ode ao e-mail
e-mail é carta de quem brinca de esconder
quer ver o escaninho vazio, mas tem o coração cheio
às vezes se manda pra longe, às vezes pra muito perto
serve pra mandar embora
pra desejar boa viagem e pra trazer boas-vindas
e-mail mata saudades mais rápido que outro correio
existe pra quem tem pressa de saber se o outro é
ou queria sê-lo; se o outro veio
ou viria vê-lo,
sentir, falar, ouvir logo uma resposta
às vezes - inevitável ? - e-mail é posta-restante,
só acontece quando a gente se esquece de abrir a caixa
quando a gente não se liga em se corresponder
quando a gente não se liga em se abrir
quando a gente não se liga
e-mail não tem carteiro nem latido de cachorro nem campainha
pra avisar sua chegada
e-mail é discreto
tanto que nunca sabemos de segredos violados ou de senhas reveladas
tantos e tantas...
instruções de uso:
"a discrição do e-mail não garante o sigilo da mensagem"
e-mail não garante nada
não quer ser fidúcia nem hipoteca de comunicação continuada
e-mail não quer ser contrato nem gerar direitos
e-mail é apenas mais um meio, "media"
(mass?)
pra que seja coletivo, basta clicar mais destinos
é como espalhar filipetas por todo o bairro
anunciando o sabor novo
da pizza - delícia - que queremos compartir
"delivery!", o entregador já na porta
nas noites frias de inverno
(lê-se acompanhado de um bom vinho
como merecem os encontros e reencontros prazerosos)
nessas noites a gente fala e fala sem ter nada pra dizer
igualzinho quando a gente escreve e-mail
porque e-mail é como beijo: não precisa de assunto
ele é meio vagabundo: erra, erra, e chega junto
Raquel
Illescas Bueno é professora de Literatura Brasileira e
Teoria da Literatura na Universidade Federal do Paraná.
e-mail:
raquel@coruja.humanas.ufpr.br