quem tem pressa de saber se o outro é

ou queria sê-lo; se o outro veio

ou viria vê-lo,

sentir, falar, ouvir logo uma resposta


às vezes - inevitável ? - e-mail é posta-restante,

só acontece quando a gente se esquece de abrir a caixa

quando a gente não se liga em se corresponder

quando a gente não se liga em se abrir

quando a gente não se liga


e-mail não tem carteiro nem latido de cachorro nem campainha

pra avisar sua chegada

e-mail é discreto

tanto que nunca sabemos de segredos violados ou de senhas reveladas

tantos e tantas...

instruções de uso:

"a discrição do e-mail não garante o sigilo da mensagem"


e-mail não garante nada

não quer ser fidúcia nem hipoteca de comunicação continuada

e-mail não quer ser contrato nem gerar direitos

e-mail é apenas mais um meio, "media"

(mass?)


pra que seja coletivo, basta clicar mais destinos

é como espalhar filipetas por todo o bairro

anunciando o sabor novo

da pizza - delícia - que queremos compartir

"delivery!", o entregador já na porta

nas noites frias de inverno


(lê-se acompanhado de um bom vinho

como merecem os encontros e reencontros prazerosos)

 

nessas noites a gente fala e fala sem ter nada pra dizer

igualzinho quando a gente escreve e-mail

 

porque e-mail é como beijo: não precisa de assunto

ele é meio vagabundo: erra, erra, e chega junto

 

 


Raquel Illescas Bueno é professora de Literatura Brasileira e Teoria da Literatura na Universidade Federal do Paraná.
e-mail: raquel@coruja.humanas.ufpr.br


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