DRÁCULA
VIAJANTE: QUESTÕES DE GEOGRAFIA E FRONTEIRAS
Resumo
A ênfase dominante da crítica
psicanalítica no problema da sexualidade no Dracula,
de Bram Stoker, tende a ocultar a relevância de outros aspectos
do romance, como é o caso das questões relativas a viagens
e fronteiras. Este ensaio tenta chamar a atenção para
as referências constantes, no romance, aos problemas relativos
ao cruzamento de fronteiras entre culturas civilizadas e primitivas.
Dracula pode também ser entendido como um romance que
trata dos sentimentos xenófobos motivados pela possibilidade
de um encontro cultural no qual comunidades metropolitanas se sentem
ameaçadas por forças alienígenas poderosas e
se vêem forçadas a recorrer ao exercício violento
do poder com o objetivo de manter o bárbaro do lado de fora
dos muros.
Abstract
The overwhelming emphasis of psychoanalytic
critics on the question of sexuality in Bram Stoker's Dracula
tends to occlude the significance of other aspects of the novel, such
as the question of travelling and frontiers. This essay is an attempt
to call attention to the constant references made in the novel to
the problems involved in crossing frontiers from a civilized to a
primitive culture. Dracula can also be read as a novel dealing
with xenophobic feelings motivated by the possibility of a cultural
encounter in which metropolitan communities feel threatened by powerful
alien forces and must therefore appeal to a violent exercise of power
with the purpose of keeping the barbarian outside the gates.
I. DRÁCULA E A PSICANÁLISE
A marcante presença da temática da sexualidade
monstruosa no Dracula, de Bram Stoker, relega normalmente a um
segundo ou terceiro planos outros problemas propostos pelo romance que
podem, particularmente em tempos xenófobos de diásporas
e migrações, ser tão ou mais significativos do que
a questão sexual. É este o caso do tratamento do tema das
viagens em que tanto o conde quanto suas vítimas e seus algozes
cruzam fronteiras entre uma Europa civilizada e uma outra, representada
pela Transilvânia e percebida como primitiva, subdesenvolvida e
ameaçadora. Talvez seja mesmo possível dizer que a sexualidade
monstruosa do vampiro, apesar de sua excessiva visibilidade no romance,
seja na realidade um tema secundário a ser compreendido precisamente
no contexto mais amplo da questão das viagens e da geografia em
que elas ocorrem. Vale dizer, a sexualidade monstruosa de Drácula
só se torna um problema quando ousa instalar-se na metrópole
londrina. Permanecesse ela na Transilvânia e, provavelmente, sequer
seria notada a não ser como um excesso exótico e distante.
Drácula representa uma poderosa identidade monstruosa a ser negada
a todo custo porque constitui uma ameaça ao mundo civilizado (representado
pela metrópole londrina) onde o vampiro tenta se instalar. Seu
objetivo é sugar o sangue de jovens mulheres inglesas, o que resulta
na disseminação do terror em um mundo masculino aparentemente
pouco seguro em seu relacionamento com o feminino. E representa ainda
uma ameaça dirigida em grande parte contra os valores da domesticidade
já que, a julgar pelo que acontece com Lucy, as mulheres atacadas
pelo vampiro tem a sua sexualidade exarcebada e, esquecidas de sua função
maternal de amamentar e proteger, começam a atacar e a sugar o
sangue de crianças inocentes. Vale dizer, Drácula constitui
uma ameaça à família em sua dimensão social
e sexual... Qualquer mulher jovem pode tornar-se sua vítima.
A totalidade da instituição doméstica na sociedade
é assim colocada em questão pela ameaça da proliferação
de uma sexualidade monstruosa que, curiosamente, apresenta-se como surgida
em um contexto histórico aristocrático, ainda que se trate
de uma aristocracia problemática porque fora de lugar: o vampiro
é um nobre que pertence à família de um sanguinário
tirano da Transilvânia no período de 1456 a 1462, Vlad Tepes,
conhecido particularmente pelo seu método favorito de torturar
inimigos transpassando-os ainda vivos com estacas que eram posteriormente
fixadas ao solo (Kirtley 1988, 13-14). É esse o Drácula
(que significa "demônio" em rumeno) que Bram Stoker reativa no final
do século XIX para apresentá-lo como parte de uma história
de barbárie a ser diligentemente excluída da história
da civilização.
A questão da sexualidade no romance (o interesse do idoso Drácula
em mulheres jovens que restauram seu vigor e juventude) tem seu contexto
histórico imediato na Era Vitoriana inglesa mas continua a despertar
interesse até nossos dias. Novas edições do clássico
de Bram Stoker esgotam-se recentemente e versões fílmicas
do romance continuam a aparecer. É justamente esse contexto histórico
de fin-de-siécle vitoriano, bem como o interesse permanente
despertado pelo tema, que se apresentam de imediato como fontes motivadoras
de leituras psicanalíticas e históricas do romance. Leituras
psicanalíticas afirmam, com unanimidade quase total, que o vampirismo
constitui a expressão mais ou menos velada de uma vigorosa energia
sexual e lembram freqüentemente a relevância, para a compreensão
da figura paterna no conde Drácula, do tratamento do incesto como
origem da civilização explorado por Freud em Totem e
Taboo. Para Freud, a instituição do horror cultural
ao incesto contitui o ato primodial motivador da civilização
e de seus descontentes. O incesto aparece na horde primitiva, em que a
atividade sexual era livre, inclusive entre pais e filhas, com a finalidade
de estabelecer uma regra sobre quais homens tem direito a quais mulheres
e quais mulheres são proibidas... Após o parricídio
primordial, a instituição do incesto impediria que apenas
o macho mais poderoso da tribo, provavelmente o patriarca e pai de varios
filhos e filhas, reservasse para si todas as mulheres, tornando difícil
ou impossível aos mais jovens copular. Torna-se assim necessário,
em primeiro lugar, a destruição do patriarca e a sua subsequente
devoração, o que permitiria aos mais jovens adquirir "uma
parte de sua força" em um ato que se ritualizaria, com o passar
do tempo e sem o sacrifício real do pai, no "banquete totêmico".
Para Freud, o banquete é possivelmente a celebração
primordial da humanidade, [constituindo] a repetição e a
comemoração daquele feito criminal memorável que
está na origem de tantas coisas -- da organização
social, das restrições morais, e da religião
(Freud 1953, 141-142). Em segundo lugar, torna-se ainda imperativo, após
o parricídio, tomar providências para que ninguém
venha a assumir o lugar do pai possuidor de todas as mulheres, evitando-se
assim a repetição da estrutura patriarcal de exclusão.
Aparece então o contrato social e familiar que estabelece quais
mulheres são proibidas e quais permitidas. Note-se que, como lembra
James Twitchell,
Freud não acreditava, e nem
precisava acreditar, que a cena da horde primordial realmente tivesse
acontecido, já que o que importa realmente é
que nós continuamos a agir como se a cena tivesse ocorrido....
Agimos na crença de que certas mulheres são realmente
proibidas; como se fosse nosso ainda o destino de Édipo no
caso do taboo ser desrespeitado (Twitchell 1985 101).
As semelhanças do Dracula de Bram Stoker
com a história primordial de horror freudiana são evidentes:
Dracula é o patriarca da horde primordial que quer todas as mulheres
para si e tenta submeter à sua vontade os homens menos poderosos
no grupo social. Vossas jovens mulheres, aquelas que amais, diz
Dracula após ter atacado Lucy e Mina, já são minhas;
e através delas também vós, e outros mais, serão
também meus -- minhas criaturas, para obedecer meu comando e operar
como meus lacaios quando eu tiver o desejo de me alimentar (Stoker
1975 271). E Quincey Morris, Dr. Seward, Jonathan Harker e Arthur Godalming
são os filhos parricidas ajudados por um "bom" pai (ou seja, o
que respeita a lei da proibição de relações
incestuosas) que vem do continente precisamente para orientá-los
na caça ao "mau" pai fora de controle.
Não é difícil perceber, em uma leitura histórica,
a pertinência e a força que adquire a repetição
de tal mito primordial de um patriarca sexualmente poderoso e ameaçador
para homens emasculados no contexto sócio-cultural da Era Vitoriana.
Um dos aspectos marcantes do período é a incerteza que resulta
em grande parte do dilaceramento radical entre tendências opostas
como religião e ciência, sexualidade e repressão,
civilização e barbárie, mulher angelical asexuada
e a "nova mulher liberada" ("the new woman"), e que afeta com particular
intensidade a classe dominante masculina. Não é por acaso
que um outro clássico de terror, Dr. Jeckyll e Mr. Hyde
(O Médico e O Monstro), texto que trata precisamente do problema
de um ser dividido entre sua condição social de respeitabilidade
e forças instintivas fora de controle, torna-se logo após
sua publicação um sucesso literário e popular. Ao
dramatizar tal dilaceramento, como bem observou o romancista John Fowles,
o livro de R. L. Stevenson pode bem ser visto como "o guia por excelência
da Era Vitoriana":
O fato de o homem vitoriano ter
a mente dividida... é algo que constitui parte essencial da
bagagem de qualquer viajante que pretenda explorar o século
XIX. Trata-se de uma esquizofrenia que pode ser percebida de forma
mais clara e visível nos poetas... Tennyson, Clough, Arnold,
Hardy; mas também na extraordinária flutuação
política entre Direita e Esquerda presente em homems como o
jovem Mill e Gladstone; nas mesmas e constantes neuroses e desordens
psicosomáticas de intelectuais em outros aspectos tão
diversos como Charles Kingsley and Darwin...; no interminável
cabo-de-guerra entre liberdade e e repressão, excesso e moderação,
costumes e convicções pessoais, entre os anseios que
tinham os homens de princípio pela educação universal
e o medo do voto democrático; visível ainda na tendência
obsessiva para revisar e editar a ponto de tornar-se necessário,
para o conhecimento do verdadeiro Mill ou do verdadeiro Hardy, procurar
informações antes nas mudanças e exclusões
textuais de suas autobiografias do que nas versões oficiais
publicadas.... Nunca foram tão confusas as experiências
relatadas, nunca a fachada pública apresentada como verdade
com tanto sucesso para uma posteridade crédula. E é
isto, creio eu, que torna Dr. Jeckyll and Mr. hyde o guia por excelência
da época. Subjacente a este gótico tardio encontra-se
uma profunda e reveladora verdade ( Fowles 1969, 169).
Um mundo masculino tornado inseguro por tal dilaceramento
cultural não poderia deixar de ser perturbado e ameaçado
pelo aparecimento da "nova mulher", em tudo oposta pelos seus excessos
à tradicional e confortante moderação característica
da mulher passiva, angelical e asexuada. Um jornal da época publica
a seguinte descrição da "nova mulher", apresentando-a em
uma perspectiva claramente pouco louvável:
Tarefas domésticas ela rejeita
porque acredita serem humilhantes para uma mulher instruída,
despreza o respeito próprio ao marido como um sinal de submissão
a um inferior, não gosta de crianças porque atrapalham
e incomodam, vê o amor como uma ilusão própria
de lunáticos e idotas. O que ela quer é a liberdade
de fazer o que bem entende.... Embora não faça nada
que seja imoral, insiste em mostrar que faria se quisesse.... Cuida
bem de nervos e músculos, joga cricket e golfe, pratica remo,
ciclismo e caça.... Veria como ridícula a idéia
de que apenas um homem, seu marido, poderia apreciar sua graça
e beleza... Ainda solteira, já conhece em detalhes todos of
horríveis vícios das grandes cidades... [e sabe mais]
sobre outros lugares do que sobre o próprio lar e coisas domésticas,
mais sobre qualquer outra virtude que sobre o respeito pela autoridade,
e sobre aquela atenção ao dever, moderação
nos costumes, e aquela doce, paciente e e tranqüila abnegação
que costumava ser a marca característica do sexo. Seus dois
únicos objetivos são ter tanta agitação
quanto possível, quaisquer que sejam os meios, e assemelhar-se
tanto quanto possível a um homem. (In Wolf 1975, 90-91).
É óbvio que uma tal mulher liberada, particularmente
em sua sexualidade, hesitaria menos do que a mulher tradicional à
potente sexualidade de Drácula, gerando assim maior insegurança
no mundo masculino. Em Dracula, Lucy Westenra está mais
próxima da "nova mulher" do que Mina, e representa portanto uma
ameaça a ser contida. Mina Murray assemelha-se em parte à
nova mulher mas não chega a apresentar uma ameaça ao mundo
masculino porque, ao lado de uma inteligência prática que
é capaz prestar valioso auxílio ao grupo dos caçadores
do vampiro ao descobrir, por meio de um preciso raciocínio dedutivo,
a rota de fuga de Drácula, preserva também valores de uma
domesticidade idealizada e asexuada. Mina, na caracterização
precisa de Van Helsing, tem o cérebro de um homem.... e o coração
de uma mulher (Stoker 1975, 209). É a partir dessa situação
basicamente doméstica e domesticada que Mina expressa claramente
reservas a respeito de um excesso de liberdade no relacionamento entre
os sexos. Retirando-se para o quarto para descansar após uma caminhada
em companhia de Lucy, esta logo adormece e é observada por Mina.
Seus comentários sobre o que é próprio ou impróprio
no comportamento da mulher cortejada são reveladores. Admirando
a graça de Lucy em seu sono, Mina imagina que, se Lucy tinha sido
capaz de despertar a paixão de Holmwood quando este a viu no
lugar apropriado, ou seja, no espaço público e bem comportado
da sala de visitas, despertaria paixões ainda maiores se fosse
vista no espaço proibido do quarto. E continua:
algum dia, as novas
mulheres escritoras lançarão uma proposta para que seja
permido a homens e mulheres verem-se uns aos outros no sono mesmo
antes de se tornarem comprometidos por um pedido oficial e pela aceitação.
Mas é bem possível que, no futuro, a nova mulher não
se conforme em aceitar: ela mesmo se encarregará de fazer o
pedido (Stoker 1975, 91; os grifos são meus).
É esse conservadorismo básico de valores
em Mina que permite ao mundo masculino resgatá-la da influência
perniciosa de Drácula e idealizá-la como mulher, mãe
e esposa exemplares. Mina, como diz Van Helsing, é uma das excelentes
mulheres que ainda restam e que conseguem tornar possível a felicidade
na vida -- excelenntes mulheres cujas vidas e cujos valores podem ainda
servir de exemplo para as gerações do futuro. (Stoker
1975, 168). Lucy, por outro lado, uma vez contaminada por Drácula,
adquire aquela sexualidade exarcebada que o imaginário vitoriano
percebia como incompatível com a domesticidade feminina que ia,
aos poucos, sendo colocado em questão pela "nova mulher".
Mina e Lucy podem bem representar, portanto, os dois tipos femininos com
os quais homem da época vitoriana tinha que conviver. Vale dizer,
representam modelos de mulher a serem aceitos ou rejeitados em termos
da maior ou menor ameça a uma sexualidade culturalmente percebida
como prerrogativa do masculino. Como observa Carol Senf, é bem
possível ... que Stoker esteja conscientemente colocando em contraste
[no romance] a nova mulher liberada sexualmente [Lucy após ser
atacada por Drácula] com a mulher mais claramente tradicional [Mina]
(Senf: 1982, 46). Se este for o caso, a ameaça representada pela
mulher liberada acaba por justificar uma violência destruidora superior
àquela reservada ao próprio Drácula. Enquanto no
caso do vampiro bastam dois golpes de faca para a destruição
do monstro, a destruição de Lucy ocorre com surpreendente
violência: seu corpo é penetrado por uma estaca de aproximadamente
um metro e seu noivo, que realiza a operação, é comparado
em sua força agressiva à figura de Thor... (Stoker
1975, 194).
2. SOBRE VIAGENS, GEOGRAFIA E BIBLIOTECAS
Apesar da inegável e indispensável pertinência
das leituras históricas e psicanalíticas, são ambas
frequentemente marcadas por uma certa ênfase na função
do monstruoso enquanto discurso imaginário cujo objetivo é
afirmar o normativo e o aceitável, e isso principalmente em termos
sexuais, pela demarcação de seus limites. O que tende a
ser reprimido em tais leituras é, em primeiro lutar, tudo
aquilo que, no texto, não cabe na categoria da sexualidade
e, em segundo lugar, a presença ambivalente do monstro enquanto
criatura de fronteira que tanto afirma quanto questiona a norma.
A ênfase no sexual reprime, por assim dizer, a questão da
geografia e das viagens, representadas no romance tanto no enredo como
nas detalhadas descrições da biblioteca do conde. Quando
visita o castelo de Drácula, por exemplo, Jonathan Harker apresenta
uma detalhada descrição geográfica e cultural da
Transilvânia. Harker viaja não apenas como o representante
legal de um estabelecimento londrino interessado em vender propriedades
à Drácula, mas também como turista e professor de
inglês encarregado de dar aulas particulares ao conde. Como turista
curioso e viajante experiente que tenta preparar o terreno para o encontro
comercial com Drácula, Jonathan informa-se sobre a terra a ser
visitada antes mesmo de iniciar a viagem: visita o Museu Britânico
e lá coleta livros e mapas... relativos à Transilvânia.
Com a ajuda prévia de tais livros e mapas, familiariza-se aos poucos
com uma nova geografia necessariamente constituída como primitiva,
selvagem e exótica a partir da fronteira civilizada
do império britânico
Descobri, diz Jonathan, que
o distrito por ele [Drácula] nomeado encontra-se no extremo
leste do país, nas fronteiras de três estados, a Transilvânia,
a Moldavia, e a Bucovina, bem no meio das montanhas carpacianas; uma
das mais primitivas e menos conhecidas partes da Europa. Trata-se
de lugar habitado por descendentes de Saxões, Dácios
e Magiares, estes últimos afirmando pertender à mesma
raça de Átila, o bárbaro rei dos Hunos. (Stoker
1975, 3)
O mapa assim constituído em seus aspectos mais
genéricos é enriquecido com detalhes observados durante
a viagem até o castelo do vampiro: a comida típica da qual
o visitante prentende obter a receita; as mulheres, atraentes quando vistas
de longe mas não tão atraentes quando olhadas de perto;
os estranhos e pitorescos eslovacos, mais primitivos do que todos os
outros; os trens, tanto menos pontuais quanto mais se avança para
o leste (Stoker 1975, 4-5) A experiência do viajante metropolitano,
preparada de antemão e confirmada durante a viagem, configura-se
assim em termos da aventura de ir além dos limites do civilizado
para negociar com o que se poderia caracterizar como a elite dominante
de um país subdesenvolvido, exótico e, pelo menos em princípio,
comercialmente interessante.
A experiência de Jonathan como viajante metropolitano representa
um curioso contraste com a experiência de Drácula em sua
viagem, também previamente planejada, do mundo primitivo para o
civilizado. Embora localizado nas margens da civilização,
o castelo do vampiro possui uma biblioteca que, apesar de insignificante
quando comparada ao Museu Britânico, possui significativa variedade
de livros metropolitanos. O conde Drácula não deixa, nesse
contexto, de revelar uma certa semelhança com o intelectual do
Terceiro Mundo, sempre bem informado sobre a metrópole, apesar
de nem sempre tão bem informado sobre os seu próprio contexto
cultural.
Encontrei na biblioteca, diz
Jonathan, um grande número de livros ingleses, estantes
inteiras repletas deles, e volumes encadernados de revistas e periódicos.
Em uma mesa no centro estavam espalhados revisas e periódicos
ingleses, muito embora nenhum deles de data muito recente. Os livros
eram de tipos variados -- história, geografia, política,
economia política, botânica, geologia, direito -- todos
referentes à Inglaterra e à vida, costumes e hábitos
ingleses. Havia até mesmo livros de referência como o
Diretório Londrino, o Livro Vermelho e o Livro Azul [volumes
incluindo listas de servidores do estado e informações
relativas ao parlamento, respectivamente], o Almanaque "Whitaker",
a Listagem do Exército e da Marinha e -- o que me agradou sobremaneira
-- a Listagem do Direito Civil (Stoker 1975, 23)
Embora nem sempre atualizada, a biblioteca do vampiro
não deixa de surpreender. É que Drácula necessita
alimentar-se também do sangue cultural inglês como preparação
para a conquista do lugar metropolitano intensamente desejado.
"Lendo estes livros", diz o vampiro
a Jonathan, aprendi sobre a vossa grande nação; e
aprender sobre ela significa a ela apegar-se. O meu desejo é
caminhar no meio da multidão das avenidas londrinas, estar
no meio do tumulto e da correria dos homens, participar da sua vida,
suas mudanças, sua morte, e de tudo o que a faz com que ela
[a vida londrina] seja o que é (Stoker 1975, 23).
Drácula age aqui como o ser de fronteira, inseguro
em sua identidade porque excluído da vida metropolitana e dela
querendo fazer parte porque, como qualquer colonizado, percebe-a como
superior e mais prestigiosa. Na verdade, provavelmente como resultado
de sua origem nobre, Dracula quer mais do que simplesmente fazer parte
da vida metropolitana. Porque pertence a uma elite, muito embora se trate
de uma elite ligada a uma história de barbárie, o vampiro
quer não apenas viver na metrópole, mas também nela
ocupar o lugar de mando ao qual julga ter direito em sua condição
de membro da classe nobre de seu país. Aqui [na Transilvânia],
diz o conde, sou um nobre; um boyar ["membro da nobreza"]; as pessoas
do povo me conhecem, e sou o senhor (Stoker 1975, 23) E é com
o objetivo de obter um lugar dominante na metrópole que Drácula
precisa submeter-se a rigoroso aprendizado de língua e cultura.
Não basta, como explica o conde a Jonathan, aprender a linguagem
apenas com a ajuda de livros porque com eles se conseguiria apenas a
gramática e o vocabulário, desprovidos da pronúncia
correta e natural. Vale dizer, o vampiro quer eliminar o sotaque que o
tornaria vulnerável como estrangeiro e o marcaria como inferior.
Qualquer um, diz o conde, reconheceria
em mim um estranho, o que não é de forma nenhuma satisfatório....
Não aceitarei nada memos do que ser como todos os outros, para
que ninguém tenha sua atenção voltada para mim,
e interrompa suas palavras ao me ouvir para dizer `Ah, um estrangeiro!
Jonathan deve, portanto, prestar seus serviços
não apenas como corretor de imóveis, mas também como
professor de inglês: ficarás aqui como meu hóspede
por algum tempo e, em nossas conversas, espero aprender a falar sem sotaque;
o que quero é que me informes cada vez que eu cometer um erro de
pronúncia, por menor que seja. (Stoker 1975, 23-24)
Embora o texto nada explique sobre o resultado das aulas particulares,
o mais provável é que elas tenham tido sucesso, já
que, na metrópole londrina, o vampiro atrai atenção
não pelo uso da linguagem, mas por outras peculiaridades alimentares
e comportamentais, ou ainda pela aparência inusitada. Seja como
for, a ênfase na questão de fronteiras internacionais e culturais
no início do romance aponta para as limitações de
uma leitura psicanalítica em que o vampiro é percebido como
uma espécie de outro sexual apenas. As leituras (menos freqüentes)
de cunho marxista, por outro lado, tendem a corrigir tais limitações
mas acabam por incorrer no equívoco de perceber no texto mais ideologia
marxista do que ele pode suportar. Burton Hatlen, por exemplo, reconhece
que nenhum leitor moderno pode ignorar as implicações
sexuais presentes em Dracula, mas acrescenta logo que o texto ultrapassa
os limites da sexualidade. Para Hatlen, Dracula representa formas múltiplas
de alteridade, entre elas a alteridade sexual enquanto aquele desejo inconsciente,
perverso e inaceitável para qualquer estrutura social e, em particular,
para a sociedade vitoriana inglesa. Mas Drácula é ainda
um outro cultural, ou seja, um descendente de uma época
histórica dominada pela superstição, quando se acreditava
que a hóstia sagrada do catolicismo era realmente o corpo de Cristo.
E é também e principalmente o outro social, ou seja,
a representação de todas as forças sociais que
pairavam ameaçadoras do outro lado das fronteiras da experiência
vitoriana e burguesa. O vampiro é, portanto, simultaneamente
o reprimido e o oprimido: o reprimido psíquico e o oprimido social
(Hatlen 1980, 84, 82). O reconhecimento do vampiro enquanto o outro social
oprimido, contudo, leva Hatlen à sugestão problemática
e pouco convincente de que Drácula, claramente apresentado no texto
como membro de uma certa aristocracia, pode ser visto como emblemático
de uma força social proletária, ameaçadora, repugnante
e devassa que agride a respeitabilidade da elite privilegida vitoriana.
(Hatlen 1980, 92).
Apesar das dificuldades que se apresentam na tentativa de especificar
excessivamente o outro social no vampiro, a percepção
marxista de uma alteridade mais genérica que a sexual em Drácula
é inegavelmente certeira. O monstro, como se viu, representa também,
apesar de seu poder econômico, um imigrante indesejável e
perigoso vindo de uma nação selvagem e primitiva que tenta
instruir-se na língua e cultura da nação civilizada
para nela entrar como senhor e com direito de explorar os seus recursos
disponíveis, particularmente os femininos. A aquisição
dos códigos lingüísticos e culturais, contudo, não
são suficientes para a entrada no mundo civilizado, e o vampiro
deve aceitar a condição de um ser de fronteira (e de identidade
problemática) condenado a duas situações pouco satisfatórias:
relacionar-se com a metrópole vicariamente apenas, lendo os livros
de sua biblioteca particular, ou então ser destruído. Em
Dracula, a destruição é levada a cabo por
cinco representantes do mundo civilizado que, auxiliados por Mina, constituem
o que um crítico chamou de "O Grupo dos Iluminados" ("The
Crew of Light") ( Craft 1984, 107-133). O grupo, que constitui uma
verdadeira aliança internacional (três ingleses, um americano,
e um alemão), compartilha certos ideais comuns apesar da diversidade
de interesses e nacionalidades. Lord Arthur Godalming é um aristocrata
inglês que não vê dificuldades em aliar-se a profissionais
de uma outra classe, a da alta burguesia inglesa, representada pelo advogado,
Jonathan Harker, e pelo médico especialista em doenças mentais,
Dr. Seward. São membros representantes do que se poderia chamar
a elite dirigente da Inglaterra vitoriana, dedicados à preservação
tanto dos valores civilizados da ciência, da tecnologia e da cultura,
como da mulher angelical representada por Mina Harker e pela Lucy Westenra
anterior ao ataque do vampiro. Os outros membros do grupo, apesar das
diferentes nacionalidades, partilham com os ingleses a mesma crença
nos valores da civilização e da tecnologia, contribuindo
para sua manutenção e expansão através de
seus conhecimentos técnicos: Quincey Morris, americano do Texas,
destaca-se no grupo pela apreciação de armas como a moderna
"winchester", e o alemão Van Helsing, além de médico,
é um profundo conhecedor de vampiros em sua história, hábitos
e vulnerabilidade.
A caça ao vampiro pelo Grupo dos Iluminados apresenta-se assim
como uma cruzada em defesa da civilização e do bem contra
as forças da barbárie e do mal. É preciso, a todo
custo, não deixar o migrante perverso cruzar a fronteira. O objetivo
explícito da caça e destruição do vampiro
é resgatar Mina Harker da influência de Drácula, já
que tal influência poderia permanecer ativa mesmo à distância
e condenaria Mina à mesma violência de que Lucy fora anteriormente
vítima. Mas como Lucy Westenra ("a luz do oeste") e Mina
Harker representam, em sua suavidade e luz (Hatlen 1980, 83), os
valores ideais de uma sociedade civilizada, o que está implícito
no romance é a necessidade da destruição do Vampiro
porque este ousou cruzar a fronteira que separa a Transilvânia da
metrópole londrina na tentativa de constituir, nesta última,
uma nova identidade com direitos de senhor, particularmente sobre as jovens
mulheres. A temática da geografia e da fronteira, como se sugeriu
antes, sobrepõe-se à da sexualidade. Questionado por Mina
sobre a necessidade de prosseguir na perseguição do Vampiro
após sua fuga de Londres, Van Helsing lembra que o conde, apesar
de seu dotado apenas com o cérebro infantil (child brain)
de um criminoso, é poderoso e persistente e pode tentar novamente
cruzar fronteiras. A persistência do conde, insiste didaticamente
o médico vampirólogo, tinha já se tornado evidente
no cuidadoso planejamento para a invasão de Londres.
Com o seu cérebro infantil",
diz Van Helsing, ...acalentou desde longa data a idéia de
estabelecer-se em uma grande cidade. O que faz? Encontra o lugar do
mundo que lhe é mais promissor. Prepara-se então deliberadamente
para sua tarefa.... Estuda novos idiomas. Aprende um novo comportamento
social; ... o sistema político, legal, financeiro, científico,
os costumes da nova terra e de seu povo.
E essa persistência e sistematicidade podem ameaçar
novamente não apenas o império inglês, mas também
outras partes civilizadas do mundo, razão por que torna-se necessário
o esforço conjunto do Grupo dos Iluminados com o objetivo de assegurar
a liberdade no mundo (Stoker 1975, 282). Entenda-se aqui por "mundo"
o mundo civilizado, do qual não faz parte a Transilvânia.
3. A ARBITRARIEDADE DAS FRONTEIRAS E O FALSO DUALISMO
DO DENTRO E DO FORA
O sucesso da caça ao conde Drácula acaba por despojar este
último até mesmo da problemática identidade
que possuia antes da decisão de cruzar a fronteira. Essa identidade
problemática pode ser pensada em termos daquela vampiresca alteridade
que jamais consegue perceber seu reflexo no espelho e que é devidamente
registrada por Jonathan Harker em sua visita ao castelo de Drácula.
Barbeando-se em frente a um espelho após a primeira noite no castelo,
Jonathan surpreende-se ao sentir um toque no ombro, logo seguido pela
saudação matinal do conde. O que é estranho para
o jovem advogado é que, muito embora o espelho torne possível
a visão refletida de todo o aposento, o reflexo do conde
não aparece. Vale dizer, olhando para o espelho, Jonathan vê
apenas o reflexo de si mesmo e do quarto, mas não o do monstro
que também está presente. A impossibilidade de Drácula
ter sua imagem refletida no espelho faz parte, evidentemente, do discurso
folclórico que estabelece essa peculiaridade como aracterística
do vampiro: sendo apenas um cadáver ambulante (freqüentemente
designado no romance como un-dead", ou seja, o não-vivo),
o vampiro não possui a força viva da alma que, na mitologia
tradicional sobre o espelho, é justamente o que aparece como imagem
refletida. Mas em um romance em que a figura do vampiro é constantememente
marcada por uma situação de ser de fronteira e de identidade
problemática, o episódio do espelho comporta pelo menos
dois outros significados. Em primeiro lugar, ao negar-se a apresentar
a imagem do que existe, o espelho revela em seu silêncio a identidade
paradoxal de alguém que ao mesmo tempo é, porque age no
mundo, e não é, porque jamais se percebe existente na imagem
especular confirmadora da presença. Em segundo lugar, essa identidade
do não-vivo e do não-ser não aparece no espelho porque
sofre um curioso deslocamento em que a imagem daquele que olha
e tem imagem (Jonathan) ocupa o lugar da imagem do outro ao mesmo tempo
presente (fora do espelho) e ausente (no espelho). Ao olhar para onde
o monstro deveria estar, Jonathan encontra-se a si mesmo, o que sugere
que o humano e humanitário advogado londrino ocupa o lugar do monstruoso
e, em certa medida, identifica-se com ele. O humano e o monstruoso tornam-se
aqui inseparáveis e apontam para a ambivalência do projeto
civilizatório do Grupo dos Iluminados. O que o projeto precisa
assinalar com a destruição do monstro é a marcação
de fronteiras capaz de assegurar a diferença absoluta entre o normal
e o anormal, o selvagem e o civilizado, o humano e o monstruoso, o sexo
aceitável e o inaceitável. No entanto, como a crítica
do romance tem mostrado insistentemente, essa separação
radical é ilusória. A monstruosidade do outro está
sempre mais próxima do que se pensa porque nunca existe separadamente
do humano. Ou, melhor dizendo, a caça ao monstro além das
fronteiras da civilização é sempre, em certa medida,
inútil, porque o monstruoso habita desde sempre o lado de cá
da fronteira.
Jonathan Harker, por exemplo, no citadíssimo episódio do
encontro com as mulheres-vampiro no castelo de Drácula, expressa
simultaneamente desejo e rejeição quando em confronto com
a sexualidade monstruosa que quase chega a experimentar. Diante da proximidade
dessas mulheres de lábios cheios de volúpia, Jonathan
sente ao mesmo tempo um desejo e um temor profundo... [e] uma vontade
de ser beijado por aqueles lábios vermelhos. E para que não
reste dúvida de que se trata de um desejo sexual proibido, o texto
acrescenta logo a sugestão das complicações que ocorreriam
se Mina, a futura esposa, viesse a saber do ocorrido: não é
uma boa idéia tomar nota [no diário] do fato [o quase contato
sexual com a mulher vampiro], já que o diário poderia algum
dia ser lido por Mina; mas [a realidade do desejo] é a pura verdade
(Stoker 1975, 39). E a peculiaridade que tem os vampiros de não
entrar em lugares para os quais não são convidados sugere
que as mulheres que dele se tornam vítimas não são
apenas objetos passivos de um desejo monstruoso. São antes cúmplices
que procuram, particularmente na era vitoriana, e ainda que inconscientemente,
a satisfação da sexualidade reprimida e desejada. Como sugere
George Stade, é bem possível que, para a mulher vitoriana,
o beijo de Drácula seja um beliscão bem no lugar
onde ela sente seus pruridos ( Stade 1981, vii). Mas é possivelmente
no célebre episódio da transfusão de sangue para
salvar Lucy que a inseparabilidade entre o monstruoso e o humano aparece
de forma mais reveladora. Enfraquecida pela perda de sangue após
os ataques de Drácula, Lucy recebe transfusões de sangue
não apenas de seu noivo, Lord Godalming, mas também de Quincey
Morris, Dr. Seward, e do próprio Van Helsing. Lucy transforma-se,
em outras palavras, em um verdadeiro vaso condutor em que o sangue bombeado
de um lado esvai-se de outro. O episódio é justamente celebrado
pela crítica psicanalítica, já que o sangue pode
bem ser uma metáfora para o sêmen. Mas trata-se também
de um episódio em que o vampiro se mostra literalmente ligado
por laços de sangue aos membros do Grupo dos Iluminados. Em
todos os casos, as ações transgressoras do vampiro são
justamente aquelas que o humano deseja praticar ou experimentar e que
tenta, desesperadamente e sem sucesso, reprimir e destruir. O vampiro
pratica aquelas ações (sociais, sexuais ou culturais) que
o civilizado, homem e mulher, desejam praticar mas não podem. Dracula,
como observa certeiramente Burton Hatlen, trata fundamentalmente do
nosso desejo (`nosso' significando aqui pertencente à classe média
branca) de sujeição (`sujeição' tendo aqui
o sentido masoquista explícito característico da pornografia)
ao... marginal `negro' e `mal-cheiroso'. (Hatlen 1980, 95). E é
porque o vampiro pratica abertamente o desejado e o proibido e a transgressão
de fronteiras, funcionando assim ao mesmo tempo como crítica e
legitimação da norma e do limite entre o dentro e o fora,
que seu destino é ser permanentemente condenado à problemática
condição identitária daquele que, habitando sempre
os limites do humano, ao mesmo tempo existe e não existe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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in Bram Stoker's Dracula". Representations 8 (Fall 1984).
FOWLES, John. The French Lieutenant's Woman... Boston: Little &
Brown, 1975.
FREUD, Sigmund. Totem and Taboo. London: Hogart, 1953.
HATLEN, Burton. "The Return of the Repressed/Oppressed in Bram Stoker's
Dracula." In. Dracula: The Vampire and the Critics. Ed.
Margaret Carter. Ann Arbor and London: UMI Research Press, 1988.
KIRTLEY, Bacil F. "Dracula, the Monastic Chronicles and Slavic Folklore".
In Dracula: The Vampire and the Critics, ed. Margaret L. Carter.
London: UMI Research Press, 1988.
SENF, Carol A. "Dracula: Stoker's Response to the New Woman". Victorian
Studies 26 (1982).
STADE, George. "Introduction". In STOKER, Bram. Dracula... New
York: Bantam, 1981.
STOKER, Bram. Dracula. Ed. Leonard Wolf. New York: Clarkson N.
Potter, Inc., 1975.
TWITCHEL, James B. Dreadful Pleasures: An Anatomy of Modern
Horror. Oxford: Oxford University Press, 1985.
WOLF, Leonard, ed. The Annotated Dracula... New York: Clarkson
N. Potter, Inc., 1975.
Sérgio
Luiz Prado Bellei é professor titular de Teoria Literária
e Literatura Anglo-Americana no programa de Mestrado e Doutoramento em
Literaturas de Língua Inglesa na Universidade Federal de Santa
Catarina. É autor de O Cristal em Chamas (1986), Literatura
e Nacionalidade (1992) e Henry James: Theory of the Novel (1998).
Publicou recentemente capítulo de livro sobre a antropofagia brasileira
("Brazilian Anthropophagy Revisited") em livro editado pela Cambridge
University Press (Cannibalism and the Colonial World) e ensaio
sobre Iracema ("A Virgem dos Lábios Sem Mel") na Luso-Brasilian
Review.
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