A filologia e a crítica genética a serviço

da interpretação do texto editado

 

Philippe Willemart

Universidade de São Paulo


Resumo:

Após ter mostrado que a filologia e a crítica genética não são dependentes uma da outra, mas são meios de abordagens diferentes do manuscrito e que sua distinção essencial decorre de sua origem histórica, insisto no objetivo de toda leitura qualquer que seja, a interpretação do texto editado ou não.

 

Résumé:

Après avoir montré que la philologie et la critique génétique ne sont pas dépendantes l'une de l'autre, mais sont des moyens d'approches différents du manuscrit et que leur distinction essentielle tient à leur origine, à savoir, le siècle et les valeurs dont elles sont issues, j'insiste sur le but de toute lecture quelle qu'elle soit, l'interprétation du texte édité ou non.


 

 

No ano passado, lendo várias teses e ouvindo numerosas comunicações que tratavam do manuscrito literário [1], pude me dar conta de que o velho debate entre a filologia e a crítica genética, iniciado no Brasil em 1985 no primeiro congresso dos estudos de gênese na Universidade de São Paulo[2], não terminou e necessita de mais esclarecimentos para definir melhor a nossa posição.

Enquanto o Prof. Tavani, seguidor da italianística, dizia em Salvador que "a crítica genética está a serviço da filologia", um outro filólogo, Marcelo Moreira, propunha uma nova visão da edição crítica no último número de Manuscrítica [3].

Neste artigo, não vou retomar o texto excelente de Sílvio Elia [4] que situa Lachman, Bédier e a crítica genética a partir de Cerquiglini[5], mas pretendo levantar algumas divergências entre as duas disciplinas, amenizar certas dificuldades e propiciar um terreno mútuo de entendimento.

O vocabulário usado em algumas teses ou comunicações, - o estema, a variante, o ânimo autoral -, reflete certamente uma preocupação histórica e um desejo louvável de não perder a tradição, mas ao mesmo tempo um certo receio de criar outros conceitos ou adotar aqueles usados em crítica genética. Assistimos estão a uma espécie de valsa entre a atitude filológica e a posição genética que embaralha as cartas e perturba os leitores e os editores.

Curiosamente, alguns admiradores de Louis Hay, - o fundador e renovador desta abordagem dos textos literários na França -, não diferenciavam ainda as duas disciplinas em 1985 e falavam de "rejuvenescimento mais sedutor (dos estudos literários)" lembrando que "o que se faz de melhor em matéria de crítica genética decorre ainda da rude disciplina da filologia"[6]. Esta afirmação é sintomática porque situa muitos trabalhos, não só no cruzamento das duas disciplinas, mas na dependência uma da outra. A crítica genética estaria subordinada à filologia, o que confirma a opinião do ilustre professor da Universidade de Roma.

Entretanto, talvez a posição e a hesitação de Mitterand fiquem mais claras se continuarmos a leitura do mesmo texto : "Não podemos teorizar ao infinito o vestígio e a variante. Chega o momento em que precisamos editar e explicitar um texto, lido em sua individualidade e sua historicidade /.../ Mas não é menos verdade que se a crítica genética não pôde rasurar radicalmente a lição e as exigências da filologia positiva ou positivista, ela precisou de uma problemática e uma metodologia radicalmente outra. Desse modo, ela integrou noções surpreendentes para os editores de outrora, colhidas de outros campos: a estrutura, o processo, a correlação, a hierarquia, a inclusão, a transformação [7]"

Mitterand não só qualifica a filologia como fonte da genética, mas como modelo para a edição crítica. Se eu concordo inteiramente com a relação histórica de precedência entre as duas abordagens do manuscrito - , discordo em parte da segunda.

Lembramos com Stengers que "todas as vezes que uma nova força da matéria é inventada e que nasce um novo tipo de interação, novas propriedades da humanidade e da materialidade se formam /.../ o ato de nascimento de uma ciência corresponde a uma mudança de hierarquia entre as ciências, à entrada em cena de uma nova natureza, de um novo livro[8]."

Não pretendo que a crítica genética posterior à filologia use-a como uma ciência auxiliar, revertendo o argumento de Tavani, mas sustento sim que uma nasceu num contexto totalmente diferente da outra, o que gera as diferenças e as aparentes contradições. A abordagem não depende tanto "da realidade histórica dos textos[9]" estudados, mas da realidade histórica da disciplina. A crítica genética tanto quanto a filologia estudam textos da Idade Média ou do século XX, mas os resultados não terão o mesmo teor nem o mesmo sabor. Reenvio ao texto fundamental do medievista Cerquiglini, já citado. A filologia surgiu no século passado em pleno positivismo, século do desenvolvimento da energia a vapor, de uma epistemologia da ordem e da estabilidade e de uma concepção unitário do homem. A crítica genética emergiu nos anos sessenta de uma "visão estrutural, de conjunto e generativa das ciências da linguagem[10]", no século da instabilidade, da descoberta do espaço, das rupturas e da psicanálise. Uma lida com a variante, o texto original, o desvio ou o erro, a outra com lições, textos múltiplos e pluralidade cultural. Uma segue o modelo rígido lachmaniana ou o mais flexível de Bédier no estabelecimento dos textos, a outra, procurando seu modelo, defende os rascunhos, o prototexto, o uso do hipertexto, as sinopses e os textos integrais. Uma comenta as mudanças singulares, as variantes, a outra investiga os processos de criação. E assim poderíamos continuar ...

As duas disciplinas não são permutáveis e uma não pode nem auxiliar nem depender da outra. No entanto, encontramos teses nas quais as noções não muito claras geram análises ambíguas que podem confundir alunos e pesquisadores não avisados.

Utilizando, por exemplo, as quatro operações lingüísticas comuns encontradas nos rascunhos e que motivam a rasura - o acréscimo, a supressão, a substituição e o deslocamento - , o pesquisador trabalha como se essas operações fossem variantes, analisa e opera os textos como se isso tivesse conseqüências apenas ao nível da frase tentando achar a intenção do escritor que motivou a mudança. São portanto quatro os signos indicadores de uma linha filológica: a visão parcelada, a variante, a frase e a intenção do escritor. Outros, querendo conciliar os dois campos, acomodam os conceitos da edótica, por exemplo o estema, para entender as várias versões de um texto. Karl Maurer, retomando a expressão de Stephen Nichols, fala de "nova filologia", curiosa das manifestações da "variance essencial" (Cerquiglini) dos textos /.../ de um leitor que procuraria no texto das obras "os vestígios do movimento"[11].

Insisto. A realidade estudada - o manuscrito de qualquer época - é a mesma, mas da mesma maneira que a abordagem newtoniana do universo é profundamente diferente da abordagem einsteiniana ou prigoginiana, não podemos confundir, nem misturar a filologia com a crítica genética. Sei que filólogos brasileiros viam na APML uma possibilidade de renovação da filologia no Brasil e que muitos membros da Associação com boa formação filológica tem dificuldade em entender os estudos de gênese. Sei que passar de um enfoque para um outro exige a revisão e um remanejamento de conceitos e que esta mudança requer leituras, estudos e pesquisas. Os artigos de Cesare Segre comparando a crítica genética de origem francesa à filologia de cunho italiano, bem anterior à crítica lachmaniana ou bedierana, e de Bernard Cerquiglini em Gênesis 7/95, esclarecem em parte as posições de cada disciplina.

O que fazer então? Se o estilo é elaboração, construção ou "elaboração do código[12]", o crítico não pode dividir e analisar o texto ou o manuscrito, parte por parte sem visão de conjunto e referindo-se cada vez à intenção do escritor. Constituído de partes que se relacionam uma à outra, qualquer que seja seu lugar na estrutura, o código é um sistema independente de quem o elabora e que, pelo contrário, fica autônomo, uma vez terminado. Não estou defendendo o estruturalismo, mas tento integrar a estrutura aos estudos de gênese, sabendo que a estrutura determinante do texto existe somente no texto publicado e que percorrendo as várias versões, podemos detectar a sua elaboração.

Como? Não limitar o olhar nem à palavra nem à frase, como fazem habitualmente os lingüistas. Analisar o parágrafo, a página, o capítulo, a versão, e, seguindo o conselho de Riffaterre procurar a literalidade no prototexto, isto é, os paradigmas ou invariantes que aos poucos vão constituir o texto publicado e, assim, delinear a lógica do texto [13]. Mitterand não dizia outra coisa em 1994 quando, seguindo Kristeva [14], falava do abandono da procura das fontes para a procura do intertexto no manuscrito [15]. No decorrer das campanhas de redação, as fontes, definidas como o que teria motivado o romance ou a poesia, distanciam-se cada vez mais do rascunho e são substituídas pelos Terceiros que a cada rasura intervém e dialogam com o texto já escrito.

Neste sentido, a noção de autor entendida como o escritor em sua relação com a escritura tem que ser discernida. Não indo além da instância do escritor, pessoa que admiramos e estimamos por suas qualidades humanas e intelectuais, caímos numa espécie de hagiografia que força o crítico e o editor a procurarem o único texto original já que eles não admitem a multiplicidade dos textos senão como cópias.

Se, pelo contrário, defendemos a noção de autor, diferente do escritor, os resultados serão outros. Lendo, por exemplo, os manuscritos 1, 2, 3 e 4, distinguiremos quatro autores que, embora tendo o mesmo nome, não recobrem a mesma realidade e são metaforicamente facetas do autor que assina, mas se eqüivalem em sua produção. Da mesma forma que a dimensão de tempo integra as descobertas científicas e assinala a imperfectibilidade dos fenômenos, da mesma forma, admitimos a multiplicidade dos autores no mesmo escritor e o fator tempo na criação literária.

Utilizar apenas o conceito de "escritor", faz acreditar que temos um ser humano trabalhando, sujeito ou dono de sua escritura, expressando o que sente, e leva o crítico à procura da intenção do escritor. Diferenciar as partes permite ver um ser falante, trabalhado pela linguagem e seu inconsciente, pela a tradição literária e o público que nele concentra seus anseios. O estudioso da gênese, sem negar a busca justa do estilo, verá no conjunto das rasuras, a procura de uma outra lógica que subentende tanto a frase quanto o parágrafo ou o capítulo.

No artigo citado, Michael Riffaterre, rejeitando a procura das intenções do autor, não falou em lógica do texto, mas algo parecido e complementar. "/.../, é fácil demais interpretar como intenção o que, de fato, é a evolução de um dado, de uma variante a outra, mais complexa, mais corrigida e mais pensada do que a precedente [16]". E ele sugere em seguida um critério para distinguir os elementos do paradigma no prototexto : "A presença de traços de literaridade será o critério que permitirá ao crítico genético distinguir no prototexto os elementos de um paradigma capazes de serem incluídos no sistema de signos do texto definitivo, elementos que podemos isolar em cada variante, elementos dos quais unicamente as transformações são pertinentes à gênese da arte verbal [17]"

Convencido de que a escritura está a serviço de um código em elaboração, o crítico não tentará descobrir as motivações do escritor no estudo do prototexto. Ele sabe que o texto publicado não é uma meta clara para o autor e que não poderá igualá-lo à lição eleita como modelo (Ürtext) pelos filólogos. A elaboração do código não se faz seguindo um sentido, uma trajetória, uma lógica ou uma coerência no conjunto dos manuscritos, mas pelo contrário, sofre rupturas, paradas, bifurcações, desvios, movência [18], momentos de definição que atravessam zonas de instabilidade ou de estabilidade. Por isso "o batismo que fixa a referência não é inicial, mas retrospectivo. A obra funciona como "mostrador " rígido de sua gênese /.../ .não é a gênese que fixa o texto, mas o texto que determina a gênese /.../ Cada variante, por mínima que seja, reescreve uma história que conduz até ela - inscreve-se como história e numa história que ela constitui ao mesmo tempo" [19]

No entanto, a crítica genética tanto quanto a filologia de qualquer tendência não encontram sua finalidade em si, o que às vezes, esquecemos. Usando uma metáfora retomada de Einstein por Proust, diria que orbitamos em torno não da filologia ou da crítica genética , mas de cada obra estudada, uns para estabelecer o texto padrão, outros para descobrir os processos de criação nos manuscritos, nos esboços, nos croquis etc. A filologia ou a crítica genética constituem nosso meio, o espaço em que entramos, o campo onde somos submetidos a radiações, ondas e partículas para nos relacionar com uma obra que inclui o prototexto, as versões e o texto.

Coloco então, aqui uma pergunta de cunho epistemológico que me parece de suma importância: será que o foco de nossos estudos é realmente a obra literária ou artística e a função destes dois campos consiste em nos auxiliar na leitura e interpretação das obras ou devemos nos limitar a aprofundar a procura da melhor lição ou dos processos de criação? Acredito que, tanto a filologia quanto a crítica genética deveriam incluir a interpretação da obra, mais ainda, as pesquisas respectivas deveriam estar a serviço da interpretação. A filologia não está portanto a serviço da crítica genética ou vice-versa, mas os dois campos iluminam e esclarecem o texto publicado. Talvez seja aí o calcanhar de Aquiles de certas teses, dissertações ou artigos que tenho lido. Limitando-se ao estudo das variantes ou dos processos de criação, esses trabalhos não alçaram vôo suficientemente para terem uma repercussão maior no meio literário e não convenceram os colegas. A crítica genética e a filologia devem levar em conta o texto publicado. No início, alguns geneticistas recusaram esta posição porque queriam valorizar o prototexto habitualmente esquecido já que consideravam o texto editado como uma das versões possíveis, mas hoje creio que poucos sustentam tal atitude. Por outro lado, os estudiosos da literatura devem entender que o manuscrito e suas versões sucessivas, e, portanto, os processos de criação e o estabelecimento do texto, fazem parte da pesquisa do autor pesquisado. Não há separação entre o texto impresso e o texto rascunhado a mão ou no computador. Se aceitarmos que o autor tem como função retomar e continuar a tradição, denunciar o não visto pelos contemporâneos e anunciar por isso mesmo um certo futuro, os manuscritos revelam esses processos e devem interessar os especialistas do autor.

No início da escritura deste artigo, pensava traçar o caminho da filologia à crítica genética imaginando o percurso histórico de uma abordagem para outra, mas no decorrer desta reflexão, parece-me mais claro que devemos orbitar em torno do texto publicado, qualquer que seja o campo em que trabalhamos. Chegar à interpretação do texto ou prepará-la, deve ser o objetivo maior de todos os amantes do texto literário. Tanto quanto os campos afins - filosofia, psicanálise, sociologia -, a filologia e a crítica genética estão a serviço da interpretação do texto editado.

 

Notas bibliográficas

[1] No congresso da ANPOLL em João Pessoa em junho de 1996 e no Vº Encontro da Associação dos Pesquisadores do Manuscrito Literário (APML) em novembro do mesmo ano na Universidade Federal da Bahia. Retorna ao texto

[2] Relatado nas atas: O Manuscrito Moderno e as Edições. São Paulo, FFLCH/USP, 1986 Retorna ao texto

[3] Marcelo Moreira.Proposta para a edição de textos críticos. Manuscrítica .São Paulo, ed.Annablume, 1996. 6. pp.113-122 Retorna ao texto

[4] Sílvio Elia.A crítica textual em seu contexto sócio-histórico.III Encontro de Ecdótica e Crítica Genética. João Pessoa, ed.Idéia,1993.pp.57-64 Retorna ao texto

[5] Cerquiglini,Bernard.Eloge de la variante.Histoire critique de la philologie.Paris,Seuil,1989 Retorna ao texto

[6] Henri Mitterand, "Avant-propos" de Leçons d'écriture.Ce que disent les manuscrits.Paris,Minard,1985.p.III Retorna ao texto

[7] On ne saurait théoriser à l'infini sur la trace et sur la variante.Vient le moment où il faut éditer et expliquer un texte, saisi dans son individualité et son historicité. /.../ Mais il n'en n'est pas moins vrai que si la critique génétique n'a pas pu raturer radicalement la leçon et les exigences de la philologie positive, ou positiviste, il lui a bien fallu se donner une problématique et une méthodologie radicalement autres, en ce qu'elles (e integrou) intégraient des notions restées quelque peu étrangères aux éditeurs d'autrefois et empruntées à d'autres champs: la structure, le processus, la corrélation, la hiérarchie, l'inclusion, la transformation..." Mitterand.ibid. Retorna ao texto

[8] "Toutes les fois qu'une nouvelle force de la matière est inventée et que naît un nouveau type d'interaction, de nouvelles propriétés de l'humanité et de la matérialité se forment /.../ l'acte de naissance d'une science (tient à) un changement de hiérarchie entre les sciences, à l'entrée en scène d'un nouvelle nature, d'un nouveau livre" Isabelle Stengers.A propos de l'histoire humaine de la nature.Temps et devenir A partir de l'oeuvre de Prigogine.(Cerisy-1983). Genève. ed.Patiño, 1988. p.140 Retorna ao texto

[9] Moreira.ibid.p.114 Retorna ao texto

[10] Mitterand.ibid. Retorna ao texto

[11]La "nouvelle philologie"(Stephen Nichols.Speculum,1990.T.45.p.1-10) a besoin d'un lecteur nouveau, /.../ curieux des manifestations de la "variance essentielle"(Cerquiglini), des texte médiévaux, qui soit captivé par la croissance enchevêtrée, à partir de certains "mots germes" semés à travers toute la page, des derniers hymnes d'Höderlin /../ d'un lecteur qui en viendrait finalement à rechercher dans le texte des oeuvres mêmes "les traces du mouvement".Karl Maurer.Les philologues. Sous la direction de Louis Hay.Les manuscrits des écrivains. CNRS Ed., Hachette, 1993.263p. p.85 Retorna ao texto

[12]Entrevista com Pedro Nava, citada por Maria Antônia de Costa Lobo. Chão de Ferro; a gênese textual de uma obra de Pedro Nava. Rio de Janeiro,UFRJ.1997. p.22. (Tese inédita) Retorna ao texto

[13] "Si le lecteur interprète chaque variante séparément, il reste en deça de la littéralité à laquelle il n'accède qu'en tenant compte des manques, des déviations, bref des ananorphoses qui ne sont perçues que par une lecture double, visuelle et mémorielle, reconstituant la binarité indissoluble de la variante et de son intertexte Michael Riffaterre.Avant-texte et Littérarité.Genesis.Paris,éd.Jean-Michel Place,1996. 9. p.24 Retorna ao texto

[14] Julia Kristeva.Recherches pour une sémanalyse.Paris,Seuil,1969.p.146 Retorna ao texto

[15] "La critique génétique n'est pas née de rien. Elle n'est pas non plus le rhabillage moderne d'une discipline ancienne.Elle doit à son héritage son attention aux sources et aux matrices initiales de l'oeuvre, et son objectif fondamental, qui est de reconstituer les étapes d'une composition et d'une écriture. Ce qu'elle apporte de moderne, c'est la relativisation qu'elle impose à la notion d'"inspiration", désacralisant et démythifiant l'acte de "creátion verbale": l'oeuvre résulte d'une suite d'opérations, de manoeuvres, sur les contenus et sur les formes, d'une série d'expansions et de transformations d'une forme-sens, dont on peut s'efforcer de retrouver la logique et les "recettes". En second lieu, élargissant et transformant la notion classique de "source", elle lui substitue celle d'"intertexte" /.../ et la question est de savoir comment l'inédit va surgir du déjà dit. Mitterand.Le métatexte génétique.Genesis.1994.6.p.47. Retorna ao texto

[16"]Aussi n'est-il que trop facile d'interpréter en termes d'intention ce qui n'est en fait que l'évolution d'une donnée, d'une variante à l'autre, dont chacune est plus complexe, plus corrigée et plus pensée que la précédente".Riffaterre.ibid.p.9 Retorna ao texto

[17] "La présence de traits de littérarité sera le critère qui permettra au génécicien de distinguer dans l'avant-texte les éléments d'un paradigme capables d'être inclus dans le système de signes du texte définitif, éléments qu'on peut isoler dans chaque variante, éléments dont seules les transformations sont pertinentes à la genèse de l'art verbal".Id.,ibid.,p. 11. Retorna ao texto

[18] Celso Cunha.Significância e movência na poesia trovadoresca Rio de Janeiro,ed.Tempo Brasileiro,1985 citado por Sílvio Elia.ibid.p.63 Retorna ao texto

[19] "Les oeuvres naissent souvent d'une note anonyme /.../ ou apparaissent dans le cours d'une autre oeuvre dont elle semble d'abord en faire partie. L'identification n'intervient que bien plus tard alors qu'une partie essentielle de la genèse s'est déjà jouée /.../ le baptême qui fixe la référence n'est pas initial mais rétrospectif. L'oeuvre fonctionne comme "désignateur rigide"de sa genèse /.../ en ce sens, ce n'est pas la genèse qui fixe le texte, mais le texte qui détermine sa genèse /.../ la téléologie n'est pas un artéfact critique, mais inhérente aux mécanismes génétiques,(mais) téléologie plurielle. /.../ Chaque variante aussi minime soit-elle réécrit une histoire qui conduit jusqu'à elle - s'inscrit comme histoire et dans une histoire qu'elle constitue du même coup ... d'où aporie: l'impossibilité de distinguer ce qui est anticipation dynamique du stade suivant et ce qui est réinterprétation à partir du stade suivant. /.../ l'avant-texte est le résultat d'un double découpage: l'un qui l'exclut en constituant le texte et l'autre qui le constitue en excluant ce qui ne se laisse pas ranger sous sa loi /.../ d'où son double statut contradictoire de déchet et de signifiant maître.... objet du désir. Daniel Ferrer. La Toque de Clementis.Genesis.6,94.p. 100. Retorna ao texto


Philippe Willemart é professor titular em literatura francesa e responsável do laboratório O Manuscrito literário na USP onde trabalha as relações literatura e psicanálise por meio do estudo dos manuscritos de Flaubert e de Proust. É membro da Associação dos Pesquisadores do Manuscrito Literário (APML).Publicou Escritura e linhas fantasmáticas [São Paulo, Ática, 1983] ,O Manuscrito em Gustave Flaubert [São Paulo, FFLCH/USP, 1984, Universo da Criação Literária.São Paulo,Edusp,1993], Além da Psicanálise: a Literatura e as Artes [São Paulo, ed.Nova Alexandria,1995], Dans la chambre noire de l'écriture (Hérodias de Flaubert) [Toronto, éd.Paratexte,1996] e A pequena letra em teoria literária: F a b c j F (A literatura subvertendo as teorias de Freud, Lacan e Saussure). [São Paulo, ed.Annablume, 1997].

e-mail: plmgwill@usp.br.


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