As Letras, os números, o provão e o currículo

 

Marisa Lajolo

IEL - Unicamp 1998

 

 

 


 
Nada do que foi será
Do jeito que já foi um dia

Lulu Santos

 

 

A lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( Lei 9.394 de 20.12.1996) rompe com o centralismo de um modelo educacional único, sugerindo que sua implementação invista em flexibilidade e mobilidade. Várias passagens dela delineiam o perfil que devem ter as diretrizes curriculares que, em futuro próximo, substituirão, no ensino superior brasileiro, os currículos mínimos que modelavam , por um mesmo figurino, os diferentes cursos superiores , de norte a sul do Brasil.
Refletia-se, nos currículos mínimos, centralização rigorosa que marcavam as relações dos órgãos centrais da Educação com as diversas instâncias do sistema educacional brasileiro em todos seus níveis. Entre os princípios pelos quais a partir da LDB de 1996 se deverá pautar a educação brasileira nos seus vários níveis, vários apontam uma nova agenda marcada pela liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura , o pensamento, a arte, o saber ( Art. 3o , II); pelo pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas ( Art. 3o, III); e pelo respeito à liberdade e apreço à tolerância ( Art. 3o, IV) .
A LDB entende as universidades como instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de ensino superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, caracteriza-as pela produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes tanto do ponto de vista científico cultural , quanto regional e nacional ( Art. 52, I ) , e confere a elas ampla liberdade na organização dos cursos através dos quais serão atingidos os objetivos do ensino superior, entre os quais se incluem :
(...) estimular a criação cultural, o desenvolvimento de espírito científico e do pensamento reflexivo ( Art. 43, I); formar diplomados (...) aptos para inserção em setores profissionais, (...) para participação no desenvolvimento da sociedade brasileira , e colaborar na sua formação contínua ( Art., 43, II ) ; incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive ( Art. 43, III) ; promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino , de publicações ou de outras formas de comunicação ( Art. 43, IV) ; estimular o conhecimento de problemas do mundo presente , em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade ( Art. 43, VI) e promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica ( Art. 43, VII) .

Sabe-se quão delicado é o equilíbrio entre a presença do estado ( responsável pela qualidade da educação) e a liberdade ( quer no âmbito institucional, quer no âmbito docente da sala de aula) essencial a projetos de educação democrática . Mas, ainda que delicado, é fundamental e precisa encontrar expressão nos vários projetos pedagógicos em que devem inscrever-se os currículos propostos por diferentes Instituições de Ensino Superior (IES) para os cursos que oferecem, matéria em que gozam de ampla autonomia.
Esta autonomia de que gozam as universidades na organização de seus cursos inclui a liberdade de fixar os currículos de seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes ( Artigo 53 , I ) a liberdade de criação, expansão, modificação e extinção de cursos ( Artigo 53, I ) e ainda liberdade na elaboração da programação dos curso ( Artigo 53 , III ) .

Este espírito descentralizador reforça-se pelo texto do Conselho Nacional de Educação (CNE) que, através do parecer 776/97 de sua Câmara de Ensino Superior ( CES) propõe de forma louvável incluir as entidades ligadas à formação e ao exercício profissionais na discussão da organização das diretrizes curriculares e as concebe-as o CNE como orientações para a elaboração dos currículos , frisando simultaneamente a flexibilidade com quem devem ser implementadas e resguardando o papel fiscalizador do estado .
A autonomia conferida às IES para elaboração e programação de cursos é ampla e inclui, entre outros aspectos: composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos cursos , especificação das unidades de estudo a serem ministradas ; indicação de tópicos ou campos de estudo e demais experiêcias de ensino-aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de conteúdos específicos com cargas horárias pré determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos .
Recomenda também o parecer do CNE formação geral sólida , encorajamento de práticas de estudo independente , articulação da teoria com a prática , ênfase na formação integral do estudante, destacando-se , nesta formação, o desenvolvimento de atitudes e valores voltados para a ética e a cidadania.
Recomenda ainda o parecer que os currículos levem em conta a heterogeneidade ( de formação, e de expectativas) de sua clientela, familiarizem os alunos com formulações de ponta de outras áreas do conhecimento ( caminho para a flexibilização profissional atualmente exigida) e atendam ao contexto e demanda regionais, na busca do exigente e difícil equilíbrio entre o local e o global . No mesmo parecer , o CNE enfatiza ainda a noção de formação continuada , da qual a graduação seria apenas uma etapa que, não pretendendo a formação acabada de um profissional, pode ( e deve ?) ter sua duração reduzida, podendo igualmente ( e devendo ?) estruturar-se em módulos, em oposição à monolítica formatação semestral ou anual de hoje.
As recomendações do CNE para o estabelecimento de diretrizes curriculares representam um primeiro nível de operacionalização do espírito de descentralização que anima a LDB e abrem espaço para que cada IES, a partir de projeto acadêmico bem definido, estabeleça a) os objetivos de seus cursos b) o perfil dos profissionais que deseja formar , c) cargas horárias específicas e seqüência de conteúdos ( séries anuais, períodos semestrais, ciclos, módulos ... ) favorecendo o desenvolvimento de um conjunto de habilidades que assegure, tanto o desempenho profissional esperado, quanto aprimoramento constante da formação do graduado.
Implementação adequada e eficiente destas propostas da LDB tal como elas foram interpretadas pelo CNE será, obviamente, diferente em cada uma das áreas e campos do conhecimento.
Na universidade de hoje , áreas e campos de conhecimento têm uma identidade epistemológica bastante rarefeita . Diluem-se ambos tanto pela vertiginosa alteração dos paradigmas científicos, quanto pelo engessamento dos recortes administrativos que acabaram imobilizando campos e áreas de conhecimento nas experiências históricas que os reduziram às formatações específicas dos cursos que os incluem e que foram aos poucos esculpindo a face contemporânea da universidade e, no interior dela, das áreas que a compõem.
Assim, nesta universidade brasileira contemporânea, áreas e campos de conhecimento visibilizam-se hoje na tantas vezes incompreensível malha de graduações que se distribuem em bacharelados e licenciaturas, com disciplinas ora superpostas ora descontínuas, oferecidas por institutos, faculdades, núcleos e centros. É nesta teia de espaços institucionais que a implementação da LDB precisa abrir espaço para a superação de pelo menos alguns dos impasses que vivem hoje as instituições educacionais brasileiras em todos seus sistemas .
Tal superação talvez só ocorra se as universidades, sobretudo através de sua comunidade docente, transformar a discussão do currículo dos cursos superiores brasileiros em debate acadêmico dos rumos e perfis da universidade brasileira, através de suas várias áreas , cursos, terminalidades.. .

O que se segue é uma proposta disso.

Tá tudo tão diferente
Eles são tão parecidos mas não como nós
Eles falam outra língua pela nossa voz

Arnaldo Antunes


 

 No caso específico dos cursos de Letras, data de 1962 a legislação que os vem regendo [1], determinando, por exemplo, o prazo de sua integralização [2] , a obrigatoriedade de certas disciplinas e estabelecendo entre elas algumas articulações obrigatórias [3].
Não deixa de ser curioso, no entanto, observar que a centralização e rigidez atribuídas pelo parecer 776/97 do CNE à lei de 1962 - e, numa certa medida nele erigidas em vilão da história relativizam-se bastante quando a palavra é cedida, por exemplo, ao autor do parecer ( 283/62) que fundamenta a lei antiga.
Como resultado do cruzamento entre o que diziam os legisladores dos anos sessenta com o que dizem os legisladores dos anos noventa, (re)aprendemos a lição da dialética. Ela ensina que todo projeto a ser implementado tem, como primeiro gesto , instituir seu oposto, isto é, seu outro , contra o qual o novo afirma sua identidade. Assim, letra e espírito do texto legal de 1962, para legitimarem o enxugamento e re-arranjo que imprimem ao currículo proposto para Letras , instituem como vilão da história daquele tempo o gigantismo dispersivo das áreas para as quais os cursos de Letras habilitavam seus alunos, constituindo o curso de Letras Neolatinas na ótica dos anos 60 exemplo extremo da inconveniência até então vigente.
Com tal pressuposto, a lei de 62 institui a obrigatoriedade da Língua Portuguesa
[4] e reduz a diversificação das Línguas estrangeiras, argumentando que tais medidas constituem avanço . Um breve retrospecto histórico ensina que o texto que encaminha o parecer aprovado em 1962 - até hoje em vigor e com o qual dialogam as diretrizes curriculares emanadas da nova lei de 1996 - acredita marcar-se por autenticidade e flexibilidade que se traduzem no currículo proposto . A lição histórica se aprofunda e se tempera de ironia quando se vê que a lei de 1962 crê estar flexibilizando o currículo [ inovação também reivindicada pelo CNE em 1997] ao favorecer, por exemplo, a dissolução das amarras das ( por assim dizer ) famílias lingüísticas que, até então ( 1963 é a data de implantação da lei aprovada em 1962) dividia o conjunto das línguas estrangeiras presentes nos currículos de Letras em clássicas , anglo-germânicas ou neo latinas , bem como na substituição de Introdução aos Estudos Lingüísticos por Lingüistica e ao permitir que as matérias indicadas se matizassem quando traduzidas em disciplinas .
Por outro lado, a articulação pretendida entre o texto de 1962 e seu momento histórico exprime-se na articulação estabelecida entre a obrigatoriedade de estudo intensivo de Português e o pressuposto de ser o domínio do vernáculo pré-requisito para o ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras
[5] . Não deixa de ser significativo também que, no corpo do parecer que encaminha a resolução, a argumentação em prol de certas matérias em detrimento de outras, ou da articulação entre diferentes matérias se faça com base no ensino de primeiro e segundo graus.
Uma tal argumentação acaba apresentando o magistério como destinação se não única, ao menos principal do graduado em Letras. Esse viés pedagógico constitui herança de conceitos vigentes desde as primeiras propostas de criação de cursos brasileiros de Letras , e se acopla, na mesma resolução, à modernização representada pela inclusão da Lingüística entre as matérias obrigatórias e da Teoria da Literatura entre as optativas.
Como se sabe, a inserção privilegiada da Lingüística e da Teoria da Literatura na constituição dos currículos de Letras na década de 60 rompe com a tradição filológica até então imperante na área. Mais ainda: nos anos sessenta, a matriz lingüística da vertente de Teoria Literária em alta no mercado das Letras acenava com o rigor científico que poderia redimir os estudos literários do impressionismo que corroía seu prestígio numa universidade na qual as áreas científicas e tecnológicas começavam a impor os figurinos da docência e da pesquisa . A recusa à inclusão da expressão "letras" no momento da criação da área na Unicamp ( que é o atual Instituto de Estudos da Linguagem) bem como a existência de um departamento de Ciência da Literatura na UFRJ reforçam a busca de renovação da imagem da área em universidades de prestígio.
Mas cedo desvaneceu-se o sonho da cientificidade .
Lingüística e Teoria da Literatura são saberes centrais da área , recobertos pelas inúmeras subáreas que se espelham nos GTs da Anpoll. Teoria da Literatura e Linguística, no entanto, acabaram acomodando-se a um currículo no qual coexistem de maneira problemática ( porque não problematizada) : o enfoque histórico do estudo das literaturas vernáculas, o ensino normativo ( ou a reivindicação dele...) da língua portuguesa, uma ou outra vertente das teorias da literatura, uma ou outra vertente das teorias lingüísticas constituem a norma, com as exceções de praxe. O quadro se agrava quando se sabe que tanto no caso da Teoria da Literatura quando no da Lingüística teorias de diferentes matrizes epistemológicas desfiguram-se em ementas que tendem a confundir teorias - quer as da literatura, quer as da linguagem - com inventário de termos , novos e antigos
[6] , em alegre e inconseqüente confraternização .
Não vem ao caso, nos limites deste trabalho, prosseguir na análise do currículo mínimo de Letras implantado a partir do parecer de 1962. Os comentários até agora desenvolvidos bastam para sublinhar a dimensão histórica de qualquer organização curricular, o que recomenda abstenção de triunfalismo, pompa e circunstância no encaminhamento e discussão dos parâmetros curriculares de Letras . Quaisquer que sejam estes, eles serão implantados numa tradição frágil, desqualificada e em mutação .
No mesmo cenário contemporâneo , as alterações dos paradigmas científicos , a aparentemente irreversível globalização cultural e econômica, os efeitos desta nos vários centros e periferias, bem como as alterações profundas na base técnica recomendam a virada da mesa .

Era um era dois era cem
Era o mundo chegando e ninguém
Que soubesse que sou violeiro
Que me desse amor ou dinheiro

Edu Lobo

Hoje, as Letras - tal como elas existem no ensino superior brasileiro - convivem, por um lado, com o surgimento de novas oportunidades de trabalho (como a demanda crescente de tradutores e intérpretes, de educadores preparados para educação à distância de profissionais treinados para o secretariado bilíngüe) e, por outro, com a degradação profissional e humana do magistério, terminalidade que tradicionalmente é apresentada como única disponível para o graduado em Letras.
Agravando a situação, os cursos de letras perdem, ainda , boa parte de sua clientela virtual para outros cursos, nomeadamente os de Comunicações que, no cartorializado mercado contemporâneo, têm o monopólio de certas práticas profissionais de escrita ( editoração e jornalismo, para ficarmos em dois exemplos) para as quais alunos de letras dispõem de know how mas não de habilitação legal.
Este pouco promissor cenário descortinado por uma viagem qualitativa do ( pouco) material disponível para uma análise dos cursos de Letras fica ainda menos promissor quando nele se inscrevem alguns dados quantitativos. Os números disponibilizados por órgão centrais da educação e por algumas IES são muito sugestivos da caracterização da área de Letras como problemática, em que pese que a grande maioria das estatísticas disponíveis datem de pelo menos, quatro anos . Assim mesmo, sustém-se a validade da análise que elas patrocinam, já que nada indica que alterações havidas tenham melhorado o quadro que se depreende dos índices fornecidos pelos censos do MEC.

QUADRO I

VESTIBULAR LETRAS: OFERTA & DEMANDA DE VAGAS E MATRÍCULA EM 1994 [7]

FEDERAL

ESTADUAL

MUNICIPAL

PARTICULAR

oferta

demanda

matric

oferta

demanda

matríc

oferta

demanda

matric

oferta

demanda

matric

UNIV

5 693

20.054

4 720

4 625

18 136

4 529

420

279

329

8 408

6 308

4 570

F.INTEG

240

203

194

5 736

4 075

2 710

ISOLADOS

50

93

50

1 570

2 638

1 380

1 745

2 207

1 557

10 700

10 923

7 007

TOTAL

5 743

20 147

4 770

6 125

20 774

5 909

2 405

2 289

2 080

24 844

21 306

14 287

 
 

 QUADRO II

VESTIBULAR LETRAS: TOTAL GERAL DE OFERTA & DEMANDA DE VAGAS E MATRÍCULA EM 1994[9]

 

TOTAL GERAL

VAGAS OFERECIDAS

39.117

CANDIDATOS INSCRITOS

64. 516

MATRÍCULAS NO 1O. ANO

27.046

VAGAS OCIOSAS

11.071

 

QUADRO III

ALUNOS DE LETRAS NO ESTADO DE SãO PAULO [10]


Alunos de Letras SP 94

universidades

11206

estaduais

4787

municipais

263

privadas

6156

isoladas

municipais

1876

privadas

9 715

TOTAL

22 797

QUADRO IV

EVOLUÇÃO DA OFERTA DE VAGAS E FORMANDOS EM LETRAS NA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO [11]

 

1985

1986 

1987 

1988 

1989 

1990

1991

1992

1993

1994

1995

português

150/111

135

135

98

204/158

154

151

103

149

125

131

grego

50/3

7

5

1

57/3

2

4

3

5

3

5

latim

50/5

8

12

4

57/8

3

8

4

4

3

0

alemão

50/23

33

26

22

64/21

23

22

16

25

11

17

espanhol

50/19

20

21

20

64/28

27

24

17

9

6

9

francês

50/23

22

9

14

64/29

18

31

14

17

9

12

inglês

50/22

40

23

13

64/31

23

21

15

24

17

17

italiano

50/22

19

14

7

64/21

21

7

11

9

7

10

árabe

50/1

3

3

3

20/5

4

3

1

5

3

0

armênio

40/1

zero

zero

2

15/zero

zero

1

1

zero

1

0

chinês

40/zero

2

3

3

15/2

1

1

2

1

20/zero

0

hebraico

50/2

1

4

4

20/7

3

5

7

2

30/2

5

japonês

40/9

8

8

8

11

55/12

17

4

9

11

9

russo

50/6

3

9

2

40/6

11

9

1

3

2

7

sânscrito

40/zero

2

zero

zero

15/zero

zero/4

zero/2

zero/1

zer/zero

zero/2

(0)1

lingüísta

40/14

21

17

14

47/20

17

22

13

19

9

10

850 v 262f

850v 350f

850 v 211f

233f

 

QUADRO V

EVOLUÇÃO DA DEMANDA POR LETRAS E LINGUÍSTICA NA UNICAMP [12]

 

Lling
Pedag
História
Química
1987
483
437
231
316
1988
763
864
444
487
1989
545
497
311
526
1990
534
495
351
713
1991
569
449
378
673
1992
530
430
356
720
1993
461
360
313
517
1994
603
494
393
656
1995
573
366
369
619
1996
352
274
317
403
1997
448
348
318
449

 

QUADRO VI

RELAÇÃO DE VAGAS, INSCRITOS E FORMANDOS EM LETRAS, NA PUC DE CAMPINAS [13]

 

VAGAS
INSCRITOS
FORMANDOS

MANHÃ
NOITE
MANHÃ
NOITE

1993

60
120
64
142
129

1994

60
120
62
138
107

1995

60
120
59
106
91

1996

50
120
60
126
105

1997

50
120
62
101

 

QUADRO VII :

ALUNOS MATRICULADOS EM LETRASNA PUC DE CAMPINAS

 

1a.série

2a.série

3a.série

4a.série

Manhã
Noite
Manhã
Noite
Manhã
Noite
Manhã
Noite

1993

66
137
28
87
30
132
36
115

1994

42
131
40
81
12
87
26
101

1995

46
123
19
84
33
73
12
85

1996

66
145
26
104
17
73
33
88

1997

48
90
28
103
14
93
16
75

 

QUADRO VIII

RELAÇÃO VAGAS/ MATRÍCULAS / GRADUADOS NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS

DO INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM ( IEL) / UNICAMP [14]

1993
1994
1995
1996
1997

vagas oferecidas

50
50
50
50

70

matr.1o.ano

41
41
48
45

59

matric. geral

186
183
190
194

95

graduados

27
21
30
32

38


O cenário que o conjunto dos quadros anteriores traça é de um curso de baixa demanda e alta evasão o que talvez se explique pela pouca atração que exerce o magistério em função das condições de trabalho que oferece .
Mas, além da falta de incentivos salariais para a carreira do magistério, os números relativos a postos docentes disponíveis em 1993 para professores de português no estado de São Paulo indicam saturação de mercado, como sugere o Quadro IX , construído a partir dos dados relativos a número de classes de 5a. a 8a. séries existentes em São Paulo em 1993.

 

QUADRO IX

NúMERO DE SéRIES POR CLASSE EM SãO PAULO [15]

5ª Série

6ª série

7ª série

8ª série

TOTAL

Nº de classes

26452
20610
16436
13366
76864

Nº aulas de português

105808
82440
65744
53464
307456


Supondo que cada classe tenha um mínimo de quatro aulas semanais de Português, e que as aulas disponíveis sejam divididas em lotes de 20 ( vinte aulas/semana) chegamos a 153.728 posições docentes disponíveis, o que constitui um número muito baixo de postos de trabalho prospectivos para os quase 23 mil estudantes de Letras que o Quadro V informa estarem em processo de formação. Se considerarmos a carga docente completa de 40 horas, o número de postos disponíveis baixa para 76.864 , o que torna a situação ainda mais sombria , e, de qualquer maneira, pede levantamento urgente de dados que permita um diagnóstico da área mais rigoroso e refinado do que o possibilitado pelos dados atualmente disponíveis.

 

We will survive !
Time is on my side !

Gloria Gaynor + Rolling Stones

Com este perfil, as Letras precisam, efetivamente, de alterações radicais que favoreçam articulação mais adequada ao cenário global , nacional e regional . Propostas para isso precisam partir de análise rigorosa da realidade contemporânea dos cursos de Letras, pois, sem levar em conta a cultura vigente na área , será muito difícil interferir nela com a radicalidade que se faz necessária.
É preciso romper o círculo vicioso de um curso que oferece profissionalização única e problemática (porque salarialmente inadequada) e que por isso não tem condições de disputar clientela de qualidade. No estabelecimento de diretrizes que nortearão a organização curricular dos cursos de Letras, uma primeira forma de encaminhar a questão é encontrar implementações possíveis para a recomendação do parecer 776/97 de que os cursos ofereçam variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa.
Talvez os cursos de Letras só (re)encontrem sua articulação com o mundo contemporâneo através de alterações radicais de seus objetivos e do perfil de seus egressos, o que terá implicação profunda em seus currículos, que precisam partir de uma concepção ampla e complexa da inserção (possível e desejável) da linguagem e das diferentes linguagens no mundo contemporâneo, mundo este definido por Baudrillard como mundo do espetáculo. Neste mundo também concebido como mundo do simulacro a linguagem, como é óbvio ,ocupa papel central, se é que um espetáculo não é, por si só, uma linguagem .
Por isso as diretrizes curriculares que balizarão o curso de Letras podem, por exemplo, partir dos perfis e habilidades estabelecidos como mínimos e desejáveis para os graduandos de Letras por ocasião da organização dos Exames Nacionais de Cursos (cf.portaria 55, de 05.02.1998, MEC), mas precisam ir além deles pois, enquanto as diretrizes precisam ser prospectivas, isto é, voltadas para o futuro, o Exame Nacional de Cursos tinha de pautar-se por perfis e habilidades retrospectivas, isto é, desejavelmente instauradas, desenvolvidas e aprimoradas pelas experiências em curso.
É assim, para um cenário dividido e minado que precisam delinear-se as diretrizes curriculares de Letras. De um lado, baliza o cenário o que tem sido os cursos de Letras desde as pioneiras experiências da UDF (1928) e da USP (1934). De outro, são sua matéria as linguagens em circulação neste fim de século, bem como a inserção destas linguagens e de sua respectivas metalinguagens no mundo contemporâneo. Também a crise de paradigmas por que passam, contemporaneamente, várias áreas e campos do conhecimento, particularmente as áreas e campos das Ciências Humanas, faz parte do horizonte no qual se delineiam as diretrizes que deverão nortear os cursos de Letras na transição do século XX para o século XXI.
Ou seja, a discussão das diretrizes que doravante balizarão os cursos de Letras devem levar em conta tanto a identidade que tais cursos foram desenvolvendo desde sua implantação
[16] e das primeiras experiências nos anos 20 e 30 deste século, quanto o contexto, muito distinto do dos anos 60, em que, neste final de década, de século e de milênio inscrevem-se línguas, linguagens e literaturas [18].
Relativamente ao ensino, vale apontar que a nova LDB articula a formação para o magistério com um ainda pouco discutido Instituto Superior de Educação. Se, é claro, vários dos campos e áreas recobertos pelas Letras necessariamente participarão - e muito - nesta formação, a hipótese de uma instância institucional especificamente voltada para a formação do magistério desonera a discussão das diretrizes curriculares do curso de Letras de planejarem em detalhe a formação para o magistério que, ao mesmo tempo, não deve e nem precisa mais ser a única (nem tampouco a prioritária ?) profissionalização disponível para o graduado em Letras. A graduação em Letras pode e deve ser capaz de atender à diversidade de mercado de trabalho criada pelo mundo contemporâneo, e expressa nas diferentes realidades sociais brasileiras, latino-americanas e mundiais .
Para compor este novo perfil, os cursos de Letras podem organizar-se em torno de dois tipos de componentes curriculares, cuja implementação será formatada de acordo com o projeto pedagógico da escola. Uma parte nacional comum, conjunto de campos e áreas de conhecimento a ser sugerido pelas diretrizes curriculares. Outra parte diversificada, sendo que esta diversificação pode e deve atender à especificidade das demandas sociais das diversas regiões brasileiras, bem como aos distintos projetos pedagógicos das IES que oferecerão cursos de Letras.
Relativamente à parte comum, obrigatória em todo o território nacional, sem perder de vista as recomendações legais de incentivo ao estudo independente, ao reconhecimento formal de aprendizagens feitas fora da escola, e às necessárias articulações da teoria com a prática, os cursos de Letras estarão mais aptos a inserir-se de forma útil no mundo contemporâneo se forem organizados em torno de disciplinas que garantam aos estudantes:
a) sólida formação nos estudos das diferentes linguagens em curso no mundo contemporâneo , com especial ênfase às linguagens verbais cujo estudo é recoberto pela Lingüística;
b) sólida formação nos estudos de um dos diferentes campos das Ciências Humanas , interlocutoras privilegiadas dos estudos das Linguagens;
c) sólida formação em Língua portuguesa, sendo usuário competente de sua norma padrão e, simultaneamente, familiarizado e capaz de "transculturações" de outras normas em curso ( ou já em desuso) nas comunidades lusófonas, especialmente no Brasil .
d) sólida formação em literatura brasileira, e em uma das literaturas que com ela estabelecem intenso diálogo intertextual, quer enquanto matriz (a literatura ocidental, particularmente a portuguesa) quer enquanto contexto cultural (das literaturas africanas e latino-americanas)
e) sólida formação em, pelo menos, uma língua estrangeira, moderna ou não, concebida tanto enquanto veículo de comunicação quanto como contraponto para a compreensão dos estudos de linguagem.
Sobre esta parte comum e obrigatória, como determina a LDB, fica a cargo de cada instituição - num total de horas no mínimo igual às horas dispendidas nas parte comum e obrigatória - estabelecer as áreas e campos de conhecimentos que, traduzidas em diferentes matérias e disciplinas, completem a formação básica de seus egressos.
A título de mera exemplificação, que poderia e deveria ser discutida em diferentes fóruns, pode-se imaginar que diferentes IES proponham distintos currículos para Letras. Alguns, inclusive, muito próximos dos atualmente em curso; mas outros bastante diferenciados que se marquem, por exemplo, pela formação de profissionais habilitados para diferentes tipos de redação (sem excluir a jornalística e a criativa), para a educação indígena ou para a educação à distância, para tradução ou para a produção de material pára-didático adequado aos diferentes mídia . Da mesma maneira que a formação do profissional de Letras deve incluir saberes tradicionalmente incluídos em currículos de outras áreas vários dos saberes cuja aprendizagem se dá em cursos de letras podem e devem ser incluídos em currículos de outras áreas.
Esta flexibilidade de duas mãos é essencial para a qualidade de um projeto de educação permanente e pluralista que, dizem todos, das margens do Potomac às margens do Paranoá, ser essencial para quem não quer perder carona no chamado bonde da história. Este implacável veículo, como ensina uma canção antiga e hoje de acentos nostálgicos, ensina que quem sabe faz a hora, não espera acontecer...
Vamos lá, galera ?


[1]A resolução s/n de 19/10/1962 determina os mínimos de conteúdo e duração para a Licenciatura Plena dos Cursos de Letras : Art. 1o. O currículo mínimo dos cursos que habilitam à licenciatura em letras compreende 8 (oito) matérias escolhidas na forma abaixo indicada, além das matérias pedagógicas fixadas em resolução especial: 1.Língua portuguesa; 2. Literatura portuguesa; 3. Literatura brasileira; 4. Língua latina; 5. Lingüística ( 6.8) Três matérias escolhidas dentre as seguintes: a) Cultura brasileira; b) Teoria da literatura; c) Uma língua estrangeira moderna; d) Literatura correspondente à língua escolhida na forma da letra anterior; e) Literatura latina; f) Filologia românica; g) Língua grega; h) Literatura grega.
[2] O parágrafo único do artigo 2o. da resolução de 19/10/1962 estabelece que será de 4 ( quatro) anos a duração dos cursos de Letras (...)
[3] O parágrafo 1o. do artigo transcrito estabelece que a escolha das matérias constantes das letras c e g do item 6.8 importa em obrigatoriedade das matérias constantes das letras d) e h) do mesmo item, respectivamente; o parágrafo 2o. também é bastante diretivo na medida em que estabelece que no caso de ser Inglês ou Espanhol a língua escolhida, na forma da letra c), à matéria correspondente à letra d) abrangerá, respectivamente, as literaturas inglesa e norte-americana ou as literaturas espanhola e hispano-americana.
[4] O texto legal justifica a obrigatoriedade a partir do mercado de trabalho disponível para o graduado em Letras. No ensino de primeiro e segundo graus, o ensino da língua portuguesa se torna obrigatório e com elevado número de aulas em todas as séries.
[5] Literalmente : " ... imperativo didático de relacionamento consciente dos idiomas a ensinar com os esquemas lingüísticos de assimilação dos estudantes (...)
[6] A síntese dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Letras organizada pelo MEC em 1997 em função da realização do Exame Nacional de Cursos e montada a partir do envio de documentação de muitas e variadas IES é eloqüente desta situação.
[7/8] Brasil Ministério da Educação e Desporto. Coordenação do Sistema Estatístico da Educação. Sinopse Estatística da Educação Superior: Censo educacional 94/SEEC. Brasília. MEC/SAG/CPS/SEEC, 1995.
[9] Brasil Ministério da Educação e Desporto. Coordenação do Sistema Estatístico da Educação. Sinopse Estatística da Educação Superior: Censo educacional 94/SEEC. Brasília. MEC/SAG/CPS/SEEC, 1995
[10] Brasil Ministério da Educação e Desporto. Coordenação do Sistema Estatístico da Educação. Sinopse Estatística da Educação Superior: Censo educacional 94/SEEC. Brasília. MEC/SAG/CPS/SEEC, 1995.
[11] Agradeço a prof. Dra. Lor Cury, Secretária Geral da Universidade de São Paulo a gentileza e rapidez com que me forneceu estes dados .
[12] (Unicamp, 11 anos de vestibular Nacional ) Neste quadro, os dados relativos à demanda em outras áreas que não a de Letras visam permitir a comparação entre diferentes áreas de humanas (Pedagogia e História) e entre estas e uma área de exatas (Química).
[13] Registro aqui o agradecimento à professora Olga Archangelo que gentilmente forneceu as informações relativas à Pontifícia Universidade Católica de Campinas , essenciais para uma comparação regional entre dados relativos a um mesmo curso , oferecido em diferentes instituições. .
[14] Dados do Cerca, DAC , por cujo pronto envio agradeço a Antônio Faggiani ...
[15] Censo educacional 93. Sinopse estatística da educação superior. 1993. Ministério da educação e desporto. Secretaria da Administração Geral. Sistema estatístico da Educação. MEC/SAG/CPS/SEEC/ Brasília. Setembro 1994.
[16/17] Muito embora, a partir de 1837/38 o título expedido pelo Colégio Pedro II no Rio de Janeiro fosse o de bacharel em Letras a idéia do curso de Letras ganhou contornos mais definidos no final do século passado ( 1893) , quando, num congresso da Instrução pública Carlos de Laet propôs a criação de uma Faculdade de Letras. Datam das décadas de 20 e de 30 do presente século, as primeiras experiências ( montadas a partir de modelo francês ...) de criação de cursos de Letras, através da Universidade do Distrito Federal e da Universidade de São Paulo . Relativamente ao assunto, consultar Lajolo, M No jardim das letras, o pomo da discórdia. Boletim 3/4 ALBS.RGS. p.10-27.1988; Lajolo, M. Anotações de um assessor perplexo . Anais da ABRAPULI, janeiro de 1997.
[18] São indícios da transformação deste cenário, por exemplo, a re-semantização radical que a expressão literatura vem sofrendo no currículo e no cotidiano acadêmico de inúmeras instituições de ponta européias e norte-americanas. Na passagem de estudos literários para estudos culturais reflete-se muito mais do que uma alteração curricular que, na origem, atendia a reivindicações de segmentos minoritários, e reivindicações , Consultar, nesse sentido, as emendas e catálogos de universidades como Berkeley, Stanford, Brown, e UCLA ( disponíveis na internet), bem como programas e anais dos Congressos mais significativos da área . No caso europeu, a eclosão da Estética da Recepção a partir dos anos 60/70 pode ser considerada outro signo da mesma transição .


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