Luis Filipe
Ribeiro
Universidade Federal Fluminense
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A tão badalada globalização não é, como tenta fazer crer uma certa imprensa, fenômeno novo. Não é, nem poderia ser um arauto da modernidade, um elemento dinâmico gerador de progresso. É, antes de mais nada, um fenômeno semântico - não fôssemos nós homens de letras!
Ela é, na verdade, um novo batismo para uma situação histórica antiga e resultante de um longo processo de maturação, sofrido como todos. Ela é a conseqüência, uma dentre outras possíveis, de um certo momento do desenvolvimento das economias do ocidente. Foi a alternativa que venceu e que se impôs, e só nesse sentido pode-se dizer que ela é inevitável. É verdade! Tornou-se inevitável a partir da falência ou da inexistência de outras alternativas viáveis no quadro histórico em que nos toca viver.
Mas não é este o meu assunto. Outros melhores e mais competentes do que eu poderão traçar as matrizes históricas deste processo que destrói, impiedosamente, as economias dependentes. O tema aqui proposto é o das relações entre globalização e literatura. Vamos a ele!
Não creio rentável, nem mesmo justificável, tentar traçar um panorama teórico a respeito do tema. O tempo é escasso, assim como a paciência de quem me ouve. Acho mais cauteloso tentar trazer à colação exemplos concretos e, partindo de sua apreciação, propor algumas conclusões provisórias.
Pensando sobre o tema, a primeira indagação que me veio à mente foi a necessidade de localizar um exemplo palpável de globalização em literatura, entre nós. E a resposta não se fez demorar: Paulo Coelho.
Conheço perfeitamente minhas resistências à sua obra e conheço a aversão que lhe dedica a academia, por nós aqui representada. Entretanto, não há que negar que é ele o nosso escritor mais amplamente globalizado, seja pela divulgação planetária de seu trabalho, seja pelas musculosas cifras editoriais que é capaz de exibir.
Pouco importa o amor ou o desamor que possamos nutrir por sua obra, ele em nada muda o quadro e os números do mercado que, em última instância, é a única realidade que a globalização respeita. Por outro lado, não nos cabe ignorar os fenômenos culturais, cabe-nos sim estudá-los, para entender a dinâmica social que é a vida de tudo aquilo a que se dá o nome de literatura.
A impressão que tenho é que, cada vez mais, a academia se fecha num legítimo gesto de defesa às novidades que o mercado apresenta com estrondo. Mas, se é um gesto heróico, é igualmente inútil. O resultado prático é que, a cada dia que passa, estamos cada vez mais distantes das realidades sociais que deveríamos nos esforçar para entender. O mundo está como está e, para não nos tornarmos mais desimportantes do que já somos, compete-nos a coragem de olhar em volta e tentar entender o que se passa com essa realidade que nos agride e nos surpreende a cada momento. De nada adianta cultuarmos, de forma quase religiosa, um cânone de excelência literária que a população leitora já não lê mais. E não lê, em grande parte, por culpa nossa, já que descuramos das políticas da leitura e da edição, que, abandonadas por nós, caminham ao sabor do mercado e dos empresários que transformam a cultura em espetáculo e a literatura em mercadoria fácil.
Para tentar exemplificar as relações entre a globalização e a literatura, vou dedicar-me a um exercício de análise de alguns fragmentos produzidos por Paulo Coelho e por ele publicados em sua coluna de O Globo, no dia 19 de junho último. Ali, ele afirma que está publicando "textos adaptados de escritores que marcaram a história da literatura". Sob esse pretexto publica três histórias curtas que, segundo seu crivo artístico, seriam adaptações de textos famosos.
Há aí mais problemas do que soluções. Primeiro tais escritores e cito aqueles com que trabalharei: Kafka e Machado de Assis pertencem, antes de mais nada, às histórias concretas e específicas de seus países e de suas culturas. Não há pensar Kafka, sem pensar a Tchecoslováquia, entre 1908 e 1924, e a questão judia que ali fervilhava. Não há como pensar nosso Machado de Assis, sem pensar igualmente a segunda metade do nosso século XIX, tão racista e escravagista, tão aristocrático e tão pernóstico.
As obras destes dois gigantes são expressões de circunstâncias históricas inalienáveis. Como entender o clima fantasmagórico do mundo criado por Kafka, sem respirar o ar empesteado da Europa dos anos que antecederam e sucederam à 1ª Guerra Mundial? Como ler suas parábolas, sem fazer alusões à situação dos judeus como ele, naquele quadro histórico em que a questão judia se colocava de modo tão extremadamente agudo?
E, entre nós, como pensar o mal disfarçado ódio de Machado aos aristocratas, sem levar em consideração sua origem humilde e as discriminações de que foi vítima, por ser mulato e pobre? Como entender sua sutil ironia e seu deboche cortante, sem lembrar que, até ele, a literatura no Brasil era apanágio dos aristocratas e instrumento a favor dos mais bem posicionados na vida e na sociedade?
Pois bem, Paulo Coelho, num passe de mago, transforma-os de cidadãos históricos, em habitantes de um país imaginário denominado "História da Literatura". Ali foram consagrados! Muito bem. E eu perguntaria, consagrados por quem? Consagrados igual9mente? Por que meios?
Essa consagração por e na História da Literatura tem por efeito deslocar tais escritores da sua história real para algum lugar fora dela. O que se chama de globalização começa sempre assim: pela negação da história. Dessa forma estamos todos num mundo sempre igual e cujos males são eternos e não dependeram da ação de ninguém ou, quando muito, de um senhor chamado Destino. E eis que Kafka e Machado se irmanam numa igualdade, como se houvessem pertencido a um mesmo mundo, a uma mesma época, a uma mesma classe e a uma mesma história. Um judeu tcheco da classe média de Praga e um mulato brasileiro, carioca e pobre, compartilham, agora, de uma glória igualmente repartida que lhes foi, ironicamente, negada em vida.
Assim, passam a ser os portadores de um discurso universal. Ou seja, suas obras já não dizem respeito aos seus países, à sua classe social e ao momento cultural em que nasceram. De fato, deixaram de lado essa escumalha incômoda que são os problemas concretos de que trataram, para passarem a falar de algumas generalidades tão genéricas que já não dizem coisa que valha a pena de ser lida. É a literatura despida de tudo o que lhe atribui algum sentido: a vida daqueles a quem diz respeito e a quem pretende falar.
Nasce daí um movimento, que também não é novo, e que pretende que exista alguma coisa como uma literatura universal. Ainda que tal universo possa resumir-se a Europa, França e Bahia. Não ouvimos aqui mesmo, nesta casa, falar-se de literaturas do "outro", literaturas emergentes e quejandos? O que significa isto, senão a legitimação de uma determinada cultura em detrimento de todas as demais? O que não cabe na literatura universal e, portanto, legítima, caberá em alguma dessas designações marginais e menos apreciadas. E isto porque os escritores que as povoam estão ainda sujos de história; falam de coisas existentes e localizadas, trazem à tona problemas imediatos que clamam por soluções que têm, inevitavelmente, conotações políticas santo horror! ; falam a homens como você e eu e não para uma vaga posteridade.
Quando forem consagrados pela tal história da literatura, estas circunstâncias já estarão esquecidas e eles poderão ser lidos sem perigo e sem complicações imediatas. Dirão coisas que todos entenderão, genéricas e assépticas, porque aquelas mais concretas e mais palpáveis já não contarão com a presença de seus contemporâneos e solidários compatriotas, para alcançarem toda a extensão dramática de suas revelações.
Isto não quer dizer que uma obra não possa ser lida pela posteridade ou em outras latitudes históricas e sociais. Mas há leituras e leituras. Ou se lê, buscando reconectar a obra às suas circunstâncias de produção, ou se lê relacionando-a apenas com a experiência do leitor.
No primeiro caso, hão de se produzir significações capazes de reconstituir uma época, uma sociedade e uma história. Será uma leitura de aprendizado e de solidariedade, já que significará um mergulho de corpo e alma em uma circunstância que não é a do leitor, mas que ele viverá vicariamente, sofrendo com as personagens os sofrimentos que a elas couberem naquela história e naquela cultura. É esta uma leitura capaz produzir experiências novas e enriquecedoras. Em uma palavra, será uma leitura histórica.
No segundo caso, toda e qualquer obra torna-se apenas um expediente para a confirmação de uma experiência única e localizada de leitura. O universo do leitor passa a ser todo o universo e a sua experiência a única experiência. Nenhuma leitura poderá acrescentar-lhe uma grama sequer de conhecimento. É uma leitura fechada e autoritária. Circular e reiterativa de um mundo e uma ordem supostos eternos.
A globalização apela sempre para esta última, tentando reduzir tal leitura a uma única e universal experiência humana, como se o homem tivesse sido sempre o mesmo em qualquer tempo e em qualquer lugar. Experiência esta coincidente com a limitada experiência histórica de cada leitor individual que, dessa forma, se vê conduzido à posição de sujeito universal. Pode assim tranquilizar-se. Seus males não são os de seu tempo e os de sua circunstância. Ninguém vivo é responsável por eles. Já que os males são os mesmos e parecem eternos a culpa, enfim, termina sendo da história...
Paulo Coelho opta, com extrema clareza, pela segunda possibilidade. Vejamos como isso funciona na prática.
Em Machado de Assis, o texto de que se trata é "Um apólogo", publicado no livro de contos Várias Histórias, no ano de 1896. É o décimo quarto livro do autor e vem a lume depois de Memórias Póstumas de Brás Cubas e de Quincas Borba. Isto significa que é obra de um autor já maduro, muito conhecido e com um público leitor fiel e constituído. Sua assinatura já era, então, uma marca registrada de qualidade. Enfim, é um livro que nasce dentro de uma história pessoal, em tudo e por tudo vinculada ao que de mais característico sua época apresentava.
Este conto encontra os vigamentos de sua construção num revelador diálogo entre uma linha e uma agulha, em torno da importância social de cada uma delas e das hierarquias e precedências que governavam a sociedade em que Machado exercia o seu ministério de escritor. Na verdade, tudo se passa na casa de uma baronesa às vésperas de um importante baile. Ali costureiras e baronesa desfilam suas irredutíveis diferenças e se alimentam dos preconceitos que as afastam na escala da vida. Agulha e linha comparam-se uma com a outra e pretendem, cada qual ter maior importância que a adversária, revelando com tal gesto que há sempre os que servem e há aqueles que usam os que servem. Usam e abusam, definitivamente. Uma vai ao baile cosida na roupa e a que lhe abriu caminhos resta em casa, na caixa de costuras. O narrador em Machado reconstitui criticamente as hierarquias da sociedade e deixa claro como as precedências e importâncias são obra dos conceitos e preconceitos entretecidos numa prática social aristocrática e ritualizada, necessariamente injusta.
Encerra sua narrativa afirmando que relatara o caso a um professor de melancolia e que este lhe haveria dito já haver, algumas vezes na vida, servido de agulha para muita linha ordinária. Isto coloca, o tema do oportunismo e dos meios de que se servem os que pretendem ascender naquela sociedade. É, na verdade, uma alegoria que revela os mecanismos da mobilidade social, dentro de uma ordem histórica precisa.
E a que se reduz seu conto na pena e na adaptação do globalizado Paulo Coelho? Todas as referências às hierarquias sociais e ao contexto histórico são sistematicamente apagadas. Tudo se passa entre uma genérica agulha e uma linha qualquer. Claro está que a agulha teve um aprendizado de sofrimentos para conhecer o seu papel; a linha é a razão de ser de sua vida. Entretanto, a mão misteriosa de uma costureira que não trabalha para ninguém! castiga-a, mantendo-a na caixa de costura, enquanto a linha vai ao baile sem que seja carregada por nenhuma personagem definida. O baile, aqui, não remete a nenhum tipo de sociedade ou a qualquer ordem hierárquica; não há relações de trabalho, nem conflitos sociais. Agulha e linha existem em si e de per si. Não têm como função servirem a alguém - uma costureira que serve a outro alguém uma baronesa. A agulha vale por suas qualidades intrínsecas e por sua funcionalidade genérica. Em qualquer lugar e em qualquer circunstância. Eis como se constrói uma "verdade universal". Como todas, genérica e vazia de conteúdo histórico. Vale apenas como mais uma lição de moral para saber-se como é o homem em qualquer tempo e em qualquer espaço.
A sutileza e a vida que o texto de Machado consegue alcançar, mesmo a partir de um bordão como "Era uma vez...", dilui-se numa vaga alusão à uma preconcebida e preconceituosa condição humana.
Com Franz Kafka a coisa chega, então, às raias do absurdo. A lenda que sofre a adaptação de Paulo Coelho teve duas formas de edição. Uma, mais breve e mais simples, na forma de um pequeno conto chamado "Diante da Lei", publicado em 1914. Outra em forma bem mais desenvolvida e que é a que fornece material para Paulo Coelho que aparece no penúltimo capítulo de O Processo , chamado de "A Catedral", igualmente escrito no ano de 1914. Ocorre que tal lenda, no contexto de O Processo , assume claramente a função de uma parábola. A personagem Joseph K., levada por força de seu trabalho a visitar a Catedral de Praga, é ali solicitado por um sacerdote que, ao mesmo tempo e clandestinamente, é o capelão do presídio daquele tribunal misterioso e absurdo que o julgava de forma igualmente absurda. Ali, réu e agente da ordem, travam um tenso e muito profundo diálogo sobre as leis e a justiça. Esta parábola sobre o guardião da lei e do camponês que busca a justiça surge, na construção do livro, como parte deste diálogo. O padre a relata para que, discutindo-a, possam os dois formar algum conceito a respeito da lei e do direito. A discussão é densa e obedece aos cânones da mais exigente hermenêutica filosófica. A parábola é analisada de muitos ângulos e a partir de sistemas de avaliação muito distintos. Tudo é submetido ao crivo da razão e da cultura. Nada é deixado no plano de nenhuma vaga verdade universal. Discute-se, em 1914, às portas da 1ª Guerra Mundial é bom lembrar! , em Praga, o conceito de lei e de justiça que, não por acaso, estavam sendo destroçados pela máquina da guerra que já mostrava seus afiados dentes de destruição. Joseph K. tenta entender sua condenação absurda dentro de uma lei igualmente absurda, por um tribunal ele também absurdo. A parábola kafkiana é, aí e então, instrumento para colocar em foco de discussão, a conjuntura histórica vivida pelo autor e pelos seus possíveis leitores. Discutem-se os destinos de um direito e de uma lei historicamente localizados e socialmente produzidos.
Nas mãos diluidoras e facilitadoras de um escritor globalizado tudo se resume a uma historinha entre um homem, não mais um camponês, e um guarda da lei, em algum lugar não identificado. Nesta versão o homem não entra simplesmente porque não tentou entrar, ainda que tenha ficado a vida toda diante da porta da lei. Em Kafka, o camponês, ainda que respeitando religiosamente os poderes constituídos, faz, de forma obstinada, de tudo para conseguir adentrar as portas da lei. E é sempre impedido pela guarda que tem exatamente a função de impedi-lo. Nem o suborno, nem a adulação conseguem melhores efeitos. Em Kafka o camponês, agonizando antes de morrer, pergunta ao guarda por que, sendo aquela a porta da lei, ninguém além dele havia tentado, naqueles anos todos, entrar por ela. E recebe como resposta que aquela porta estava ali exclusivamente para ele e que, com a sua morte, seria fechada e ele, o guarda, iria embora. A metáfora aqui é a de que, embora aberta, a porta da lei não estava acessível àquele homem que a procurara. Estava aberta, sim; mas com um guarda, seguidos de outros nas portas mais interiores, ali colocados para, exatamente, impedir o seu acesso à justiça. Nada mais brilhante para exemplificar a distância entre direito e justiça, naquele contexto histórico.
Já aqui, com Paulo Coelho, tudo se resume à falta de vontade do homem, à sua falta de iniciativa, pois a porta estava aberta e o guarda não tinha como função impedir ninguém de por ela adentrar. Ou seja, se não houve justiça a culpa não foi da lei, nem de seus gendarmes. Tudo se resumiu na falta de iniciativa do querelante. Brilhante magia, não? Não é, por acaso, o empresário visto como homem de iniciativa? Os demais? Bem, os demais são apenas consumidores passivos, que nunca se atreveriam a entrar pela porta aberta da lei, apesar do guarda...
Não, não dá para acreditar que tais transformações sejam obra do acaso, ainda que eu me negue a atribuí-las exclusivamente ao talento do escritor. Elas correspondem, em verdade, a um processo ideológico característico desta ordem globalizada que tenta se impor a todos nós, e o que é pior, com a nossa própria omissão. Nesta ordem afirma-se que a história finalmente acabou. Daqui para a frente tudo será a repetição das mesmas coisas e dos mesmos gestos, cansativamente e para sempre. Se o que alimenta a dinâmica da história são os conflitos humanos, os donos do poder e do capital decretaram que com o desaparecimento do socialismo de estado da antiga União Soviética, somem todos os conflitos e, com eles, a história. É a vitória definitiva do capitalismo e da sociedade de consumo. Como se o único conflito fosse entre o comunismo e o capitalismo...
Só que, apesar de tudo, os seres humanos teimam em viver. E para isso necessitam satisfazer suas necessidades vitais como comer, morar, vestir e aprender. Não há capitais para tudo. A lei da globalização é a lei da poupança.
Donde o desemprego em massa, a carência de meios mínimos de sobrevivência, a liquidação impiedosa dos sistemas públicos de saúde e de educação. Este panorama, consolemo-nos, não é apenas brasileiro.
Mas, voltando à tese, como a história acabou, se ela continua teimosamente ocorrendo, não por acaso, nos países dependentes? Indonésia, Equador, Brasil, Rússia e muitos outros vivem situações de guerra civil não declarada. Não, não é coisa dos comunistas outra vez. Eles já foram arquivados em museus de história política. Agora são as massas de desvalidos que tentam se fazer valer. De forma caótica e desordenada, sem diretriz política definida e sem chances de resultados fecundos na ordem do poder. É um fervilhar de insatisfações, por enquanto.
Nesse contexto, ninguém é demiurgo para afirmar o que virá a acontecer. Seria temerária qualquer aposta arrogante e posta de cima, mais uma vez. Mas o que, sim é seguro é que escritores como Paulo Coelho tem sim, nessa circunstância, um papel definitivo. São eles quem formulam e vendem uma possível segurança, um bem-estar viável no meio do furacão. Afinal os homens são os mesmos de sempre e tudo depende de sua educação pelo sofrimento e de sua vocação para a iniciativa. Revolucione-se por dentro e o mundo será seu.
Confirmação muito mais brilhante destas teses pode ser vista no recente filme Star Wars - Episódio I. Ali a coisa é levada ao estado de arte. O tempo some pelo ralo das imagens alucinadamente dinâmicas. Tudo começa numa sinopse de abertura onde se afirma: "Há muito tempo, numa galáxia distante...". Ora pois bem, o filme trata do nosso futuro galáctico, digamos assim, situando-o paradoxalmente num passado remoto. Paradoxo onde e por quê? Passado e futuro só fazem sentido numa ordem histórica, em que a sucessão se confunde com o progresso e o desenvolvimento científico e tecnológico, a par de aperfeiçoamentos sociais e humanos. Naquele mundo, não mais. Os cenários mesclam arquitetura greco-romana e pós-moderna, com tecnologias de ponta em desenho industrial arcaico. O salvador da Confederação, nasce de mãe virgem e está predestinado a salvar seus semelhantes, repetindo a saga do Nazareno. Há uma rainha jovem e inexperiente que comanda sábios pós-republicanos experimentados. Crianças sabem melhor resolver conflitos que adultos calejados no trato dos humanos. E, depois de muita bulha e pouco vento, o mundo volta a ser o que era: uma monarquia constituída apenas de aristocratas e, curiosamente, sem povo. E, em conseqüência, sem outros conflitos que a eterna luta do bem contra o mal. Muita bulha e pouco vento...
Eis aí a globalização na sua face mais brilhante e, seguramente, mais cruel, porque vendida de forma edulcorada, para acalmar nossas ansiedades e eliminar nossas inquietações. Construir uma imagem de um mundo sem história, mas envolvido com a luta eterna entre o bem e o mal, é a tarefa menos exigente que ela se impõe.
Como não fazer então, de Paulo Coelho e de George Lucas os heróis do nosso tempo? Esta é a literatura e o cinema que o público ama e entende. Cabe culpar aos outros ou a nós mesmos?
Anexos:
Um apólogo
- Machado de Assis
Diante da Lei - Franz Kafka
Diante da lei 2 - Franz Kafka
Luis Filipe Ribeiro é mestre
em Letras e Doutor em História, professor da Universidade Federal Fluminense,
autor de Mulheres de
Papel: um estudo do imaginário em José de Alencar e Machado de
Assis, Niterói: Eduff, 1996.
E-mail:lfilipe@usa.net
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