A
Era Vargas, em três volumes, trata de acontecimentos que
cobrem mais de setenta anos de História do Brasil - da fundação
do Partido Republicano no Rio Grande do Sul, em 1882, à morte
de Getúlio Vargas, em 1954. O trabalho monumental de Hélio
Silva, 0 Ciclo de Vargas, publicado a partir dos anos de 1960,
chegou a 15 volumes, embora cobrindo período menor, de 1922 a
1954.
Este primeiro volume começa pelos antecedentes da Era
Vargas e por todo o debate da campanha presidencial de 1929-1930, com
três capítulos sobre a questão social, que era negada
por Washington Luís e foi um dos pontos principais da plataforma
de Getúlio Vargas.
Ao reconstituir, em seguida, as primeiras decisões do primeiro
governo Vargas (1930-1945), como a criação dos Ministérios
do Trabalho e da Educação, José Augusto Ribeiro
sustenta que Getúlio, com isso, retomava as propostas sociais
de José Bonifácio na fundação do Brasil
independente. Ao discutir, em seguida, a legislação trabalhista
do presidente Vargas, o autor contesta a alegação de que
essas leis seriam de inspiração fascista e copiadas da
Carta del Lavoro, de Mussolini.
Os capítulos seguintes tratam da política econômica
do primeiro governo Vargas, já em busca de soluções
nacionalistas para a questão dos minérios, da siderurgia
e do petróleo, e dos avanços democráticos da Revolução
de 30 (como o voto da mulher, o voto secreto e a instituição
da Justiça Eleitoral).
Neste volume consta, ainda, a controvérsia sobre o golpe de 1937,
sobre a política econômica nacionalista do Estado Novo
e sobre o verdadeiro papel do Brasil diante de Hitler e da Segunda Guerra
Mundial, sempre contra Hitler (já em 1938 o presidente Vargas
expulsou o embaixador da Alemanha, Karl von Ritter).
Os capítulos finais tratam do desmonte do Estado Novo pelo próprio
presidente Vargas, do movimento queremista e da fundação
do PTB, da proposta de Getúlio de deixar o governo antes mesmo
da eleição de um novo presidente (proposta que seus adversários
escamoteiam ainda hoje), da queda de Getúlio em outubro de 1945
e das eleições de dezembro daquele ano, quando umas poucas
palavras dele elegeram o general Eurico Gaspar Dutra para a Presidência
da República.
O segundo volume de A Era Vargas cobre o período
que vai do lançamento da candidatura de Getúlio Vargas
à Presidência da República, em abril de 1950, às
vésperas da crise política de agosto de 1954, que determinaria
o fim de seu segundo governo e de sua vida.
São quatro anos, ao longo dos quais acompanharemos inicialmente
as resistências de Getúlio Vargas à própria
candidatura e seus discursos na campanha eleitoral, nos quais ele antecipa,
com absoluta franqueza, o que fará se for eleito -- solução
nacionalista para o problema do petróleo, aumento do salário
mínimo, extensão das leis trabalhistas ao homem do campo
e até a reforma agrária.
Os capítulos seguintes reconstituem os acontecimentos do segundo
governo Vargas, empossado a 31 de janeiro de 1951, e as pressões
internas e externas que sofreu -- exigência norte-americana de
tropas para a Guerra da Coréia, recusada por Getúlio,
a suspensão de linhas de crédito internacionais, as reações
ao controle da remessa de lucros por empresas estrangeiras, as resistências
ao projeto da Petrobrás e a retenção.
Em 1953, o presidente muda seu ministério e as pressões
aumentam, especialmente depois de o ministro da Fazenda Oswaldo Aranha
estabelecer controle sobre o dólar e outras moedas estrangeiras,
para favorecer as exportações, dificultar a importação
de artigos supérfluos e aliviar o estrangulamento cambial sobre
a economia brasileira. Naquele ano, o principal partido de oposição,
a UDN, União Democrática Nacional, passa a ser dominado
pelo mais irredutível dos adversários do presidente Vargas,
Carlos Lacerda, e opta claramente pela linha de ação golpista
contra o governo.
Em 1954, com a instalação da Petrobrás e a proposta
de criação da Eletrobrás, a conspiração
acelera-se. 0 ministro do Trabalho João Goulart é acusado
num manifesto de coronéis envolvidos na conspiração
e afasta-se do governo. A oposição tenta afastar o presidente
pelo impeachment, rejeitado por grande maioria na Câmara
dos Deputados. Getúlio, pouco antes, decretara um aumento de
100% no salário mínimo, impugnado no Supremo Tribunal
Federal por sindicatos de empregadores. 0 governo tenta iniciar um programa
de desenvolvimento de energia atômica para fins pacíficos
e os equipamentos de pesquisa que compra na Alemanha são apreendidos
pela polícia militar inglesa no porto de Hamburgo, a pedido do
governo dos Estados Unidos, no momento de seu embarque para o Brasil.
Em julho, o Supremo Tribunal Federal confirmaria a constitucionalidade
do aumento do salário mínimo. Foi a última vitória
de Getúlio. Pouco depois, um atentado contra Carlos Lacerda,
no qual morreu a tiros o major da Aeronáutica Rubens Florentino
Vaz, precipitou a crise de agosto de 1954 e a morte do presidente -
temas do terceiro volume deste livro.
O terceiro volume de A Era Vargas é inteiramente
dedicado aos acontecimentos desencadeados pelo chamado atentado de Toneleros,
na madrugada do dia 5 de agosto de 1954, até a morte de Getúlio
Vargas, na manhã do dia 24.
O próprio suicídio do presidente é ainda hoje apresentado
como uma alternativa de fuga ou como uma reação de culpa
e vergonha, quando na verdade foi uma escolha meditada, madura e de
extrema coragem de um homem que decidiu poupar seus concidadãos
de uma guerra civil inevitável se permanecesse no governo, resistindo
ao golpe para depô-lo.
A decisão de Getúlio Vargas, de sacrificar a própria
vida naquelas circunstâncias, foi também um ato de extraordinária
inteligência política, que impediu a destruição
da Petrobrás; e de outras de suas maiores realizações,
garantiu a realização de planos seus ainda em debate no
Congresso, como a Eletrobrás, e evitou o cancelamento da eleição
presidencial de 1955, que levaria à Presidência Juscelino
Kubitschek.
José Augusto Ribeiro discute -- talvez apaixonadamente -- os
fatos daqueles vinte dias trágicos, as versões dadas a
eles e, sobretudo, o contraste entre o comportamento de um presidente
acuado e pressionado e o de seus adversários e inimigos, cegos
pela obsessão de destruí-lo.
Ainda que não tivesse ocorrido o atentado contra Carlos Lacerda,
a conspiração para depor Getúlio Vargas estava
em andamento -- e disso há depoimentos abundantes e públicos,
como o do general Juarez Távora, um dos líderes militares
da conspiração, nem sempre lembrados. 0 presidente percebeu
que o atentado contra seu mais violento inimigo era também um
atentado contra ele, e fez tanta questão de promover a apuração
de todos os fatos que ordenou manter preso, ilegalmente, no Palácio
do Catete, o chefe da guarda pessoal, Gregório Fortunato, suspeito
desde os primeiros momentos. Contra a opinião de seus conselheiros
mais confiáveis, Getúlio permitiu que patrulhas da Aeronáutica
vasculhassem o próprio Palácio, em busca de documentos
íncriminadores, e não pediu ao Congresso a decretação
do estado de sítio, mesmo quando a sublevação militar
era pública e ostensiva. Apesar de tudo isso, foi acusado, mesmo
depois de morto, de ter dado abrigo no palácio presidencial ao
chefe dos assassinos.
As investigações policiais sobre o atentado de Toneleros
estavam praticamente concluídas e já tinham sido presos
todos os criminosos menos um, quando a crise política recrudesceu
artificialmente, com assembléias dos clubes militares, instigadas
também por líderes civis da oposição, exigindo
a renúncia do presidente. Ele admitiu inclusive licenciar-se
até a apuração final das responsabilidades, mas
percebeu imediatamente que o preço de sua permanência rio
governo ou de seu retorno seria a guerra civil. E compreendeu que chegara
a hora de pôr em prática a alternativa que evitaria o derramamento
de outro sangue além do seu, garantiria a obra de seus dois governos
e as eleições que os golpistas queriam cancelar, e resguardaria
sua honra pessoal contra o desvario de adversários que queriam
vê-lo, como chegou a dizer Lacerda, apodrecer numa prisão.
É como se fosse um romance. Mas Um romance sem ficção,
de episódios que de fato aconteceram.
José Augusto
Ribeiro é
jornalista profissional desde 1956, quando tinha 18 anos. Daquele ano
até 1963, trabalhou em 0 Estado do Paraná, de
Curitiba. No Rio, em seguida, e em São Paulo, passou, como costumava
acontecer na época, por muitas redações: Diário
Carioca , 0 Cruzeiro, Folha de S. Paulo, Manchete, Jornal do Brasil,
Última Hora, Fatos e Fotos, Correio da Manhã, 0 Globo,
TV-Globo, TV-Bandeirantes.
Em rápidos intervalos, trabalhou no governo do presidente João
Goulart com o ministro do Trabalho Amaury Silva, na Comissão
Nacional de Sindicalização Rural (1963-1964); como assessor
de imprensa, na campanha do presidente Tancredo Neves, quando candidato
a Presidente da República (1984-1985); e, na mesma função
de assessor de imprensa, na campanha eleitoral de Leonel Brizola à
Presidência, em 1994.
Publicou De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições
do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição
(1988); e Curitíba, a Revolução Ecológica
(1993). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto
24, sobre a morte do presidente Vargas.
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