Luiz Ruffato
A Danação
Frio. Como em Diadema. Mineiro, ô Mineiro,
acorda! Frio. Zito Pereira revirou na cama, tentou puxar a
coberta. Hilda? Abriu os olhos, uma vertigem. Um foco de luz,
vindo da rua através de uma pequena janela gradeada no alto da
parede, quebrava a escuridão da cela. Aqui, no inverno,
é essa geladeira, disse o pernambucano que dividia com ele
um quartinho de uma pensão na rua Silva Bueno, no Ipiranga, em
São Paulo. Vai se acostumando, Mineiro. Levantou-se
tremendo, entrou na fila do banheiro.
Sentou-se, cotovelos enterrados nos joelhos, mãos amparando a
cabeça. Anos e anos tinha passado em frente à cadeia,
de bicicleta a caminho da fábrica, de-primeiro impressionado
com aquele edificio onde eram encarcerados os desordeiros, os
cachaceiros, os valentões, os embrulhões, os
assassinos. Com o tempo, não prestava mais
atenção no prédio, e só vez ou outra,
quando lia o Correio da Cidade, que relatava em minúcias os
disses-me-disses de Cataguases, é que se dava conta do destino
daqueles infelizes. Agora era ele quem estava ali, enjaulado, sem
camisa, descalço, numa doída solidão.
Zito Pereira entrou na Catedral da Sé pela primeira vez quase
se desculpando por perturbar aquele silêncio sagrado. Sentou
num canto próximo a uma pilastra e ficou observando o teto da
igreja. Ajoelhou-se, fechou os olhos, tentou rezar. Então
ouviu uma música do tempo em que moraca em Cataguases e
trabalhava de aprendiz de lanterneiro. Tentou se concentrar no
pai-nosso, mas acabou se dispersando. Levantou-se, fez o sinal d
cruz, saiu e a luz da manhã cegou-o momentaneamente. Caminhou
em direção ao Cinemúndi, na rua Santa Helena,
perdido no meio da multidão. Pensou em abordar alguém,
puxar conversa, relembrar seus tempos de moleque em Minas, eu era
fogo, rapaz!, sentiu uma tristeza danada, uma vontade de estar
longe dali. Tomou rumo da rua Direita, mãos nos bolsos.
Como havia descido a tanto? Como poderia, de agora em diante, olhar
os filhos nos olhos, dizer para eles o que era certo, o que era
errado? O que iria dizer para o Márcio, o mais velho, que
não queria estudar? Que se mirasse no seu exemplo? Que havia
saído do nada, do nada!, e tinha conseguido se formar
ajustador-mecânico no Senai, e que por conta disso trabalhou em
Diadema, conheceu o mundo, e hoje podia dar casa e comida para os
cinco filhos, sem luxo, é verdade, mas também sem
aperturas? Com que cara ralharia com eles, de onde arrancaria
conselhos?
Domingo batia pernas, sempre encovado numa blusa verde, à
procura de um rosto conhecido, lhe disseram que São Paulo
estava cheia de conterrâneos, mas onde? Tomava
café, acendia um imperador sem filtro, e o que seus olhos viam
não eram as centenas de pessoas zanzando por entre os
edifícios da praça Clóvis Bevilácqua -
mas moças e rapazes, braços dados, rodando a
praça Rui Barbosa, em Cataguases, depois do cinema - e o que
seu nariz sentia não era o odor da fumaça dos
ônibus - mas o cheiro de pipoca que tomava o centro da cidade
nos sábados à noite.
Na Serra da Onça ajudava o pai a manter a fieira de filhos, um
a cada ano, metade anjinhos enterrados no quintal, metade doentinhos
que teimavam em falar, comer... Quando tinha dez , onze anos, a
roça de milho e fumo que tocavam a meia desandou, teve que
caçar rumo, sair de debaixo das asas da mãe. Foi morar
em Cataguases, nos fundos de uma oficina mecânica, entrou no
Senai, deus sabe como, e de lá atirou-se à vala comum,
São Paulo.
Gracinha, conheceu-a no Som de Cristal, na rua Rego Freitas. Entrou
por acaso, não gostava de samba, mas queria estar no meio das
pessoas, fugir da solidão. Foi pedir mais um chope
maracanã, esbarrou nela, sentada numa mesa vizinha, pediu
desculpa, ela sorriu seus grandes olhos castanhos. Encorajado pelo
álcool, convidou-a para dançar, ela aceitou. Marcaram
um encontro para o outro fim de semana. Começaram a
namorar.
Hilda estranhou o atraso do marido. O arroz cozido, o feijão
fumegando na panela, o angu esfriando no prato em cima da mesa,
queria refogar a couve, mas o Zito não aparecia. Daí a
pouco o Márcio e a Zilda chegariam do colégio varados
de fome, tinha que levar a Marilena e a Sofia no grupo e havia
marcado uma consulta no posto de saúde para a Antônia,
andava tão judiada, coitada, uma tosse-de-cachorro...
Da janela da cozinha viu o Zito Pereira descendo as escadas devagar.
Colocou a panela no fogo e perguntou, afobada: quê que
aconteceu, homem? Ele surgiu na porta, olhar perdido, desabou o
corpanzil na cadeira e permaneceu calado. Os mais pequenos vieram
roçar suas pernas. Ele, impaciente, repeliu. Já deu
almoço pra elas? Então põe elas no quarto.
Hilda enxugou as mãos no avental e enxotou as
crianças. E vê se elas param de berrar no meu
ouvido!
Gracinha dizia que trabalhava numa casa de família em
Pinheiros. Ela era branca, a única mulher branca que se
interessou por ele em toda a sua vida. Cearense, nunca ia se
esquecer, do Crato, dizia com sotaque cantado. Olhos tímidos,
dizia, meu preto, cabra bom, homem
que nem tu não tem, Deus fez a receita, jogou fora.
Nos fins de semana descobriam juntos a cidade: os aviões no
aeroporto de Congonhas; o tobogã no Parque do Ibirapuera; a
pizza em fatias no Jeca, na praça da República; a
melancolia na rodoviária da Luz. Na avenida São
João, tomaram gosto por cinema. Não perdiam um filme,
fosse o que fosse, bangue-bangue, zero-zero-sete, bíblico,
mazarope, romântico. Adorava quando Gracinha virava o rosto e,
aconchegando-se em seus ombros, soluçava. Ele tirava o
lenço do bolso, enxugava as lágrimas dela, que se
desculpava, ah, meu deus, como sou boba!
Hilda ficou surpresa. O marido normalmente era calmo, um
coração de ouro, duro sim, mas nunca implicante com as
crianças. Foi encontrar Zito, enxadão na mão,
cavando junto ao abacateiro. Ele havia enterrado, há meses, um
coco cheio de pinga, que ganhou do Pé Inchado, amigo das
engalobadas de domingo à tarde. Zito, você vai tomar
aquela cachaça hoje? Ele continuou cavucando, sem
responder. Ela enfiou a viola no saco. Quando desembestava naquele
silêncio, não havia cristo que o fizesse falar. Entrou
na cozinha, pediu um copo, despejou um trago. Hoje eu me
emborracho, Hilda. Você não vai trabalhar mais hoje
não? Nem hoje, nem amanhã, nem dia nenhum.
Nunca mais?, perguntou, incrédulo. Gracinha repetiu:
nunca mais. Tinha sido uma briga boba, ela queria
dançar forró, ele falou que estava cansado, tinha sido
uma semana difícil, e além do mais não gostava
daquela gente toda esbarrando nela, sentia ciúme, por que
não iam para outro lugar? Ela emburrou, queria porque queria,
bateu o pé, fez beicinho. Para contrariar, disse por que
você não vai sozinha?, pode ir. Ela respondeu,
enfurecida: pode ir?, quem disse que eu preciso da tua
benção pra fazer as coisas? Tu pode ir tirando o
cavalinho da chuva, seu Zito, quando eu cismo com uma coisa nem o
demo me convence do contrário. Estavam conversando no
Viaduto do Chá, olhando o Anhangabaú lá embaixo,
ela virou as costas, caminhou decidida para a praça do
Patriarca. Desesperado, Zito Pereira alcançou-a, falou,
está bem, Gracinha, vamos ao tal forró. Mas os
olhos que viu não eram mais os da mulher que amava. Ela
retrucou, bote tento nisso, seu Zito, homem é artigo que
não falta. Desafaste da minha frente, senão lhe parto a
cara! Ele sorriu sem graça, sua mão permaneceu
atada, com força, ao braço dela. Tira essas garras
de mim, urubu! Urubu não, Gracinha. Urubu, pau de fumo, tiziu,
bola sete... Zito empurrou-a com violência, ela se
desequilibrou, caiu sobre o meio-fio. Desgraçado! Ele
acendeu um cigarro, saiu andando devagar, surdo aos gritos e ao choro
daquela que amava e que não tornaria a ver.
Me mandaram embora, Hilda. Por quê?, nem deus sabe. Deve de
ser porque sou preto, preto é cachorro do mundo. Não
estão nem aí se você tem filho,
prestação pra pagar, compromisso. O Ezequias falou,
Zito, a gente gosta muito do seu trabalho etcétera e tal, mas
o mercado de algodão está passando por uma crise, e
isso e aquilo. Resumindo, seu Zequias, estou no olho da rua? Ô,
Zito, na primeira oportunidade você volta, profissional que nem
você é difícil. Cá entre nós, eu
pessoakmente não queria te demitir, mas sabe como é...
Filho da puta! Não fica assim, Zito. Deus dá, Deus
tira. às vezes eu fico pensando, e se eu tivesse ficado
lá na Serra da Onça? Essa hora eu estaria sentado numa
sombra, comendo de caldeirão, o cacumbu do lado... E se... E
se eu não tivesse saído de São Paulo? Talvez eu
fosse mais feliz... Mais feliz, Zito? Você tem umas
idéias! Se você não tivesse voltado, a gente
não tinha se conhecido, casado, os meninos não tinham
nascido...
Mineiro. Nem nome tinha. Era o Mineiro. Na firma em Diadema,
na pensão do Ipiranga. E nem isso, quando percorria,
anônimo, a cidade. Gracinha sumiu sem deixar rastro. Seus fins
de semana passaram a ser a lembranca dos passeios que tinham feito
juntos. Domingo à noite, garoava, ele enfiou a mão no
bolso, tirou um anel, toma. Eu não mereço, Zito.
Besteira, deixa eu botar no seu dedo. O ônibus passou, Zito
Pereira saiu caminhando sob a chuva, pouco se importando se corria
risco de pegar uma pneumonia, Gracinha estaria ao seu lado, sempre,
cuidando para que melhorasse logo e pudessem, juntos, sair correndo
feito loucos, como no dia em que foram no Museu do Ipiranga e deu um
acesso de riso neles dois, e era como se estivessem de fogo, todo
mundo achando graça daquele casal de doidos que corria sem
rumo, brincando de esconde-esconde, espojando-se no chão, como
se o tempo estivesse à disposição deles.
Hilda nunca tinha visto o Zito assim tão revoltado. Era um
homem diferente. Amigos, os tinha, quatro ou cinco notórios
cachaceiros - Pé-Inchado, Wilson Birinaite, Aristides
Pé-de-Cana, Bom-de-Copo... - que passavam as tardes de domingo
reunidos em torno de uma caçarola de engalobada, bebendo pinga
e caçoando uns dos outros. Internava-se no meio do mato
sábado à noite para ter carne no almoço do dia
seguinte. Sempre trazia alguma caça: tatu, lagarto,
gambá... E as músicas que ele gostava? Só
orquestrada: Paul Mauriat, Ray Coniff, Henry Mancini, Enio Morricone,
Strauss. E a mania de cinema? E aquele negócio de
ler tudo que aparecesse pela frente, bula de remédio, jornal
velho que vinha de embrulho, livro de bolso... Era um homem
diferente.
Depois de três anos morando em São Paulo, resolveu
voltar. Falou no emprego que não aguentava mais, que toda
noite sonhava com Cataguases, que nunca mais tinha tido
notícia da família, que se sentia um mequetrefe naquela
cidade. Um baiano, que trabalhava com ele, falou, Mineiro, eu
estava bem aqui, um dia me deu um troço, comprei uma passagem
pra Serrinha, larguei tudo. Dei com os burros nágua. tive que
voltar com o rabo entre as pernas. O Brasil tem jeito não.
Só aqui a gente véve decente, sabendo que pode contar
com ordenado certo no fim do mês. É, mas lá na
minha cidade tem muita indústria, se o sujeito tiver
cabeça dá pra viver no de-acordo. Com o dinheiro da
indenização comprou uma vitrola, cinco ou seis discos,
duas mudas de roupa e uma passagem para Leopoldina. Foi recepcionado
por uma tarde tão bonita, que se não fosse muito homem
teria chorado de emoção.
Hilda saiu para levar Marilena e Sofia no grupo e Antônia no
médico. Márcio e Zilda foram prevenidos para não
molestarem o pai. Depois de beber toda a cachaça do coco, Zito
chamou o Márcio e mandou ele ir na venda do seu Antônio
Português comprar um litro de pinga fiado. Não
é justo o que fizeram comigo. Quinze anos na fábrica!
Quando chegou de São Paulo, alugou um quartinho no Beco do
Zé Pinto, comprou de segunda mão uma bicicleta Philips
preta, freio contra-pedal, e foi procurar emprego. Fez ficha em todas
as fábricas, passou um mês, nada de chamada. Em nova
investida, na Manufatora lhe perguntaram se jogava futebol.
Futebol? Bom, sempre batia umas peladas quando morava em
Cataguases, e na Serrra da Onça era desmamado com bola. Sim,
jogava futebol. Estava fora de forma, três anos em São
Paulo, trabalho, casa, casa, trabalho. Que posição?
Só tem vaga no gol. Foi ser goleiro no time do Manufatora
e ajustador-mecânico na oficina da fábrica.
Após emborcar mais um quarto de litro de cachaça, Zito
Pereira concluiu que tinha que tirar satisfação com o
encarregado. O quê que o Ezequias tinha contra ele? Por que era
preto? Por que nunca puxou saco de patrão? Por que vivia
metendo o pau, para quem quisesse ouvir, nos salários que a
fábrica pagava? Aquilo era uma indecência mesmo, uma
exploração! Por conta daquela miséria,
desapaixonou-se. Nunca mais pôs os pés num cinema. A
vitrola vendeu para pagar dívidas de uma esparrela que tomou,
não gostava nem de lembrar. Os discos, as crianças
quebraram, um a um. Morava num porão úmido,
cômodos separados por compensados. Esse, o resultado de anos e
anos de labuta. Enrolou a faca de cozinha numa folha de jornal e
enfiou no cós da calça, sob a camisa. Ia dar um susto
no Ezequias, queria ver o filho da puta gemer de medo.
Ninguém pode brincar com a vida dos outros dessa
maneira!
Hilda conheceu no campo de futebol, num jogo Manufatora e
Operário. Naquele tempo, eram imbatíveis: o
ponta-esquerda, o Zé Celso, chegou a ser escalado no time
profissional do Nacional de Muriaé. E o Esquerdinha fez teste
no Vasco, do Rio, e diz-que acabou contratado pelo Bonsucesso ou
São Cristóvão, não se lembrava ao certo.
No final da partida, várias moças foram espiar o
escrete. Entre elas, Hilda. Morena chocolate, cruzou os olhos com
Zito. Ele estava segurando um laranja, e dirigindo-se ao alambrado,
ofereceu-a para Hilda. Ela agradeceu, ele perguntou se não
poderiam se encontrar mais tarde na praça, Hilda nem sim nem
não. À noite, depois da missa, lá estava ela com
três amigas. Passaram várias vezes em frente ao Zito,
sentado em frente ao coreto, fumando um cigarro. Ele sabia que estava
sendo avaliado, medido e pesado. Numa das voltas, ele se aproximou,
timidamente, de uma das amigas, pediu para que ela perguntasse para a
Hilda se podiam conversar, o coração sobressaltado.
Zito Pereira sabia que o Ezequias passava todos os dias no bar do
Danúbio para jogar um partida de sinuca. Sentou numa mesinha,
pediu uma cerveja. Acendeu um cigarro e, para matar o tempo, esvaziou
uma caixinha de fósforos e passou a montar figuras
geométricas com os palitos. E se desistisse daquela besteira?
Mandaram embora?, arrumava outra coisa para fazer. Tinha aquele
curso, nunca aproveitado, de eletricista por correspondência,
com diploma e tudo, do Instituto Universal Brasileiro. Poderia, quem
sabe, abrir uma bancada, por que não? E se nada desse certo,
tinha duas mãos, duas pernas, uma cabeça boa, voltava
para São Paulo, não era vergonha nenhuma. Pagou a
cerveja e já estava no passeio quando avistou o Ezequias, cara
de fuinha, não, não podia deixar aquele imbecil achar
que ele era um bosta qualquer. Ezequias encostou a bicicleta no
meio-fio, Zito Pereira gritou, Zequias, seu merda!, prepara que eu
vou te dar um corretivo, desgraçado. O outro empoleirou
no selim, Zito correu em sua direção, tropicou num
ressalto, seu corpo foi ao encontro da bicicleta, Ezequias ficou
estatelado. O embrulho que Zito trazia escondido caiu, deixando
à mostra um pedaço da lâmina da faca.
Logo o dia nasceria, o barulho dos pneus das bicicletas indo para o
serviço tomaria a manhã. Sua Philips preta, freio
contra-pedal, pneu balão, permaneceria dentro do quarto,
ferrugem na catraca, poeira no selim, a graxa da corrente ressecando,
inútil, presa a um cadeado.
Em frente à jaula dos leões, Zito Pereira perguntou,
Gracinha quer casar comigo? Ela quase engasgou com a
pipoca. Casar? Enrubesceu. É,, casar, ter filhos...
Ezequias levantou-se, aterrado, saiu correndo e gritando, o
Zito tentou me matar! O Zito tentou me matar! Atordoado, Zito
ergueu-se, colocou a bicicleta de pé. Ô meu deus!
Ele e Hilda namoraram um ano e meio e noivaram por mais um ano.
Na véspera do casamento, foi, com alguns amigos, fazer a
despedida de solteiro na Ilha. Casar? Gracinha riu.
Não vou casar nunca! Estou bem assim. Então
você não gosta de mim. Fez-se um círculo
à sua volta, ê gente, o Zequias ficou doido,
vocês me conhecem, imaginem se eu ia matar alguém! A
bicicleta nem esfolou, pode ver, ó. Se tiver quebrado alguma
coisa, eu pago. É só mandar na garagem do Ulisses, ele
me conhece. É aquele ali, apontou Ezequias. Bebeu
três rabos de galo, entristeceu. Vou casar, gente, vou
casar. A mulher sentada em seu colo aplaudiu. Se continuar
bebendo desse jeito, na hora do bem-bom você não vai
conseguir fazer nada, aconselhou alguém. Estavam no Bar e
Café Gouveia, na rua Santa Helena, comendo bauru e tomando
coca-cola, ele disse, Gracinha, eu nunca vou esquecer você.
Conversa. É verdade. mesmo quando eu estiver bem velhinho vou
lembrar da gente sentado neste bar, eu olhando seus olhos, tão
bonitos!, me sentindo o homem mais feliz do mundo, vou lembrar como
você estava vestida, como pegava o bauru pra comer, como tomava
a coca-cola. Os soldados chegaram, levou um safanão,
sentiu a vista escurecer, Quê que foi minha gente? Ali, ali
a faca, ele quis me matar, ficou louco. A mulher encaminhou-o ao
quarto. Vamos brincar, meu nego? Você já ficou
apaixonada com alguém? A mulher tirou a roupa. Eu tive
uma namorada em São Paulo. Nunca mais vi. Fiquei desgostoso,
voltei. Por mim, tinha casado com ela. Ela não quis, me
largou. O que você quer que eu faça? Gracinha,
você vai me esquecer? Bebi demais. Amanhã, vou contar
pra Hilda, ela vai morrer de rir, preso?, ah, Zito, lá vem
você com suas histórias. Ia acordar, tomar mingau
de fubá com ovo, bebericar um café, acender um
continental, pegar a bicicleta a culpa foi minha, fiz besteira,
me arrependo até hoje, nunca mais tive sossego, tentativa de
homicídio, doutor, engaiola o crioulo, doutor, vou dar umas
bordoadas nele pra ver se ele pára de choramingar, que homem
mais mole, sô!, Hilda?, o quê que
aconteceu?, Hilda, o pessoal está indo pra fábrica, eu
não quis ir num forró com ela, por quê?, sei
lá, bobiça, a gente faz besteira, depois fica pensando,
não entende porque fez aquilo, Gracinha, você vai me
esquecer.